REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2006 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Editorial

Somente resta fazer acontecer

O governo Lula, instalado em janeiro de 2003, criou uma expectativa amplamente favorável ao seu desenvolvimento futuro após despender quinze meses para ouvir e atender reclamos que eram apresentados pela comunidade empresarial nacional desde os anos 90, no sentido de levar o Poder Executivo a formular políticas públicas visando a retomada da industrialização do País. Esse processo foi bruscamente interrompido por marcantes retrocessos após a ingênua abertura econômica feita pelo Brasil sob estímulo do Consenso de Washington – cartilha fielmente seguida pela América Latina que prescrevia redução das tarifas de importação, apreciação cambial e elevação das taxas de juros.

Em 31 de março de 2004 foi anunciada, pelo ministro Luiz Fernando Furlan, uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior para o Brasil, contendo clara definição de metas e da metodologia para a sua implantação, bem como identificando quatro setores considerados como estratégicos para o alcance de tais objetivos, entre eles o de fármacos e medicamentos.

Com o objetivo de definir os instrumentos de políticas públicas que seriam utilizados nesse sentido, foram criados pelo governo federal diversos Fóruns de Competitividade de Cadeias Produtivas – entre eles o de agroquímicos e o de fármacos/ medicamentos, representados por ministérios diretamente envolvidos no assunto e por entidades do setor empresarial privado.

Em meados de 2005 esses dois fóruns já haviam equacionado os principais problemas que impedem o crescimento da indústria e já tinham definidas as medidas que deveriam ser implantadas pelo governo para o desenvolvimento competitivo do País nessa área.

Decorridos doze meses da conclusão desse exaustivo trabalho, é extremamente reduzido o elenco das ações definidas naquele contexto que tiveram sua implantação efetivada. Algumas até mesmo foram implantadas no sentido oposto ao estabelecido em tais fóruns, como ilustrado a seguir:

1. O sistema tarifário de produtos importados no mundo inteiro é usado para proteger o fabricante doméstico, no máximo sendo usado como instrumento de barganha em negociações internacionais – assim mesmo visando concessões recíprocas. No Brasil, as alíquotas de importação de defensivos agrícolas fabricados no País foram unilateralmente reduzidas para atender uma visão maniqueísta da área econômica do governo, incentivando a importação de produtos fabricados no exterior e criando empregos e renda lá fora. Inversamente, há casos de produtos químicos não fabricados no País para os quais o governo não atende pleitos de redução da tarifa de importação alegando que somente adota medidas nesse sentido quando o custo do insumo importado representa elevado valor no custo total de fabricação do produto no País. Dois critérios opostos e contrários à política industrial.

2. A utilização do sistema de preços de transferência nas relações entre subsidiária e matriz estrangeira como instrumento destinado a fomentar a agregação de valor nos processos produtivos instalados no Brasil, a despeito de diversos alertas do setor privado, continua a ser aplicado no sentido inverso da política industrial, ou seja, tributam-se mais as matérias-primas do que os produtos delas derivados, num claro incentivo às importações de produtos fabricados no exterior.

3. O registro sanitário de defensivos agrícolas destina-se a proteger o cidadão contra eventual comercialização de produtos agroquímicos sem a qualidade requerida para consumo humano ou agressão ao meio ambiente. O Poder Executivo brasileiro, no entanto, vem promovendo a incorporação de determinados procedimentos para o registro que não guardam correspondência com outras nações e introduzem critérios sem fundamentação técnica para sua aplicação. É o caso específico da regra de registro do produto formulado com base em produto técnico equivalente. Esse procedimento visa atender exclusivamente a uma demanda proveniente do governo argentino, cuja conseqüência será a de criar um privilégio inaceitável, que irá atingir frontalmente as empresas que ao longo dos anos investiram no aperfeiçoamento de seus produtos caso não seja estabelecido que os novos pleitos de registro somente serão avaliados quando estiverem concluídos todos os pleitos em andamento dentro das normas anteriores.

4. O uso do poder de compra do Estado como instrumento para promover o desenvolvimento industrial do país, a exemplo do Buy American Act dos Estados Unidos e de decreto aprovado pela Argentina em 2002, constituiu sugestão integralmente acatada por todos os participantes do Fórum de Competitividade da Cadeia Farmacêutica, tendo-se transformado em projeto de lei específico – mas que não saiu do papel, a despeito de sua importância para a promoção da fabricação local de fármacos estratégicos para os programas brasileiros de saúde pública. Nas licitações públicas feitas pelos laboratórios oficiais, a despeito das denúncias do setor produtivo de fármacos aqui instalado, para os produtos importados não é requerida a mesma certificação das boas práticas de fabricação a que é submetido o fabricante local por meio de auditorias e fiscalizações da Anvisa. Em decorrência, são privilegiadas as importações de fármacos asiáticos em pregões cujo critério predominante é o menor preço, sem que se estabeleça uma isonomia tributária e qualitativa com o produto nacional. Comparam- se desiguais!

