As dificuldades de sobrevivência da indústria farmoquímica nacional, o risco de desorganização do setor de defensivos agrícolas a partir de uma possível abertura indiscriminada do sistema de registro, e as oportunidades e ameaças geradas pelo atual cenário macroeconômico foram os temas debatidos no Encontro Empresarial para “Avaliação do ano 2006 e perspectivas para 2007”, organizado pela Abifina e realizado em novembro na Firjan. As análises setoriais foram apresentadas por Isaac Plachta, presidente do conselho administrativo da Indústrias Químicas de Taubaté (IQT); Eduardo Costa, diretor do Instituto Farmanguinhos; Dante Alario Junior, diretor da Biolab Sanus Farmacêutica, e Luiz Guedes, diretor da Milenia Agrociências. A avaliação do quadro macroeconômico ficou por conta da consultora e doutora em Economia Lidia Goldenstein.
Intermediários: elo indispensável da cadeia
O segmento de intermediários de síntese, que compõe a cadeia produtiva tanto da farmoquímica quanto do ramo de defensivos, além de outros da indústria química, apesar de ser estratégico para a sustentabilidade dessas cadeias não tem sido tratado com a devida atenção nos últimos anos, e em 2006 a situação só piorou. Quem demonstrou isso foi o empresário Isaac Plachta, apoiado em estatísticas da Abiquim.
“Os produtos de síntese representam quase 20% dos US$ 8 bilhões hoje importados pelo setor químico no Brasil, e isto preocupa as empresas nacionais. No ano passado, ficamos surpresos com o número e empresas que fecharam e a pequena quantidade das que estão sobrevivendo, cuja situação está cada vez mais frágil”, lamentou Isaac. No primeiro semestre de 2006 o segmento apresentou, em termos de rentabilidade sobre patrimônio líquido, um resultado de 14,3% negativos, contra 2,6% do primeiro semestre de 2005. Fazendo coro com amplos segmentos do setor industrial, o empresário afirmou que variáveis como taxa de câmbio, carga tributária, custo financeiro e custo fixo “estão minando a competitividade dos produtores no Brasil”, e lembrou que “para se verificar competitividade é preciso usar a mesma medida na comparação de produtos”. O problema do uso pelo governo de dois pesos e duas medidas para comparar o produto nacional com o estrangeiro não se refere só a preços, mas também à qualidade. “A Anvisa nos ajuda muito, mas não ‘atrapalha’ suficientemente o produto que vem de fora” – argumenta Isaac Plachta. “Não sabemos se os produtos importados seguem os mesmos procedimentos. Mesmo sendo necessários, esses procedimentos levam a custos que tiram um pouco da nossa competitividade.
” A falta de qualidade de produtos importados com base no critério de preço acaba revertendo em prejuízo para o comprador. A IQT sofreu isso na própria pele, contou o empresário: “Nós produzimos um látex usado na confecção de carpetes para automóveis. Antes usávamos um acetato fornecido por fabricante nacional, e decidimos trocar por um sucedâneo de fabricante chinês, 30% mais barato. Nesse momento ficamos completamente fora de especificação. Quando eu levantava o carpete ele quebrava no meio. Logo voltamos a usar o produto nacional e tudo se normalizou, mas tivemos que pagar uma indenização ao cliente, perdendo a vantagem que esperávamos ter por usar um produto mais barato.”
Isaac está convencido de que o Brasil deve lançar mão dos mesmos instrumentos dos países desenvolvidos na questão do controle de qualidade. “Ainda não acordamos para a necessidade de termos barreiras não-tarifárias para evitar esses problemas. Hoje, se queremos exportar para a Europa, eles analisam cada produto com um rigor que gera aumento de custos. Isto é uma barreira não-tarifária, e não quer dizer retrocesso e nem saudosismo. É política industrial. Nós aqui também devemos criar sistemas de proteção indireta, caso contrário o mercado de intermediários estará fadado a desaparecer no País.”
Para o empresário, a química fina deverá ser o grande vetor estratégico do crescimento global da indústria química no Brasil. “Nosso futuro não está na petroquímica. Uma área em precisamos nos consolidar é o aproveitamento químico de fontes renováveis. Este é o trem que está passando e não vai ter outro. Etanol, biodiesel, enzimas, produção de álcool a partir da celulose e outras formas de aproveitamento de energias renováveis – acho que realmente é esse o espaço que o Brasil tem para crescer de forma sustentável”.
