REVISTA FACTO
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Informando ABIFINA • Abril 2006 • ISSN 2623-1177
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//Entrevista Sandra Rios

Os acordos para o comércio internacional

No seu entender, o Mercosul, como projeto regional, está deixando de interessar ao Brasil que, aparentemente, segue um caminho próprio de desenvolvimento econômico e político? 

No meu entender, as principais dificuldades estão centradas na combi-nação das seguintes situações de natureza estrutural e de conjuntura econômica: (1) as acentuadas assimetrias de tamanho entre os sócios em descompasso com indicadores de desenvolvimento econômico-social de cada país impõem limites ao exercício da liderança; (2) perda de competiti-vidade da indústria argentina, com deficiências estruturais agravadas ao longo do tempo e com baixa capacidade de atração de investimentos diretos; (3) reflexos importantes da crise econômica do Brasil e da Argentina sobre o Uruguai, incentivando o país a demandar um modelo econômico aberto, não sujeito a desvios de comércio em favor dos sócios maiores; (4) dificuldades no Paraguai relacionadas à grave crise econômica e à percep-ção de falta de apoio dos sócios para a superação da mesma; (5) bom exportador brasileiro com aproveitamento das boas condições do mercado internacional, mesmo com acentuada valorização do real em relação ao dólar e em relação ao peso argentino. O superávit comercial brasileiro com os sócios do bloco, inserido no quadro geral do comércio exterior brasilei-ro, vem acirrando o contencioso comercial.

Por outro lado, a análise da evolução da integração comercial permite observar que, apesar das dificuldades recentes, o Mercosul ainda desempenha papel relevante nas exportações brasileiras. O padrão de comércio do Brasil com o Mercosul é diferente do padrão do comércio global brasileiro, sugerindo maior contribuição do bloco para a diversificação das exportações brasileiras, com produtos de maior valor agregado.

O ambiente de conflitos e divergências entre os países incentiva fortes demandas de maior distanciamento de uma  política comercial comum. Entretanto, não é realista imaginar que, em um contexto internacional em que proliferam os blocos regionais, os quatro membros do Mercosul possam decidir abrir mão do processo de integração.

O projeto de integração não é incompatível com os interesses brasileiros de desenvolvimento econômico. Entretanto, não há como participar de blocos econômicos, sem compartilhar objetivos e visões. É fundamental que os sócios do Mercosul recuperem o senso de orientação estratégica, definindo um programa de trabalho coerente.

Diante do atual período de grande crescimento econômico na América do Sul, ao lado de dificuldades encontradas para a implantação da ALCA, existe alguma possibilidade para prosperar a antiga idéia de integração latino-americana na ALADI?

Do ponto de vista da inserção internacional do Brasil, a idéia de integração latino-americana é muito positiva. Os países da região representam mercados importantes e dinâmicos para os produtos manufaturados do Brasil. Além disso, a proliferação de acordos comerciais na região, com regras comerciais variadas e complexos sistemas de origem, provoca desvios de comércio e eleva o custo de transação das empresas.

Um Espaço de Livre Comércio que permitisse abrigar sob um mesmo guarda-chuva normativo as relações comerciais entre os países latino-americanos daria uma grande contribuição para o crescimento dos fluxos comerciais na região.

Apesar disso, acho difícil que este projeto prospere no curto prazo. A recente experiência de negociação de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina mostrou claramente as dificuldades de convergência de interesses comerciais dos países sul-americanos.

De modo geral, os demais países da região vêm o Brasil como o país mais competitivo e demandam tratamento especial e diferenciado, colocando muitos produtos em listas de exceções, exigindo prazos muito longos para a liberalização de suas tarifas de importação ou ainda solicitando regras de origem mais flexíveis. Portanto, um acordo desse tipo, exigirá que o Brasil esteja disposto a pagar o preço da liderança.

A adesão da Venezuela ao Mercosul que, no primeiro momento, pareceu ser bem mais vantajosa à Venezuela do que ao Brasil, poderá afinal resultar em um bom negócio para o bloco e, em particular, para o Brasil, com a aceleração, pela Venezuela, do programa de redução tarifária?

Estudo recente elaborado pela CNI identificou os produtos que representam maiores oportunidades para a expansão do comércio entre a Venezuela e o Brasil. De acordo com o estudo, dadas as diferenças de dimensão dos mercados brasileiro e venezuelano para os produtos identificados como oportunidades de exportação para cada um dos países, a potencialidade de crescimento das vendas externas da Venezuela é maior do que a brasileira. Além das magnitudes do mercado, observa-se que o market-share do Brasil na Venezuela para os produtos selecionados é muito maior que o market-share venezuelano no Brasil.

Portanto, do ponto de vista dos interesses econômicos brasileiros no processo de adesão da Venezuela ao Mercosul, as perspectivas de crescimento das exportações brasileiras para aquele mercado parecem estar limitadas pela dimensão do mercado venezuelano e pelo já elevado market-share brasileiro nos produtos em que o Brasil é mais competitivo. Há, entretanto, interesses a serem considerados na prestação de serviços e na participação de licitações públicas na Venezuela.

As negociações para a agenda da adesão da Venezuela envolvem um elevado grau de complexidade, mas os benefícios econômicos que o Brasil pode esperar deste processo não parecem muito significativos.

O que se pode esperar para 2006 nas negociações comerciais com países desenvolvidos e que pudesse resultar em acordos relevantes para as exportações brasileiras?