5. A Lei da Inovação introduziu conceitos de excepcional importância, com destaque para a subvenção econômica ser feita diretamente pelo Estado às empresas produtivas através de linhas de financiamento a juros subsidiados para a inovação e o desenvolvimento tecnológico. De forma expressiva, porém, apenas o BNDES atua nesse sentido, valendo-se de seus lucros, das amplas disponibilidades de caixa e da persistência de dirigentes. O Tesouro Nacional tem contingenciado de forma sistemática o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( FNDC T ) , razão pela qual a Lei da Inovação tem apresentado um desempenho pífio.

6. A Lei de Incentivos Fiscais para a Inovação Tecnológica, recentemente aprovada, por pressão do Tesouro Nacional restringiu seus efeitos às grandes empresas, aquelas que já realizam P&D. Isso porque limitou sua aplicação, essencialmente, àquelas empresas que usam o sistema de lucro real, desconsiderando que mais de 90% das empresas em operação no País valem-se do sistema de lucro presumido por permitir a redução de despesas administrativas para o controle fiscal.

7. O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) constitui um órgão de importância estratégica para o desenvolvimento tecnológico e industrial do País. Depois de muitos anos de desatinos administrativos, por empenho da atual administração o INPI está sendo recuperado, via contratação de adequados recursos humanos e serviços. Mas, infelizmente o instituto continua impedido de se valer dos recursos provenientes de taxas cobradas ao consumidor pela prestação de seus serviços de análise e registro de pleitos, como definido na Lei de Patentes. O poder público centralizado desvia recursos do contribuinte para atender outras finalidades, distintas daquelas para as quais foi criado o tributo. Entende-se que a estabilidade macroeconômica, representada pelo rígido controle do processo inflacionário, constitua matéria de relevante importância, mas em seu nome não se pode deixar de implantar medidas desenvolvimentistas pelo simples temor da mudança, como certamente está ocorrendo na máquina pública brasileira. Mudar regras e sistemas que não demonstrem claro impacto no equilíbrio macroeconômico, não somente deveria ser possível como também desejável.

Em decorrência do exposto, a despeito de a química fina ter sido classificada há dois anos e meio (março de 2004) como setor prioritário no contexto da nova política industrial, tecnológica e de comércio exterior, e de terem sido definidas há mais de um ano (início de 2005) as ações e medidas a serem implantadas nessa área, praticamente quase nada aconteceu e muito pouco mudou nesse cenário. Efetivamente, 2005 e 2006 foram dois anos extremamente frustrantes pelos pífios resultados decorrentes da aplicação da política industrial, tecnológica e de comércio exterior que, ressalte-se por oportuno, em boa hora foi definida logo no início do governo Lula. Infelizmente, a forte e favorável expectativa das inovações formuladas frustrou-se pela resistência à mudança encontrada em gestores públicos que deveriam tomar iniciativas para viabilizar as novas políticas de um Estado com caráter desenvolvimentista.

No cenário acima descrito grassa o desencanto empresarial com o funcionamento das instituições públicas brasileiras. Efetivamente, o País reúne todas as condições, como nação-continente, para trilhar um caminho de sucesso rumo ao primeiro mundo, mas na realidade sistematicamente se verifica que, em vez de avançarmos como os demais emergentes, costumamos perder o bonde da história e muitas vezes até mesmo damos tiros no pé – por conformismo, ação ou inação.

Na área da química fina o primeiro mandato do governo Lula dedicou-se, na prática exclusivamente, ao diagnóstico de problemas e ao planejamento de medidas. Esperamos que o novo mandato, legitimamente conquistado sob a expectativa de desenvolvimento econômico e geração de empregos, se caracterize agora pela eficaz implantação da política industrial já elaborada. Para tanto é requerido vontade política, articulação e efetiva gestão da máquina pública, ainda não presentes na realidade brasileira. Caso contrário somente nos restará ficar repetindo, monotonamente, a presente catilinária, “tocando o realejo” como costumava se expressar o ex-governador Leonel Brizola.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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