Mas será difícil competir com os produtos asiáticos, adverte Isaac, e não se trata apenas de preço. “É preciso preparar mão-de-obra altamente qualificada para trabalhar na indústria, o que hoje ainda é uma deficiência nossa. Eu, por exemplo, precisei de um PhD especialista em química orgânica e tive que entrevistar 45 pessoas até encontrar. Só uma pessoa tinha realmente o perfil para aquilo que nós queríamos. Há profissionais bem formados, mas poucos com o perfil que as empresas precisam.”
Para Isaac Plachta, frente ao mercado globalizado o Brasil precisa desenvolver uma dupla estratégia: atuar mais em nível internacional, não só exportando como implantando novas bases e pontes de comercialização – “nossa empresa trabalha atualmente com duas hipóteses de montagem de fábricas fora do Brasil” – e, por outro lado, valorizando internamente a imagem do produto nacional. “Temos que incentivar a seguinte idéia: ‘compre produto brasileiro’. Os americanos fizeram isso na época do seu crescimento e foram bem-sucedidos. Quero lembrar a famosa frase de Peter Drucker: ‘a melhor maneira de prever o futuro é crá-lo’. Então, vamos criar o nosso futuro!”
Farmanguinhos: uma parceria em construção
Um diálogo nascido no Seminário Internacional sobre Propriedade Intelectual e Desenvolvimento (Sipid), organizado pela ABIFINA no primeiro semestre deste ano, deu origem ao mais promissor projeto de parceria público-privada no setor de química fina dos últimos anos. A partir de uma exposição franca do diretor do Instituto Farmanguinhos, Eduardo Costa, sobre os problemas que vinha enfrentando para abastecer de medicamentos programas prioritários do Ministério da Saúde, foi iniciado um programa de visitas a indústrias e reuniões com a ABIFINA que já resultou no delineamento de instrumentos de cooperação entre o laboratório oficial e o setor farmoquímico nacional. Eduardo Costa reportou esses avanços.
“Este ano foi muito construtivo na identificação e no fortalecimento dessa parceria, que é genérica e informal, não está escrita em nenhum documento, mas que poderá ser extremamente positiva tanto para o governo quanto para as indústrias. Um dos nossos problemas é que atrasamos muito nossas entregas para o Ministério da Saúde. Isso pode ser, sim, efeito de uma ineficiência do setor público, mas quando analisamos o porquê dos atrasos vimos que estavam ligados à compra de matérias-primas com menor preço que acabavam nos impondo um maior custo, seja com reprocessamento, entregas fora do prazo ou devolução de lotes.”
O regime do menor preço, embora seja um desastre quando se trata da compra de medicamentos, ainda é um imperativo nas licitações do Ministério da Saúde. “O menor preço salva o gestor dos programas de futuros problemas com o Tribunal de Contas” – lembra Eduardo Costa. “Então essa escolha se torna uma tendência. Ninguém se preocupa em cobrar do gestor prejuízos decorrentes da má qualidade do produto adquirido.” Mais que isso, Eduardo assinala que “hoje nós não podemos incluir no edital as características técnicas de um produto, pois se o fizermos o assunto vai para a justiça. Posso ser processado sob alegação de privilegiar concorrente com preço mais alto”. Alexandre Geyer, Isaac Plachta, Luiz Guedes e Lidia Goldenstein
Em face desse problema, que vinha impossibilitando o laboratório de produzir com eficiência, Farmanguinhos deverá mudar seu modelo de compras. “O processo está adiantado e tem boa fundamentação jurídica” – comemora Eduardo. “Nós não vamos mais comprar matéria-prima, vamos comprar serviços de produção de princípios ativos. Desse modo, teremos que ir para dentro da fábrica e acompanhar todo o processo, de forma que, quando o produto entrar na nossa máquina, entre redondo. Para ser assim, temos que produzir no Brasil.”
Por que no Brasil? O diretor de Farmanguinhos explica que não adianta certificar empresas indianas ou chinesas pelos nossos padrões. “Os produtos não vêm iguais. Lotes de uma mesma empresa vêm diferentes, recebemos o produto misturado, sem condições de entrar nas máquinas. Mesmo em se tratando de empresas ditas excelentes da China e da Índia, quando o produto chega aqui a conversa é outra.”