Creio que em 2006 as atenções estarão voltadas para o âmbito multilateral. Tendo em vista a natureza da agenda de negociações com os países desenvolvidos, muito dependentes do avanço na liberalização do comércio agrícola, é difícil avançar em entendimentos regionais sem que esteja claro o patamar de liberalização dado pelos compromissos que resultarão da Rodada de Doha da OMC.

As negociações da ALCA continuam paralisadas. No campo dos entendimentos entre Mercosul e União Européia, observam-se alguns movimentos entre os negociadores. Apesar disso, é pouco provável que os dois blocos possam avançar nas ofertas sem que estejam claras as modalidades de liberalização no âmbito multilateral.

Está sendo analisada a possibilidade de estender o MAC aos demais sócios do Mercosul, visando sua preservação e formando um mecanismo de salvaguardas intra-bloco, à semelhança do Nafta e dos acordos assinados pela União Européia? Como Brasil e Argentina poderão justificar juridicamente um mecanismo que viola diversos dispositivos do Acordo de Salvaguardas da OMC, de 1994, e de hierarquia superior?

É importante esclarecer que o MAC é um mecanismo de salvaguardas preferenciais (trata-se da suspensão das preferências tarifárias vigentes no comércio Brasil-Argentina) de natureza diferente dos instrumentos cobertos pelo Acordo de Salvaguardas da OMC (que determinam o contingenciamento das importações).

Creio que a avaliação dos aspectos econômicos é mais importante do que dos aspectos jurídicos. Em um contexto de recuperação da economia argentina e de forte apreciação do real em relação ao peso argentino, não parece haver justificativa para a imposição de medidas que anulem preferências no comércio bilateral.

O mecanismo aprovado representa um retrocesso no projeto de integração, uma vez que reduz as preferências típicas de um bloco econômico. Além disso, o mecanismo poderá persistir indefinidamente. Ainda que esteja prevista uma revisão do Protocolo para daqui a 4 anos, constitui-se em um mecanismo de prazo indeterminado.

Além disso, o acordo não inclui dispositivos capazes de evitar que, em caso de imposição de medidas, haja desvio de comércio em beneficio de outros países que gozem de preferências no mercado argentino. Por fim, o Protocolo não exigiu a proibição da aplicação simultânea de outros mecanismos de restrição do comércio, em especial do antidumping.

É importante que o Governo brasileiro seja ativo no acompanhamento da implementação do mecanismo, para evitar o uso discricionário de medidas protecionistas. Além disso, o Governo deverá ter presteza no acionamento do mecanismo de apelação previsto.

A que se deve atribuir a repentina flexibilidade européia quanto à possível aceitação de um acordo agrícola global sem uma cláusula de proteção de seus subsídeos (ou foi mera especulação?), tema no qual vinha se mantendo irredutível e que impediu um maior avanço da reunião ministerial de Hong Kong em dezembro de 2005?

Após a reunião Ministerial em Davos, em janeiro deste ano, houve uma manifestação de boa vontade por parte dos principais atores da Rodada. Entretanto, nas mesas de negociação ainda não apareceram propostas que incorporem essa postura mais positiva. Na realidade, parece estar claro que o fracasso da Rodada não interessa a ninguém. Ao mesmo tempo, os países não parecem dispostos a assumirem custos elevados em termos de redução do protecionismo em suas áreas mais sensíveis. Portanto, o processo parece caminhar para um desfecho em que haverá uma redução do grau de ambição.

A Coalizão Empresarial Brasileira não poderia agregar à sua já extensa pauta de trabalhos, estudos visando divulgar obras realizadas e projetos de reformas estruturais, avaliando alternativas e traçando cenários econômicos para os próximos anos e décadas?

A Coalizão Empresarial Brasileira foi criada para acompanhar e influenciar as posições governamentais brasileiras nas diversas frentes de negociação em que o Brasil está envolvido. A agenda de trabalho da CEB foi sendo ampliada ao longo do tempo, à medida que aumentava o número de frentes em que o Brasil participa.

Não há dúvida que, para que o Brasil possa usufruir os benefícios dos acordos que estão em negociação, é fundamental que o país avance na agenda de reformas domésticas que poderão assegurar o nivelamento das condições de competitividade com seus principais competidores no mercado internacional.

A CNI, coordenadora da CEB, tem se dedicado à elaboração de estudos e documentos com propostas de reformas estruturais. Na minha opinião, é importante que a CEB mantenha o foco na agenda de trabalho para a qual foi criada e que aproveite os esforços realizados pela CNI e por outras organizações empresariais para lidar com os temas da competitividade.

Sandra Rios
Sandra Rios
Sandra Rios é sócia da Ecostrat Consultores e especialista em temas relacionados negociações comerciais (Mercosul, ALCA, OMC, etc) e em política de comércio exterior. Atua como consultora permanente da Confederação Nacional da Indústria, sendo responsável pela coordenação técnica da Coalizão Empresarial Brasileira. Integrante da Lista Indicativa de Panelistas da OMC, por proposição do Governo brasileiro, aprovada pelo Órgão de Solução de Controvérsias da Organização, é coordenadora do grupo de acesso a mercados do Foro Empresarial Mercosul – União Européia, membro do Conselho Superior da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior, FUNCEX e faz parte do corpo docente da Fundação Dom Cabral. Foi coordenadora da Unidade de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria. É economista formada pela PUC-Rio, com mestrado em economia pela mesma instituição.
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