A sociedade não pode ficar à mercê da dúvida, sob a pena de impactarmos negativamente o desenvolvimento da indústria nacional de medicamentos e a oferta de opções terapêuticas à população.


O Brasil ganhou há pouco mais de uma década, com a Lei dos Genéricos, uma importante ferramenta que garantiu a uma parcela significativa da população o acesso a tratamentos de saúde a baixo custo, com segurança, qualidade e eficácia comprovadas. E também permitiu às empresas brasileiras ampliar a participação em diversos segmentos da indústria farmacêutica nos quais antes não conseguia competir. Desde que chegaram ao mercado, os genéricos trouxeram resultados benéficos, mas este cenário corre hoje um sério risco.


Recentes ações judiciais, impetradas por multinacionais, alegando que seus direitos proprietários sobre dados sigilosos relativos ao registro sanitário de medicamento foram utilizados pelas companhias produtoras de genéricos, ganharam espaço nos tribunais brasileiros. Estas decisões judiciais, do modo como estão sendo tomadas, preocupam e estabelecem uma instabilidade jurídica a um setor essencial para o desenvolvimento do Brasil.


Tomemos por exemplo o caso de um antidepressivo utilizado por mais de 150 mil pacientes no Brasil desde 2003 e que, a partir de 2009, ganhou um concorrente similar e outro genérico. A multinacional fabricante do produto de referência, mesmo com patente vencida, recentemente entrou na Justiça e acusou a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de utilizar os dados do estudo clínico apresentados para o registro de seu medicamento para serem, equivocadamente, comparados com os dados presentes no dossiê dos produtos genéricos e similares. Mas não há equívoco nessa ação. Essa é a prática obrigatoriamente definida pela Lei dos Genéricos.


A multinacional apresentou sua reclamação baseada em práticas existentes em legislações de outros países, mas que não correspondem ao que é definido pela lei brasileira, que não estabelece tal direito para produtos farmacêuticos de uso humano. Não existe prazo de uso exclusivo para medicamentos.


O juiz de primeira instância que tratou do caso, porém, baseando-se em um cenário equivocado, decidiu pela suspensão de registros dos medicamentos genéricos e similares ao de referência, tirando do mercado opções seguras, eficazes e acessíveis ao tratamento a milhares de brasileiros. Mais do que isso, impediu a normal função administrativa da Anvisa; criou um ambiente em que interesses particulares de empresas se justaponham ao interesse da saúde pública; e, principalmente, pode inviabilizar o registro de novos genéricos e similares no país e a comercialização daqueles já registrados, uma vez que o procedimento utilizado pela Anvisa é o mesmo para todos.


Enquanto a discussão ainda se alonga nos tribunais, a Abifina prepara, por meio de seu corpo jurídico, uma ação que será apresentada e divulgada em um futuro próximo. A entidade se dispõe a defender a lei vigente e entende ser fundamental a ampliação do debate público sobre a instabilidade nas regras e procedimentos legais que inibem o investimento no setor produtivo,responsável pela grande evolução socioeconômica do Brasil nessa área.


É preciso que o Congresso Nacional seja alertado para essa questão, já que foi nessa Casa que foi construída a lei vigente, e não nos Parlamentos do Primeiro Mundo. Que sejam realizadas audiências a sessões plenárias que permitam a discussão deste importante tema. A sociedade não pode ficar à mercê da dúvida, sob a pena de impactarmos negativamente o desenvolvimento da indústria nacional de medicamentos e a oferta de opções terapêuticas à população.


Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina)


Fonte: Jornal Brasil Econômico (27 de julho de 2011)

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