Nos últimos 25 anos, o sistema de patentes vem sofrendo profundas transformações: introdução de novas áreas de patenteabilidade – biotecnologia, softwares e nanotecnologia, por exemplo -, aumento do número de países em que uma mesma patente é depositada e uso de patenteamento defensivo para proteger nichos de mercado, entre outras. Um dos resultados dessas mudanças foi a enorme sobrecarga de trabalho que se abateu sobre os escritórios de patentes de todo o mundo, aumentando os prazos de exames e gerando concessão de patentes questionáveis. O Engenheiro Jorge Ávila, vice-presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), comenta os aspectos técnicos do problema e quais as soluções mais urgentes para enfrentá-los.
Em recente audiência pública no Senado Federal, da qual a ABIFINA participou, você apontou haver limites à produtividade que se deve esperar dos examinadores do INPI. Qual a natureza desses limites e a que eles se devem?
No exame de patentes, como em quase qualquer atividade, há um trade-off natural entre a quantidade e a qualidade do resultado que se pode extrair de cada trabalhador. O limite da produtividade de cada examinador é a quantidade máxima de exames que ele pode realizar por unidade de tempo, sem que o volume de erros se torne social ou economicamente inconveniente. Não há dúvida de que o atraso na concessão dos privilégios de marca ou patente acarreta custos que afetam a competitividade das empresas. Mas é preciso ter claro que um número exagerado de erros na concessão desses mesmos privilégios pode ter um custo ainda maior.
Quais são os custos em que a sociedade incorre por conta do atraso no exame de marcas?
O atraso nos exames prolonga a incerteza dos atores econômicos quanto à titularidade ou mesmo a existência dos direitos reivindicados. No caso das marcas, uma das manifestações claras de prejuízo é a perda total do investimento já realizado em propaganda se, no exame, a marca for negada. Quanto mais tarda o exame, maior é o prejuízo acumulado. O efeito indireto dessa possibilidade real é a inibição dos investimentos em marketing, o que retarda o crescimento das empresas. A economia brasileira claramente tem menos marcas conhecidas do que seria de se esperar. O atraso do INPI pode ser uma das causas que explicam este fato.
E quanto ao atraso no exame das patentes?
O que ocorre com o atraso no exame de patentes é muito grave, não apenas para as empresas que têm a expectativa de obtêlas, mas para todo o conjunto de empresas. Note-se que uma patente depositada e não examinada constitui um monopólio de fato, que pode não se assentar em direito algum. Pensemos no que ocorre com um pedido de patente ainda não examinado, que reivindique privilégio sobre tecnologias interessantes para outras empresas. Tal pedido pode representar de fato um invento e, assim, ser merecedor da patente. Ou não. A incerteza torna pouco atrativo o aproveitamento da tecnologia candidata à patente, pois quem se dispuser a fazê-lo incorre em um de dois riscos potenciais.Se aceitar o direito como certo, pagar royalties por algo que, mais tarde, se constatará que estava em domínio público. Se, ao contrário, não aceitar a existência do direito, a empresa será processada no caso de a patente vir a ser concedida. Essa situação de risco acaba por inibir a aquisição de conhecimento pelas empresas, seja na forma do licenciamento ou em qualquer outra modalidade.
Por que é demorado o exame de patentes?
Examinar uma patente é verificar se, de fato, o que se reivindica foi fruto de um esforço de invenção. Frente à instituição das patentes, todo ator econômico, quando achar que merece, reivindicará seus privilégios. Saber se eles são devidos de fato não é trivial. Primeiramente, porque uma mesma tecnologia pode ser descrita de distintas formas. Depois, porque a abrangência do que é reivindicado deve ser equivalente ao que de fato foi desenvolvido. Examinar uma patente não é dizer sim ou não. É trabalhar sobre as reivindicações, esclarecer seus termos e delimitá-las com rigor, tudo isso para conferir maior certeza quanto aos privilégios realmente devidos. O INPI, como apenas outros poucos institutos de marcas e patentes do mundo, dispõe de acesso simples e rápido a um volume de informação suficiente para conferir grande confiabilidade ao exame. Mas é preciso que o examinador tenha tempo para compreender o que está sendo reivindicado como invento e interagir com o solicitante para que sejam concedidas patentes corretas. Só assim é possível evitar patentes ilegítimas, de alto custo social.
Qual é o custo social de uma patente mal concedida?
De saída, a diferença entre preço de monopólio e preço concorrencial, em troca de nada. A diferença de preços é algo a que a sociedade se dispõe a pagar em troca de um esforço legítimo de inovação. Quando não é esse o caso, estamos lidando com oportunismos que devem ser evitados pelo Estado em prol da comunidade. Patentes que não expressam inovações, assim como patentes amplas demais, ou pouco claras, provocam ações judiciais longas e caras. Representam um custo de transação que, em seu agregado, pode minar totalmente o incentivo à geração e à disseminação do conhecimento que justifica o instituto das patentes.
As empresas podem cobrar o preço que quiserem pelos produtos patenteados?
Mesmo no caso das patentes legítimas, que expressam inovações muitas vezes de grande relevância social, pode haver abuso de preços. Este normalmente se concretiza na sub-atenção à demanda. A Lei estabelece mecanismos, tais como a licença compulsória, que se prestam a evitá-los.
E quanto ao tempo requerido para exame de patentes, como isso se situa no mundo?
O escritório americano confere patentes em cerca de três anos. O INPI demora mais que os outros institutos de patentes, e a demora parece aumentar.
E por que isso ocorre?
Porque são poucos os examinadores do INPI. Temos uma demanda por examinadores três vezes maior que a americana. A razão de aumentar a demora é simples de ser entendida: é uma fi la que cresce ano a ano, pois a capacidade de exame é muito menor que a demanda. A cada ano entram muito mais pedidos do que somos capazes de processar, e a fi la aumenta. A produtividade do examinador do INPI cresceu e continuará crescendo, fruto do avanço na tecnologia – teremos um INPI totalmente informatizado em menos de doze meses – mas isso não é sufi ciente. Já atingimos a produtividade dos examinadores norteamericanos, e vamos superá-la, com grande qualidade de exame. Mas precisamos de três vezes mais analistas do que dispomos para fazer frente à demanda. Mantida fixa a produtividade, nesse patamar já elevado, mas inalterado o número de examinadores, a fila continuará aumentando, e o tempo estimado de espera aumentará proporcionalmente a cada ano.
O que é necessário para aumentar o número de examinadores? O INPI não arrecada o suficiente para isso?
A arrecadação do INPI é proporcional à sua produção. Assim, se a fila andar, aumenta a arrecadação e os custos do pessoal adicional podem ser pagos com esse acréscimo de receita. E ainda sobra para continuarmos investindo na infra-estrutura do Instituto. É necessária uma lei que autorize o aumento do quadro de servidores do INPI, como ocorreu nos principais institutos de marcas e patentes do mundo nos últimos quinze anos. Não há falta de recursos financeiros. A sociedade deve ser alertada quanto ao custo econômico e social, tanto dos atrasos quanto da redução da qualidade dos exames.
Negociamos, neste momento, Projeto de Lei ou Medida Provisória que autorize a criação das vagas necessárias.