Brasil e Estados Unidos assinaram em outubro um protocolo adicional ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (Atec, na sigla em inglês). O documento definiu as disposições gerais para o Atec entrar em vigor e o mecanismo de consultas sobre as obrigações das partes, além dos anexos sobre facilitação de comércio e cooperação aduaneira, boas práticas regulatórias, e medidas anticorrupção.
O Atec foi criado em 2011, mas ficou paralisado até 2019, quando os presidentes dos dois países retomaram as conversações. A intenção declarada pelo governo brasileiro com o novo protocolo é de que este seja base para um acordo comercial mais amplo a ser negociado futuramente.
Para a ABIFINA, ainda não estão claras as implicações do Acordo para a indústria nacional. Para conversar sobre o assunto, FACTO convidou Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington, e principal negociador pelo Brasil da Rodada Uruguai. Hoje presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Barbosa considera que o Atec poderá melhorar o ambiente de negócios e comenta ainda outros acordos comerciais dos quais o Brasil participa.
Qual é o impacto do protocolo adicional ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica para a indústria brasileira?
Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que o Atec não é um acordo de livre comércio e, portanto, não tem impacto direto nos fluxos comerciais da indústria brasileira com medidas de abertura de mercado. Sob o guarda-chuva do Atec, foram assinados alguns acordos setoriais que poderão facilitar o trabalho das empresas pela redução da burocracia e dos entraves administrativos. A operação aduaneira e as boas práticas regulatórias dependem da adesão e do empenho dos órgãos ministeriais responsáveis. As medidas anticorrupção melhorarão o ambiente de negócios. Assim, a Atec não se caracteriza como acordo de livre comércio, pois não reduz tarifas, nem elimina restrições e barreiras às transações entre os países.
Brasil e Estados Unidos são grandes exportadores agrícolas e de produtos pecuários, portanto concorrentes. Qual é o impacto do protocolo para o agronegócio nacional?
Como disse, o Atec não tem um efeito direto no intercâmbio bilateral, seja industrial ou agrícola. O Atec, se eficazmente aplicado, vai ajudar o setor privado a melhorar sua competitividade e reduzir os custos internos.
O embaixador acredita que, com a mudança de governo nos Estados Unidos, o protocolo será paralisado? Ou será ampliado com temas como meio ambiente, direitos humanos e trabalhistas, compras governamentais e propriedade intelectual?
A mudança de governo nos Estados Unidos com a eleição de Joe Biden não terá efeito sobre o Atec, porque, não sendo um acordo de livre comércio, dispensa a aprovação pelo Congresso norte-americano. São medidas administrativas de competência do Executivo. O Atec poderá ser ampliado com a aprovação, pelos dois governos, de negociações em curso, como o acordo para evitar a dupla tributação e para estimular a economia digital. Meio ambiente e direitos humanos e trabalhistas normalmente entram em acordos de livre comércio, o que não está em cogitação pelos Estados Unidos em relação ao Brasil.
Como o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (CPTPP) e a recente Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP) podem influenciar o comércio exterior brasileiro?
O CPTPP é integrado por Japão, Coreia do Sul e outros nove países, inclusive México, Chile e Peru. Fazem parte do RCEP China, Japão, Coreia do Sul, Indonésia e mais 11 países asiáticos. Esses dois acordos terão grande influência nos fluxos comerciais entre os países-membros e poderão afetar alguns produtos agrícolas e minerais exportados pelo Brasil para a Ásia.
A adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) era apoiada pelos Estados Unidos. Uma mudança no relacionamento entre os presidentes dos dois países poderá prejudicar os planos brasileiros?
A eleição de Biden transforma o relacionamento pessoal do presidente Bolsonaro com o novo presidente dos Estados Unidos. Deixa de ser próximo para ser mais distante. Já as relações dos governos continuarão, em vista da importância dos interesses econômicos e comerciais existentes. Não acredito que a mudança no governo de Washington acarrete a retirada do apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE. Eles continuarão a nos apoiar, mas vão acompanhar muito de perto o cumprimento dos compromissos do País, em especial de um importante conjunto de regras ambientais definidas pela OCDE, que faz avaliações e recomendações para todos os países-membros. Nos próximos anos, enquanto continuar o processo de exame do pedido brasileiro, o País vai ter de se ajustar às regras aprovadas pela Organização para ser aceito pelas demais nações, inclusive pelos EUA.