No último dia 26, a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), no exercício da operação “Ilegal nunca mais”, fechou boxes e apreendeu quantidade considerável dos produtos vendidos no camelódromo da Uruguaiana, no centro do Rio.


A diligência institucional da Polícia Civil, baseada nos inúmeros relatos de violações marcarias, falsificações de desenhos industriais, softwares produzidos sem a licença dos titulares de direitos autorais, repete outras tantas já feitas no mesmo bat local, quase que anualmente.

A sensação de dejá vu, no entanto, não escapa aos olhos daqueles que cotidianamente transitam pelas ruas do Rio de Janeiro, já sabedores de que o efeito simbólico – midiático – de tais operações tem pouquíssimo resultado prático a médio e longo prazo.

O mercado popular da Uruguaiana foi idealizado para reunir, de forma mais organizada, o pequeno comércio desvinculado dos grandes conglomerados empresariais, acabou por se perpetuar como núcleo oficial das “ilegalidades toleradas”. Todos sabem que parte da mercadoria ali presente viola direitos de propriedade intelectual, mas num ajuste político de comodismo, joga-se a poeira “embaixo do tapete”, e se aceita a região como um local fora da incidência do Estado, da legalidade.

Os titulares de direitos de propriedade intelectual aproveitam a oportunidade do interesse – pontual – da imprensa para divulgarem os ‘prejuízos’: menor arrecadação tributária aos cofres públicos, danos emergentes e lucros cessantes. Não estão, factualmente, desprovidos de razão.

No entanto o quadro do combate à mercadoria contrafeita não é tão simplório quanto querem fazer os “donos do poder”. Os cidadãos humildes que laboram no mercado extra-oficial estão longe de representarem a personagem que lhes foi “escrita”, com a perna de pau, o papagaio, e o tapa-olho.

Mas nas felizes palavras do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “Nosso tempo é propício aos bodes expiatórios – sejam eles políticos que fazem de suas vidas privadas uma confusão, criminosos que se esgueiram nas ruas e nos bairros perigosos ou “estrangeiros entre nós'”.

A preocupação dos titulares em eleger o pequeno comerciante de mercadoria contrafeita como inimigo público, não é, contudo, desprovida de propósito.

Com exceção da indústria dos games e do software, não se pode dizer que o Mercado Popular concorre com o setor industrial oficial, pois não há fungibilidade entre o consumidor que compra uma fragrância de uma grife francesa num dos shoppings da cidade, para com aquele trabalhador que quer exalar olor parecido ao do patrão, mas pagando dez reais pelo frasco.

Ou seja, o cliente ou freguês das grandes empresas não deixa de consumir os produtos oficiais, pelo fato de haver uma imitação-siamesa a venda por um décimo do preço. E também aquele que faz a poupança de poucos reais por mês, não aguardará um ano para adquirir o produto “original”, quando um substitutivo semelhante e acessível está disponível.

A preocupação, portanto, dos proprietários de direitos é apenas com a chamada perda de “distintividade” do produto oficial, que passa a conviver nas ruas com alguns clones.  Pois em muito desagrada às madames (consumidoras) que compram bolsas ao preço de carros, verem pessoas simples no ponto de ônibus, segurando uma réplica do acessório que lhes dá, psicologicamente, a sensação de status.

Mas o combate dos sintomas (falsificação de produtos, contrafação, fraude ao fisco) da falha de mercado, de nada resolvem ou se aproximam à cura da “moléstia” (preços abusivos, alíquotas tributárias que quase chegam ao confisco, e a lavagem cerebral do consumismo), que continua a ser tratada por vias paliativas.

Entretanto, a verdadeira queda de braço entre o comércio mainstream e o paralelo não traz só prejuízos, como muitos podem pensar. O resultado disso pode ser diagnosticado nas grandes magazines que nos últimos anos reduziram – em muito – o preço dos CD’s e DVD’s, aproximando ao preço praticado pelos camelôs, mas pagando tributos, gerando empregos formais, e fornecendo lucro.

A minoração dos preços de um setor do comércio (a uma terça parte) mostra o quão aleatório, e desproporcional é a relação do custo para com o preço final ao consumidor. Mas, infelizmente, tal adequação de valores ainda se mostra tímida perante o restante do mercado.

Enquanto a indústria não se sensibilizar em praticar valores justos para seus produtos, continuará precisando taxar os ambulantes de antagonistas, e deixará o mercado consumidor entre sua conduta de “espoliador” e, do outro lado, os “piratas”.

Pedro Marcos Nunes
é mestrando em Direito Civil, especialista em Propriedade Intelectual, professor da Graduação em Direito da PUC-RIO, e sócio de Denis Borges Barbosa Advogados.

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