Ao longo da era da expansão colonial européia, as possibilidades de desenvolvimento dos países colonizados ficavam limitadas pelo interesse dos colonizadores nas relações comerciais de troca. Toda a produção das colônias que era de interesse do colonizador tinha a possibilidade de se desenvolver tecnicamente em busca de uma maior produtividade, cujos ganhos eram apropriados, logicamente por quem comandava as relações de troca. Assim é que a produção de estanho nas minas bolivianas ou do cobre nas minas de Catanga ou o cultivo do algodão na Índia poderiam receber o influxo de tecnologias novas para ganhar produtividade, mas o conhecimento tecnológico, em grande parte embutido nas máquinas, implementos ou produtos diversos usados no processo ou ainda na geração de energia e no transporte não se disseminava e era impedido de ser empregado em outras funções, não raro por imposição de força. Toda a produção colonial que não interessasse ao colonizador era cerceada, especialmente aquela que pudesse de alguma forma competir com a produção do país dominante. O caso da indústria têxtil da Índia é o exemplo mais conspícuo e mais dramático, mas está longe de ser o único.
No Brasil, até a chegada de Dom João VI, sabe-se, era vedada a instalação de fábricas de qualquer natureza, mesmo as mais rudimentares, bem assim a existência de escolas e a política colonial portuguesa estava longe de ser original. O modelo era similar em todos os países coloniais pela boa razão da existência de uma motivação comum: a exploração econômica das relações de troca. Nem mesmo o argumento da “expansão da fé”, tão caro às coroas portuguesa e espanhola era capaz de mascarar o interesse econômico que formatava as relações coloniais. Escorados em sua superioridade bélica, os colonizadores impunham regimes comerciais em que as colônias forneciam matérias primas e recebiam produtos manufaturados, tinham seu comércio exterior severamente controlado e a aquisição de novas tecnologias era desencorajada, quando não proibida, especialmente a de uso bélico.
O século XX assistiu ao lento, e tantas vezes trágico, desmoronar do sistema colonial sem chegar a ver uma transformação substancial nas possibilidades de desenvolvimento das ex-colonias, tanto nas de libertação mais recente quanto nas mais antigas. É que o antigo sistema colonial foi substituído por uma ordem jurídica internacional imposta pelos ex-colonizadores, escorados na enorme assimetria de poder de que desfrutam e que, em larga medida, mantém as condições do sistema anterior.
Estas considerações vêm a propósito da profunda decepção pelos resultados colhidos pelos países menos desenvolvidos, em sua maioria ex-colônias, depois de sucessivas rodadas de negociações comerciais e o estabelecimento de tantos tratados internacionais de cooperação. Tanto no estabelecimento original do Acordo Geral de Tarifas e Comercio (GATT) quanto nas sucessivas rodadas de negociação que se sucederam, os interesses dos países menos desenvolvidos não prevaleceram e as relações internacionais de comércio permaneceram extremamente favoráveis aos países mais ricos. A Rodada Uruguai, de tantas promessas de liberação e redução de desigualdades, só fez piorar a situação. O protecionismo dos países centrais em relação aos produtos básicos, sobretudo agrícolas, da periferia continuou inalterado e as promessas de transferência de tecnologia ficaram nisto, promessas. Na realidade, com a harmonização sobre propriedade intelectual alcançada com o acordo de TRIPS, o grau de liberdade dos países em desenvolvimento em matéria tecnológica ficou ainda mais reduzido. Foi esta percepção de fracasso que motivou o lançamento da atual rodada de negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio, a Rodada de Doha, de evolução tão tumultuada e improdutiva até aqui.
Alguns poucos países têm conseguido se desenvolver trabalhando no limite da desobediência ao novo sistema mundial, escorados em condições intrínsecas de poder – população, território, unidade de concepção política e poderio bélico –, Índia e China sendo os exemplos a citar. Sua adesão ao sistema vem crescendo, mas paulatinamente na medida do grau de avanço que alcançam no processo de seu desenvolvimento interno. A unidade política que sustenta suas ações é a mesma que derrotou a ideologia colonial no mundo inteiro: o nacionalismo.
É oportuno meditar sobre estas questões no momento em que o Brasil está envolvido no aprofundamento de suas relações internacionais, empenhado na negociação de tantos acordos multilaterais, regionais e bilaterais. A lição que vem da Ásia, dos países que vêm tendo sucesso, certamente não aponta para a solução do desenvolvimento dependente, do internacionalismo ingênuo, embora sedutor. Ao contrário, é no fortalecimento do poder nacional que repousam as esperanças de um desenvolvimento mais forte e mais justo.