Mas não se trata apenas de resolver o problema pontual do controle de qualidade. Farmanguinhos quer ir mais longe, criando um ambiente favorável à inovação tecnológica na indústria farmoquímica nacional. “Percebemos que, embora em muitos momentos nós tivéssemos condições de utilizar no Brasil outras rotas para produzir fármacos, isto não aconteceu porque não temos uma farmoquímica sólida” – revelou Eduardo Costa. Para viabilizar esse projeto será preciso chegar aos intermediários de síntese, e já estão em curso entendimentos com a PetroRio para se avançar nessa área.
Em virtude do alcance da mudança pretendida, está em elaboração um projeto de lei que estimula a inovação na indústria de medicamentos e tem como objetivo aumentar a eficiência dos agentes públicos e privados nesse setor. Segundo Eduardo, ele se baseia no princípio da isonomia e vai acabar com o atual sistema de dois pesos e duas medidas, em que o produto estrangeiro não-tributado sempre leva vantagem em relação o nacional, com seu pesado fardo de 32% de impostos. Mais que isso, será dada preferência ao produto nacional, ao que inclui análise do percentual de nacionalização dos insumos utilizados.
“É muito complicada a questão de conseguir manter uma indústria no Brasil nas condições tributárias vigentes hoje” – pondera o diretor de Farmanguinhos. “Além disso, o dinheiro no Brasil é muito caro. Enquanto o BNDES abre uma linha Pro-Farma com 6% de juros anuais, super subsidiada em termos de Brasil, lá fora se financia a 1% ou 2%. Temos, portanto, juros 3 a 4 vezes maiores, mesmo subsidiados. Isto é custo que afeta a aquisição de equipamentos, o capital de giro e tudo mais. Mas para o próximo ano, com os instrumentos que estamos criando, esperamos reverter os indicadores trazidos
pelo Isaac, num primeiro momento melhorando a performance da indústria nacional, e num futuro visível também o nível de empregos.”
Inovação tecnológica e equívocos em patentes
Ao contrário de uma significativa parcela da indústria, o empresário Dante Alario acredita nos benefícios de uma aproximação entre o setor produtivo e o meio acadêmico. “A universidade precisa da indústria e vice-versa. Uma faz ciência, a outra tecnologia, e essas coisas se completam.” A empresa Biolab Sanus, da qual
é sócio, optou pela inovação tecnológica como estratégia de mercado, mas tem enfrentado dificuldades na interação com os órgãos e universidades públicas em questões relativas à propriedade intelectual.
“Quando vamos à universidade ou procuramos órgãos financiadores tipo Finep ou CNPq, eles querem discutir primeiro a titularidade da patente, e fazem questão de serem os titulares. Mesmo quando alocam numa pesquisa R$ 200 ou R$ 300 mil e a indústria investe alguns milhões de reais. Isto é complicado. Nós tivemos um caso recente em que a universidade fez questão de ser a depositante da patente. Nós pagamos, tanto o depósito aqui como em escritório internacional, mas o que aconteceu é que o escritório que representava a universidade não pagou o que devia no prazo determinado, e nós perdemos a patente. Perdemos a anterioridade, que é o que interessa em patentes.”
Mesmo assim, segundo o empresário, a Biolab Sanus não conseguiu fazer valer nos órgãos públicos a idéia de que mercado é assunto para empresa. “Estamos agora num impasse por conta de um financiamento da Finep, que nos foi concedido integralmente, porque duas cláusulas do contrato rezam que toda e qualquer negociação que eu venha a fazer fora do País, ou da tecnologia ou do meu produto, incluirá a instituição. À Finep deveria interessar que eu pague o financiamento. Mas me deixe livre para negociar como eu quero e com quem eu quero lá fora. A área comercial é minha, não é da Finep. A Finep não conhece o mercado; quem conhece o mercado sou eu, que estou nele”, desabafa Dante.
