ALLAN ROCHA DE SOUZA, FRANKLIN RODRIGUES DA COSTA e VANIA LINDOSO
A visita do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao Brasil faz ressuscitar desejo antigo de implementar mecanismos que padronizem à concessão de patentes em um sistema conhecido como Patente Mundial.
O Brasil, por meio de sua representação diplomática, sempre combateu essa agenda, em todas as oportunidades que fora apresentada. Espera-se, agora, que os interesses do país continuem a ser preservados pela presidente Dilma Rousseff, de modo que o Brasil consiga romper com a política subserviente, em termos verdadeiros. As dificuldades, para tanto, são enormes.
E o que acontece quando se confere tratamento idêntico a situações completamente distintas? No caso da propriedade intelectual, traz danos para os menos desenvolvidos, como o Brasil: a) aplicação antecipada da lei de propriedade industrial (para se adequar ao Trips, o Brasil aplicou a Lei nº 9.279/96 antes dos países desenvolvidos ignorando os prazos conferidos pelo artigo 65, do Acordo); b) desequilíbrio da balança comercial, com substanciais remessas de royalties; c) sucateamento da indústria nacional, com instalação de eventual processo de desindustrialização ; d) preços de medicamentos muito mais caros (a Índia usou todos os prazos do TRIPS e por isso vende os medicamentos até 94% mais barato que os nacionais); e) comprometimento de programas sociais do governo federal, como o programa oferecido pelo Ministério da Saúde, DST/Aids e Hepatites Virais, que fornece gratuitamente todo o tratamento para os portadores da síndrome de imunodeficiência adquirida e é referência mundial.
A retórica dos países desenvolvidos, contra a política voltada às realidades locais, vem ensejando uma série de propostas de acordos com objetivos semelhantes aos alcançados no TRIPS, só que mais rigorosos e restritivos.
E é com esse manto de candura e a justificativa de pôr fim ao atraso no exame das patentes, conhecido como backlog, que se encontra escondido o real objetivo do Patent Prosecution Highway (PPH): encontrar um “caminho mais curto” para transferir o exame de patenteabilidade do Inpi para o USPTO ou deixar na mão do examinador de patentes a responsabilidade de fazer a Escolha de Sofia, qual seja, aceitar o exame americano ou refazê-lo, o que se afigura de todo inaceitável.
Estamos diante de situação semelhante ao problema das patentes pipeline (mecanismo inserido na LPI para conceder proteção a patentes de medicamentos), que na leitura do Inpi não necessitavam ser examinadas, se concedidas no país de origem. Inúmeras demandas se arrastam até hoje, no Judiciário, envolvendo os questionados dispositivos que regulam o assunto, com enormes custos sociais e econômicos.
É desta mesma fonte que nasceu a divergência entre Anvisa e Inpi, quanto aos termos que deveriam ser dados à Anuência Prévia (art. 229-C, da LPI), que prevê a possibilidade de a concessão da patente ser um ato complexo, com a interação entre dois órgãos que são autoridades no assunto, e cujo deslinde até o momento, não foi alcançado.
Disso resulta uma indagação pertinente: a Anvisa não pode atuar no exame dos requisitos das patentes farmacêuticas, mas a oficina americana pode? Qual instituição está habilitada e interessada em defender o interesse e a posição do Brasil? A Anvisa ou o escritório americano de patentes?
E, diante dos efeitos ao mesmo tempo amplos e profundos para o destino e soberania do país, como isso poderia ser feito através de um singelo adendo ao acordo vigente de cooperação técnica entre as oficinas de patentes?
Isso nos parece uma verdadeira falácia que, na prática, resultará na transferência do exame de patenteabilidade para o escritório americano de patentes, que, obviamente, atuará na defesa dos interesses econômicos do seu país e do seu governo.
VANIA LINDOSO é procuradora federal da Advocacia-Geral da União na Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz (Rio).
Fonte: O Globo
18/03/11