REVISTA FACTO
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Informando ABIFINA • Fevereiro 2006 • ISSN 2623-1177
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//Entrevista Ricardo Sennes

O ambiente macro e o microeconômico

Existe uma visão estratégica para o desenvolvimento do País no longo prazo ou apenas temos um prolongamento do plano de estabilização?

Acho que o Brasil deu um passo importante com a consolidação do Plano Real, diria mesmo fundamental. Porém, insuficiente em termos dos padrões de desenvolvimento almejados e necessários para um país como o nosso. Estabilização macro-econômica é uma condição necessária, mas insuficiente. O governo FHC perdeu parte importante de seu impulso político ao ser incapaz de transitar da agenda focada na consolidação do Plano Real (10 mandato) para uma agenda claramente pró-crescimento e desenvolvimento. Foi dessa incapacidade que a candidatura Lula se alimentou e se viabilizou. Lula, após a Carta ao Povo Brasileiro, buscou claramente combinar uma proposta de estabilidade com uma de crescimento. Infelizmente, não foi capaz de implementar essa proposta.

O crescimento econômico requerido para o País somente poderá ser alcançado através de severos cortes no orçamento público, ou ele também poderia ser buscado através de juros menores ou outras reformas que permitissem crescer com estabilidade?

O Brasil é um país que combina ilhas de excelência com um mar de economia de massa e manchas de miséria. Ou seja, é um país profundamente desigual social, política e economicamente. Num contexto como esse, parece óbvio que políticas ativas de fomento ao desenvolvimento e correções de distorções são necessárias. Estou entre aqueles que acreditam que o livre-mercado é o melhor instrumento de alocação de recursos escassos, porém ele não é perfeito e nem funciona adequadamente em ambientes com fortíssimas distorções sociais, deficiências institucionais etc.
È necessário reconhecer que não se trata de pensar que o Brasil apenas se desenvolverá pela ação das políticas públicas; ao contrário, essas políticas devem ser seletivas e corretivas.
A questão do juros é hoje, possivelmente, a maior política industrial horizontal que o país pode ter. No Brasil é impressionante a resposta do setor produtivo a pequenas reduções do custo do capital. Como uma economia de massa, ou seja, brutalmente diversificada e com um número enorme de empresas atuando, o gargalo do crédito, do capital de giro e da capacidade de captação é fatal. O efeito do juros numa economia como a nossa é bem diferente de uma economia com empresas muito mais estruturadas e que contam com um setor financeiro basicamente voltado ao crédito.

Como analisa a situação do câmbio nos dias atuais?

Na questão do câmbio é necessário distinguir dois pontos. Um é a sua volatilidade, outro é a sua apreciação. Possivelmente a primeira é ainda mais grave que a segunda. O câmbio é a variável que liga toda a economia de um país à economia mundial. Preservar o país de oscilações bruscas na taxa de câmbio deve ser uma meta das autoridades econômicas, pois seus danos não são apenas derivados das perdas extraordinárias que algumas empresas podem por ventura sofrer, os principais danos são sobre a imagem do país como base segura para operações de caráter internacional. Esse é um mal de cura muito lenta, pois o risco cambial é um dos mais sensíveis para qualquer investidor ou exportador.

Outro ponto é a apreciação do câmbio. Alguns economistas afirmam que a valorização do Real nada tem a ver com a taxa do juros, mas que ela é fruto de excelentes condições de nossos números macro-econômicos. Eu acho que essa versão dos fatos é pouco sustentável. Acreditar que o fato de termos a maior taxa de juros reais do mundo não afeta nossas contas externas, em particular o câmbio, é um ato de boa vontade para com a política econômica atual.

Somente utilizar políticas públicas horizontais ou valer-se também de políticas setoriais em áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social do País?

Eu acho que política de fomento a áreas estratégicas para o desenvolvimento de um país como o Brasil é fundamental. Acho que elas podem ser mais descartáveis para países como França, EUA ou Alemanha, embora todos eles as pratiquem. Mas para um país com as distorções sociais, econômicas e institucionais do Brasil acho que são fundamentais.

Agora, é também verdade que essas políticas devem ser muito cuidadosas e ter um caráter realmente público e estratégico; ou seja, focar em áreas de comprovadas externalidades positivas, sejam elas sobre a renda, sobre o padrão tecnológico das empresas ou sobre o emprego.

Desenhos puramente setoriais dessas políticas podem ser insuficientes para captar focos realmente precisos. É necessário definir políticas ativas mas de forma transparente e lastreado em critérios técnicos amplamente reconhecidos como válidos, sob pena de comprometer a utilidade e a necessidade dessas políticas com práticas pouco defensáveis, pois isso o Brasil já viu exemplos demais.