Para o sócio da Biolab Sanus, a política brasileira de genéricos conflita com o conceito da inovação tecnológica. “O futuro, o grande desafio da indústria farmacêutica, está em fazer inovação tecnológica, e
o genérico é o inverso da inovação. Não sou contra o genérico, acho que é importante para o País, mas para a indústria farmacêutica tenho sérias dúvidas. Como o governo brasileiro só fala em genérico, então a empresa tem que optar por um ou outro caminho. Nós optamos pela inovação tecnológica. Durante muito tempo fizemos isto sem nenhum apoio, mas este governo teve a coragem de fazer uma política
industrial. Mesmo com as críticas que ela deva sofrer por não ter sido completa, por não ter havido integração dos vários ministérios, por ter sido feita pontualmente, vemos que o BNDES avançou muito nesta área. Hoje há uma política, e isto para nós é muito importante porque não tínhamos nada há mais de quinze anos.”
Para Dante, só a inovação permite desenvolvimentos do tipo “me too”. “Uso um sítio químico definido, comprovado, que tenha uma determinada ação terapêutica, e faço modificações químicas de tal forma que eu vá ter uma nova molécula, inclusive com possibilidade de patente. Isto representa mais ou menos 70% do faturamento mundial da indústria farmacêutica, então o “me too” não é algo secundário. A partir daí é síntese, porque nessa molécula eu faço as modificações e todos os testes exigidos de uma nova droga.
Nesse ponto, mais uma vez se evidencia a importância dos intermediários. “Fundamentalmente eu preciso ter a química montada para fazer isso, e tem que ser aqui no Brasil” – insiste o empresário. “Lá fora se terceiriza tudo na indústria farmacêutica, mas nós não temos interesse nisso. Queremos ter capacidade para fazer aqui. Nossa empresa adquiriu no começo deste ano uma indústria química. Foi uma aquisição estratégica, não foi comercial nem financeira, porque queremos fabricar nossos próprios ‘me too’ aqui no Brasil.”
Não se trata apenas da ambição de crescimento isolado de uma empresa. Para Dante Alario, “com as condições vigentes hoje eu duvido que a farmoquímica possa ter lucro. É fundamental que farmoquímica e farmacêutica trabalhem juntas. Se não, é uma questão de tempo: a farmoquímica vai primeiro e a farmacêutica vai depois, mas nenhuma delas sobrevive. Portanto, precisamos de política para esses dois setores”.
Agroquímicos: o sistema de registro em questão
O presidente da ABIFINA e diretor da indústria de defensivos agrícolas Milenia, Luiz Guedes, expôs a dramática situação da indústria nacional nesse setor, após dois anos de crise na agricultura. “Pela incapacidade dos produtores agrícolas de pagar seus compromissos e a conseqüente pressão exercida por eles sobre o poder público, o Congresso Nacional foi invadido por uma série de projetos de leis buscando flexibilizar o sistema de registro no Brasil e fazer a chamada harmonização de registro do Mercosul, o que permitiria a livre comercialização de produtos nos países do bloco.”
O que tem se apresentado na discussão sobre o registro de agroquímicos é a face mais degradada do Mercosul. Guedes conta que “o governo argentino e uma empresa local vêm pressionando o governo brasileiro. Tivemos uma pendência discutida no conselho arbitral do Mercosul, para obrigar o Brasil a internalizar normas argentinas, paraguaias e uruguaias relativas ao registro, possibilitando que qualquer produto registrado num desses países pudesse ser livremente comercializado no âmbito do Mercosul”.
É enorme a disparidade entre os países do Mercosul no que tange a procedimentos e custos envolvidos no processo de registro, por conta de controles de qualidade, testes de toxicidade, impacto ambiental etc. Segundo o diretor da Milenia, “no Brasil, onde levamos cerca de 4 anos para obter um registro, gastamos em média R$ 350 a R$ 600 mil por registro, conforme a complexidade e o número de alvos que o produto busca alcançar. Na Argentina, que tem um sistema semelhante ao nosso, mas mais simplificado, em 5 ou 6 meses se consegue um registro. No Paraguai se obtém um registro em 15 a 20 dias, gastando-se US$ 20 mil, e no Uruguai nem se exige registro: tendo-se o produto técnico formulado, o registro sai automaticamente”.
As forças que pressionam o poder público brasileiro a nivelar por baixo o sistema de registro tentam vender a idéia equivocada de que há uma espécie de cartel controlando o mercado brasileiro de defensivos agrícolas, e que o sistema de registro dá respaldo a esse cartel. Por essa lógica, afirma Guedes, “abrindo-se o sistema de registro teríamos um aumento da oferta de novos produtos, proporcionado pelo Mercosul, o que causaria uma redução dos preços e beneficiaria os agricultores”.
