O Brasil que Lula herdará em 1º de janeiro de 2023 é muito diferente daquele de 2003. Há vinte anos, existia no mundo uma euforia em relação à globalização, as negociações no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) estavam muito ativas – era o início da Rodada Doha, a crise climática não estava tão preocupante e o mundo não estava tão polarizado como hoje.
O que se pode esperar pragmaticamente de uma nova administração do presidente eleito é uma política externa com mais protagonismo e mais relevância no âmbito das decisões de políticas públicas do novo governo. O plano de governo de Lula fala na defesa da participação ativa do Brasil em foros multilaterais como a ONU, e no fortalecimento das relações regionais (América Latina e Caribe), mais foco para a relação Sul-Sul e reengajamento do Brasil no Mercosul, Unasul, Celac e Brics. Vale notar que iniciativas de natureza política na América Latina e Caribe foram esvaziadas durante os últimos quatro anos e essa orientação deve ser alterada.
BRASIL, EUA E CHINA
Em termos técnicos, as equipes dos três governos sempre mantiveram a continuidade do trabalho, independentemente das trocas de governo. Diálogos comerciais, missões comerciais, grupos de trabalho técnicos entre Brasil e Estados Unidos, por exemplo, sempre se mantiveram, a despeito de orientações políticas.
Claro que um bom relacionamento entre os chefes de Estado ajuda a incrementar e dar mais relevância para pautas bilaterais. Joe Biden foi dos primeiros chefes de Estado a parabenizar e reconhecer publicamente a vitória da Lula. Pelo menos pelos próximos dois anos, a perspectiva de alinhamento entre ambos parece bastante promissora.
Pensando na China, vale observar que a atual relação entre EUA e China é muito diferente daquela de vinte anos atrás. A atual rivalidade entre Washington e Pequim pode representar um desafio para a nova administração Lula. Nos seus primeiros dois mandatos, Lula foi habilidoso em manter uma relação pragmática com os dois países, importantíssimos parceiros comerciais do Brasil. Foi durante seu governo, em 2009, que a China se tornou o nosso principal parceiro comercial.
Em seu discurso pós-vitória, Lula manifestou o desejo de “retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e a União Europeia em novas bases”, ao passo em que falou sobre fortalecer os Brics, a aliança formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
SUSTENTABILIDADE E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Foi nos dois primeiros mandatos de Lula que o Brasil consolidou uma posição de destaque nas conferências climáticas internacionais, que visam implementar ações globais de contenção do aquecimento global. Em 2008, foi implementado o Fundo Amazônia, fruto de negociações com o Brasil, com dinheiro da Noruega e da Alemanha, para estimular projetos de combate ao desmatamento e uso sustentável da floresta.
Sustentabilidade e crise climática são a espinha dorsal das negociações internacionais dos grandes players e parceiros comerciais do Brasil. Ignorar esse tema, implementar políticas públicas duvidosas, não dar respostas objetivas sobre o desmatamento da Amazônia e vender uma imagem distorcida do Brasil para o exterior custou muito para a imagem do País. Não à toa a União Europeia não seguiu com a ratificação do acordo de comércio com o Mercosul, assinado em 2019 após mais de vinte anos de negociação.
No cenário atual, o Brasil tem a chance de se posicionar como um dos grandes fornecedores de energia limpa para o mundo. Há oportunidades reais de relações comerciais robustas que antes não existiam. Na América Latina, o Brasil e o Chile são líderes em termos de produção de energia renovável a baixo custo. O Brasil pode ensinar muito sobre a sua matriz energética sustentável para o mundo, e ser grande fornecedor de energia limpa para países da Europa e da Ásia, por exemplo.
Ademais, o tema da crise climática e sustentabilidade deve promover uma revisita aos atuais acordos de comércio em negociação, uma vez que foi pouco valorizado pela administração do presidente Jair Bolsonaro, embora seja prioritário para todos os grandes parceiros comerciais com quem o Brasil está negociando acordos que incluem acesso a novos mercados.
OCDE
Talvez um aspecto mais delicado neste cenário seja o processo de acessão do Brasil à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Este tema foi priorizado pelos governos Temer e Bolsonaro, mas pouco se falou sobre isso até agora pela equipe de transição. Bem verdade é que os reforços que Lula deve dar à área ambiental devem amenizar os questionamentos e o bombardeio ao Brasil nesta área. Porém, o tradicional governo petista do passado nunca demonstrou entusiasmo com a OCDE.
Atualmente, falta ao Brasil assinar o acordo de adesão aos Códigos de Liberalização de Movimentos de Capital e de Transações Invisíveis, principais instrumentos da OCDE na área econômica e obrigatórios para os membros. Esperava-se que esse processo de assinatura fosse concluído ainda em 2022, mas isso possivelmente dependerá agora de uma sinalização positiva da equipe de transição.
Entrar para a OCDE ajudaria o Brasil nas reformas internas que precisa fazer, relacionadas sobretudo ao Custo Brasil, mas não somente. Além disso, a adesão tornaria o País, que já tem assento no G-20, por exemplo, ainda mais relevante na governança global.
INDÚSTRIA BRASILEIRA E POLÍTICA DE COMÉRCIO
Todas as áreas que aparentemente serão prioridade na agenda de política de comércio de Lula são temas em que o Brasil e a indústria brasileira podem assumir o papel de protagonistas no cenário internacional, tanto pelas soluções criativas quanto pelos modelos de produção sustentável já implementados em âmbito nacional. O engajamento e a participação ativa da indústria nas discussões dos atuais e novos acordos de comércio negociados pelo Brasil desde o início deste novo governo são fundamentais para garantir acesso à informação e oportunidade de discussão sobre as prioridades do setor.