A elevada sobra de caixa do BNDES não poderia ser canalizada para um fundo destinado a eqüalizar as taxas de juros ao nível internacional para investimentos em áreas estratégicas?

O BNDES tem sido objeto de intenso debate. O desenho de uma agência de financiamento ao desenvolvimento é algo que deve estar em constante mudança e deve corresponder entre outras coisas ao grau de maturidade dos mercados de capitais e do próprio mercado de créditos. O BNDES tem tido dificuldade de responder com a mesma eficiência a todas as metas que lhe são atribuídas. Ele hora é o Eximbank do país, hora é o banco social, hora é o banco das grandes empresas, hora é o banco da infra-estrutura nacional. Porém, raramente é o banco das médias e pequenas empresas, ou mesmo, da promoção de integração de cadeias produtivas. Agora ele está sendo demandado para apoiar a internacionalização das empresas brasileiras, mas está ainda sem linhas definidas para isso. Ou seja, ele tem uma tarefa hercúlea e bastante diferenciada, mas sem dúvida segue sendo a grande agência de desenvolvimento do Brasil. Aliás, nesse papel resistiu até mesmo aos mais ortodoxos governos recentes.

Não lhe parece que inovação tecnológica tem que ser focada na empresa produtiva e deixar de ser apenas matéria erudita, para gerar emprego e renda, propiciando assim o crescimento do País?

A inovação tecnológica, vista no seu sentido amplo, é possivelmente o objetivo mais importante de uma política de fomento ao desenvolvimento. Inovação é a chave um crescimento sustentável, de outra forma, trata-se de bolhas de crescimento. Inovação também é vital no sentido de que qualquer impulso de desenvolvimento hoje de áreas da economia nacional deve ter como parâmetro o mercado internacional. Ou seja, políticas de fomento devem apoiar iniciativas e empreendimentos que, ao gerarem inovação no Brasil, externalizem seus efeitos para outras áreas da economia e, ao mesmo tempo, credenciem essas iniciativas a serem competitivas internacionalmente. Esse duplo objetivo é o que garante a essas políticas legitimidade política e eficácia econômica.

Maior grau de abertura comercial a qualquer preço, como desejam alguns macroeconomistas, não é desconhecer a enorme heterogeneidade do Brasil e a potencialidade de seu mercado interno em negociações internacionais?

Não acho que esse seja um diagnóstico correto para a baixa capacidade das empresas brasileiras – com raras exceções – de atuar internacionalmente. Que o Brasil precisa exportar e importar mais não há dúvidas que sim. Agora, isso deve ser buscado através de uma agressiva política de apoio à integração das empresas sediadas no Brasil – sejam elas nacionais ou não – às grandes redes produtivas e de inovação mundiais. Nessa perspectiva, a estratégia do País deve ser outra que não a pura e simples idéia do “choque de abertura”. Acho que é uma proposta limitada para um problema estrutural da economia brasileira.

Como vê o trato de temas como propriedade intelectual e investimentos em negociações internacionais?
 
O Brasil tem tido uma política externa com pontos muitos positivos e outros bastante negativos. Entre os negativos figura uma agenda de inserção econômica pouco condizente com os padrões atuais do mercado internacional e com vários setores da economia nacional. O Brasil, com raras exceções, tem definido estratégias defensivas na área econômica e, em alguns casos, como a área financeira, basicamente inexistentes. A grande exceção aqui é a agenda na área de comércio agrícola. Mas convenhamos que é muito pouco para um país com o Brasil. Acho que o Brasil é pouco criativo e, por isso, pouco assertivo em agendas que podem ser benéficas para o país, entre elas a agenda de investimentos e de propriedade intelectual. Acho que o Brasil precisa fazer nessas agendas a revolução que fez na agenda ambiental na qual foi capaz de conduzir, durante a Rio-92, uma grande virada no seu posicionamento internacional e propôs uma agenda de preservação ambiental com uma de desenvolvimento. O Protocolo de Kioto e os instrumentos pró-desenvolvimento limpo são resultados dessas mudanças. Ou seja, não basta ficar dizendo sempre não e acusando os demais países de conspirar contra o desenvolvimento brasileiro, é necessário apresentar uma agenda positiva e de interesse ao País. Existe espaço para o País fazer isso nos temas de PI e investimentos.

Ricardo Sennes
Ricardo Sennes
Economista (PUC-SP), mestre e doutor em Relações Internacionais (USP). Membro do Grupo de Acompanhamento da Conjuntura Internacional da USP (GACINT), do Conselho Editorial da Revista Foreign Affairs en español. Foi Coordenador do Escritório do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) em São Paulo e pesquisador visitante do Woodrow Wilson Center (Washington), da Georgetown University (Washington) e da University of Califórnia, San Diego. É sócio da Prospectiva Consultoria.
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