No entanto, nem o Paraguai nem o Uruguai têm indústrias de defensivos, e a Argentina tem apenas duas. “Quem vai entrar no mercado brasileiro de US$ 4,5 bilhões são empresas formuladoras que estão se implantando nesses países, compradoras de produtos baratos e sem qualidade trazidos da China e da Índia. Existem hoje na China 7.500 pequenas empresas de agroquímicos, produzindo sem nenhum controle de qualidade. É claro que também existem boas empresas – umas 30, que fornecem para os Estados Unidos – mas o grosso é de empresas que vêm buscar mercados não-regulados como o nosso.” Diante desse risco de uma completa desorganização do mercado brasileiro, o fator mais preocupante, na opinião de Luiz Guedes, é a “ausência quase absoluta do governo. Durante toda a crise o governo não compareceu. Está comparecendo agora para tentar equacionar o endividamento, mas não tivemos absolutamente nada em termos de soluções mais estruturadas no âmbito de seguros, mecanismos de financiamento etc. Nos últimos anos a única coisa que nós vimos foi a redução da participação do Estado no financiamento agrícola”.
Por que o Brasil não cresce?
Esta pergunta foi o eixo da palestra da economista Lidia Goldenstein sobre o atual panorama macroeconômico do País. Depois de ouvir as questões e dilemas apresentados pelos empresários dos diversos segmentos da química fina, ela advertiu: “não vou poder jogar um balde de otimismo sobre tantos problemas colocados, porque infelizmente a realidade se impõe”.
O fato é que os bons indicadores macroeconômicos do Brasil nos últimos anos não têm se traduzido em crescimento econômico. Segundo Lidia, “alguns dados em relação a essa melhora aumentam a incógnita – por exemplo, a redução da vulnerabilidade externa. A dívida em relação às importações caiu muito, a dívida externa do setor privado também está razoável, a balança de transações correntes vai muito bem e sobretudo as nossas reservas, que este ano vão fechar em cerca de US$ 80 bilhões. Além disso, a inflação está sob controle e relativamente baixa. Tudo isso significa um desempenho extremamente bom”.
“Concretamente – avalia a economista – acho que o País está vivendo uma mudança estrutural na indústria. Temos quatro diferentes processos funcionando concomitantemente e entrelaçados: aumento da renda nos segmentos mais pobres da população, perda de poder aquisitivo da classe média, o problema de valorização
da moeda brasileira, e por último, mas não menos importante, como sempre a concorrência chinesa. Cada um desses fatores está contribuindo de alguma forma para o crescimento medíocre que nós estamos vivenciando.”
Lidia mostrou que o principal componente do crescimento do Produto Interno Bruto este ano foi o consumo das famílias, que aumentou 4,3% por conta da elevação da renda disponível para as classes mais baixas. Cinco fatores contribuíram para isso: o aumento do salário mínimo, a liberação de uma demanda reprimida de crédito, a elevação da renda através do rendimento do trabalho, a deflação na cesta básica provocada pela valorização da taxa de câmbio e a bolsa-família, que injetou este ano R$ 9 bilhões nas classes de baixa renda.
“Parece uma maravilha: distribuímos renda, criamos um mercado consumidor e com isto o País cresce. Mas infelizmente, este é um cenário que pode criar ilusões” – comenta Lidia Goldenstein. “Não há nenhuma garantia de que essa elevação da renda seja permanente, porque tanto a bolsa-família quanto a valorização do real e o crédito têm limites muito claros, que já começaram a aparecer. Na verdade esses fatores são incapazes, mesmo em conjunto, de garantir um crescimento sustentável, porque não têm força para gerar investimento e aumento de produtividade. Portanto, não podemos nos enganar: elevação de demanda é muito bom mas é efêmero. Pode ser mais um vôo de galinha – aquele vôo que vai curtinho e logo em seguida desacelera.” 11
O pior dessa história, para a indústria nacional, é que “grande parte do crescimento do consumo da população de baixa renda tem sido suprido por importações, e não pelo aumento da produção no País”. Para a economista, os ganhos que a indústria local poderia ter com esse aumento da demanda são anulados em função da valorização cambial, da agressividade da concorrência chinesa e da falta de acordos bilaterais do Brasil. “Isto é extremamente importante: enquanto o Brasil fica fazendo discurso, todos os países, inclusive os do Mercosul, estão fazendo acordos bilaterais e conseguindo acesso direto a mercados importantes.”
