REVISTA FACTO
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Jan-Abr 2022 • ANO XVI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Saúde única e o enfrentamento às enfermidades zoonóticas

Em tempos de pandemia causada pelo novo coronavírus, o SARS-CoV-2, agente causador da covid-19, se torna fundamental e imprescindível fazermos uma reflexão sobre a implantação efetiva das ações em Saúde Única (One Health) pelos governantes e, em especial, pelos profissionais de saúde, bem como sobre a importância da preservação, da caracterização e da utilização de microrganismos para a Medicina Humana e para a Medicina Veterinária. 

A possibilidade de se analisar e comparar o material genético dessa nova cepa de coronavírus circulante em vários continentes com aquelas cepas já isoladas e caracterizadas em surtos epidêmicos anteriores, que se encontram preservadas nas coleções de microrganismos dos centros de pesquisa dos diversos países, é o que faz com que os pesquisadores possam detectar as variações genéticas e possíveis mutações ocorridas e, assim, desenvolver imunobiológicos e protocolos específicos para seu controle e tratamento e para a profilaxia ideal para cada agente identificado.

Segundo historiadores, no século XIX, o médico patologista alemão Rudolf Virchow (1821-1902) já afirmava que “não havia divisórias entre animais e medicina humana; e que nem deveria haver”. Ele foi o responsável por cunhar o termo zoonose. Em 1984, com o lançamento da obra Veterinary Medicine and Human Health, o médico-veterinário norte-americano Calvin W. Schwabe (1927-2006) discutiu e reforçou a importância da junção entre saúde humana, animal e ambiente. No livro, ele adota a expressão One Medicine e passa a defender esse conceito, que pouco mais tarde passaria a ser mais conhecido como One Health (1). 

O conceito de Saúde Única foi proposto em 2008 por organizações internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). A Saúde Única representa uma visão integrada, que considera a indissociabilidade entre saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. Naquela ocasião, foi lançada a iniciativa intitulada “Um Mundo, Uma Saúde”. Assim, o termo One Health, traduzido como Saúde Única, reconhece que existe um vínculo muito estreito entre o ambiente, as doenças em animais e a saúde humana. E também define políticas, legislação, pesquisa e implementação de programas, em que múltiplos setores se comunicam e trabalham em conjunto nas ações para a diminuição de riscos e manutenção da Saúde (2).

Segundo a OIE, cerca de 60% das doenças humanas têm em seu ciclo a participação de animais, portanto, são zoonóticas, assim como 75% das doenças emergentes e reemergentes (3,4).

Conforme relatado e discutido por Gibbs (5), a Medicina Veterinária, pela inserção transversal no contexto da segurança alimentar, integridade dos ecossistemas, ocupação humana, biodiversidade e vínculo humano/animal, tem discutido o tema One Health mundialmente, reforçando a necessidade de colaboração entre profissionais de diferentes áreas para a construção de políticas de combate a grandes crises mundiais associadas a doenças zoonóticas emergentes, segurança alimentar e mudanças de ecossistemas que podem levar a pandemias ou mortalidade (humana ou animal).

Além disso, conforme observado por Nguyen-Viet et al. (6), o uso massivo de antimicrobianos para o tratamento de infecções (no homem e nos animais) e o aumento concomitante da resistência antimicrobiana são reconhecidos como um problema global emergente, que afeta a saúde humana e animal e impõe encargos sociais, econômicos e prejuízos ambientais, estes últimos ainda pouco ou não mensurados.

Para a implantação e a execução das ações compreendidas no conceito de Saúde Única, é fundamental ressaltar a importância da preservação dos Recursos Genéticos Microbianos, e a sua interface com a agropecuária (atividades agrícolas, pecuárias, florestais e agroindustriais), e com o meio ambiente.

As zoonoses podem ser bacterianas, virais ou parasitárias, ou podem estar relacionadas a agentes não convencionais. Além de serem um problema de saúde pública, muitas das grandes doenças zoonóticas impedem a produção eficiente de alimentos de origem animal e criam obstáculos ao comércio internacional de produtos de origem animal (7). 

Algumas zoonoses, dependendo de vários fatores ambientais, sociais e econômicos, bem como da natureza do agente causal, podem desencadear epidemias e pandemias em várias partes do mundo, como vem sendo noticiadas há vários séculos. Algumas, inclusive, podem ressurgir de tempos em tempos, quando não existirem vacinas ou remédios eficazes para o seu controle e/ou cura.

Enfermidade

Agente causal

Transmissão e Letalidade

Peste Bubônica

Yersinia pestis

(bactéria)

Transmitida ao ser humano por meio das pulgas dos ratos e outros roedores.
Também conhecida como Peste Negra, é uma zoonose, sendo considerada a maior epidemia
da história da humanidade.