Lidia Goldenstein mostrou que a única indústria em efetivo crescimento no Brasil é a extrativa. “A indústria de transformação está sofrendo muito com o efeito importação e o efeito investimento baixo. Os setores que geram emprego estão todos com taxas negativas. A evolução da balança comercial com a China mostra exatamente para onde está indo o aumento de consumo brasileiro. É arrasador. É um processo absolutamente preocupante, porque mostra que o esforço de distribuição de renda está sendo desviado para a China e não gera empregos aqui.”
Insistindo na tese de que a mera transferência de renda, embora seja um fator extremamente positivo, não significa que o País irá crescer de forma sustentada, Lidia adverte que o custo dessa estratégia pode ser alto e que “a conta virá em algum momento. Na verdade, nós não só não estamos gerando emprego e investimentos como também o atual perfil de crescimento tem impactos muito negativos na classe média e na estrutura produtiva do País”.
Os números do comércio exterior revelam esse descompasso. “A taxa de crescimento das exportações vem desacelerando, embora ainda seja positiva, ao mesmo tempo em que as importações vêm subindo e pegando fôlego”, assinala a economista. O crescimento do valor exportado se deve, segundo ela, basicamente à elevação geral de preços no mercado internacional, principalmente em semimanufaturados, alavancada
mais uma vez pela China.
Nas importações, por outro lado, tudo cresce, alerta Lidia. “Desde bens de capital, intermediários – onde se encontra uma parte importante do setor de vocês – até bens de consumo duráveis. Com esse cenário é difícil ser otimista para 2007, porque tudo indica que a taxa de câmbio vai continuar relativamente apreciada, o
suficiente para seguir reduzindo a rentabilidade das nossas exportações.”
Na opinião de Lidia Goldenstein, o problema da alta taxa de juros é complexo. “Apesar da redução significativa que tivemos, ainda somos o campeão do mundo, temos taxas absolutamente proibitivas do ponto de vista do nosso empresariado, além de condições de concorrência profundamente desiguais.” Ela lembra que, embora a dívida pública tenha sido desindexada da variação cambial, “o que é realmente um feito, num país que estava à beira da hiperinflação e com enorme dívida externa”, sua estrutura ainda é de curtíssimo prazo e atrelada à Selic, ou seja, ao overnight. “Esta é uma herança maldita do período de hiperinflação, pois quando se faz qualquer política monetária no Brasil se afeta todo o estoque da dívida, e conseqüentemente o quadro fiscal. Isto é algo que teremos de enfrentar seriamente.”
Por outro lado, os instrumentos fiscais para compensar essa fragilidade são limitados. “Está cada vez mais difícil contar com a elevação da carga tributária para amortecer esse problema” – adverte Lidia. “A solução vai ter que vir na base de algum rearranjo do gasto público e do setor produtivo, o que não é algo fácil de fazer. Politicamente, implica perdas para segmentos da sociedade que como sempre, de alguma forma, irão tentar se defender.”
Lidia vê no governo, nesse momento, uma indefinição generalizada e preocupante. “Nós não temos uma estratégia definida para responder à questão do crescimento. Não temos capacidade de investimento para atacar os gargalos de infraestrutura, nem estratégias para fortalecer as agências reguladoras e com isso atrair investimentos externos. Da mesma forma, não temos estratégia comercial para acesso a mercados internacionais, os quais estamos perdendo porque a política externa é ideológica e não pragmática; e por fim também não temos estratégia para o saneamento das contas públicas.”
Por tudo isso, concluiu a palestrante, “infelizmente as perspectivas para 2007 não podem ser muito otimistas, porque não teríamos tempo para formular essas estratégias e começar o ano já de alguma forma implementando políticas que poderiam facilitar o crescimento. Não é à toa que, para o próximo ano, o crescimento que estamos prevendo é igual ou pior que o deste ano, já bastante baixo sob qualquer ponto de vista”.