Tuberculose

Mycobacterium
tuberculosis
(bactéria)

Doença altamente infectocontagiosa de notificação compulsória e investigação obrigatória. É transmitida aos humanos pela ingestão de alimentos de origem animal contaminados ou pelo próprio animal, caracterizando-se, assim, como uma zoonose.

Tifo

Rickettsia prowazekii

(bactéria)

Mais de três milhões de pessoas morreram entre 1918 e 1922 devido a um surto de tifo. Sua origem é similar à Peste Bubônica, sendo caracterizada como uma zoonose, transmitida por piolhos do corpo humano, o Pediculus humanus, e raramente pelo piolho dos cabelos.

Sarampo

Vírus do Sarampo

Presente em todos os continentes do mundo, o sarampo infecta de 20 milhões a 30 milhões de pessoas e mata cerca de 1 milhão anualmente. Ainda que estabelecida nas populações humanas há dezenas de milhares de anos, acredita-se que o vírus tenha se originado na Peste Bovina e chegado ao ser humano, como uma zoonose, pela criação de gado.

Ebola

Gênero Ebolavirus, família Filoviridae,  vírus de RNA

Tem uma taxa de mortalidade de até 90%, e outros mamíferos também são contaminados.
É adquirido por meio do contato com o sangue ou outros fluidos corporais de alguém infectado, seja ser humano ou animal.

Aids / HIV

Vírus HIV (Human Immunodeficiency Virus), família Retroviridae, vírus de RNA

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ou aids, tem a sua mais provável origem no Vírus da Imunodeficiência Símia (SIV) presente em chimpanzés, sendo considerada uma zoonose.
No corpo humano, o vírus sofreu mutações e, de pouco em pouco, se espalhou pelo mundo.
É um Lentivírus.

Gripe Suína

Vírus Influenza A,
subtipo H1N1

A pandemia de Gripe A, uma variante de Gripe Suína, teve um surto global em março de 2009, em Veracruz, no México. Sendo uma zoonose, veio a se espalhar pelo mundo, tendo começado pela América do Norte, atingindo pouco tempo depois a Europa e a Oceania.

Enfermidades por coronavírus

Vírus de RNA com envelope

Causam doença respiratória de gravidade variável, do resfriado comum à pneumonia fatal. Descobertos inicialmente em aves domésticas na década de 1930, causam doença respiratória, gastrointestinal, hepática e neurológica nos animais. Apenas sete coronavírus sabidamente causam doença nos humanos, e os que causam infecção respiratória grave são zoonoses.

Covid-19

SARS-CoV-2, novo vírus de RNA com envelope

Os primeiros casos da doença foram ligados a um mercado de animais vivos em Wuhan, na China, sugerindo que o vírus tenha sido inicialmente transmitido de animais – provavelmente de morcegos para pangolins – e deles para os humanos.

  1. MEDICINA VETERINÁRIA MILITAR. Saúde única: a junção da saúde humana, animal e ambiental. 2013. https://medicinaveterinariamilitar.wordpress.com/2013/03/07/saude-unica-a-juncao-da-saude-humana-animal-e-ambiental/
  2. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA. Sala de Imprensa. 3 nov 2016. Eventos marcam o Dia da Saúde Única. http://portal.cfmv.gov.br/noticia/index/id/4983/secao/6
  3. KARESH, W. B. et al. Ecology of zoonoses: natural and unnatural histories. Lancet, v. 380, n. 9857, p. 1936-45, 1 dez 2012. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23200502
  4. MWANGI, W.; DE FIGUEIREDO, P.; CRISCITIELLO, M. F. One Health: Addressing Global Challenges at the Nexus of Human, Animal, and Environmental Health. PLoS Pathog, v. 12, n. 9, p. e1005731, set 2016. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27631500
  5. GIBBS, E. P. J. The evolution of One Health: a decade of progress and challenges for the future. Veterinary Record, v. 174, p. 85-91, 2014.
  6. NGUYEN-VIET, H.; CHOTINUN, S.; SCHELLING, E. et al. Reduction of antimicrobial use and resistance needs sectoral collaborations with a One Health approach: perspectives from Asia. Int J Public Health, v. 62, n. Suppl 1, p. 3-5, fev 2017. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27942743
  7. WHO. Zoonoses. Managing public health risks at the human-Animal-environment interface. World Health Organization. 2020. https://www.who.int/topics/zoonoses/en/
Maíra Halfen T. Liberal
Maíra Halfen T. Liberal
PhD em Microbiologia (University of Surrey, Inglaterra) e pesquisadora no CEPGM/PESAGRO-RIO.
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