REVISTA FACTO
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Set-Dez 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
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//SIPID

SIPID MOSTRA EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL COM A EXTENSÃO DE PATENTES

O vídeo completo do debate sobre extensão de patentes, assim como das demais palestras do XI Sipid, estão disponíveis no canal da ABIFINA no YouTube.

O XI Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento (Sipid) fez sucesso no novo formato virtual e contou com a participação de 250 pessoas. Na abertura do evento, o vice-presidente de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, Dante Alario Junior, traçou um panorama do tema central desta edição, que foram os impactos da extensão dos prazos de patentes.

A situação acontece no Brasil porque a Lei da Propriedade Industrial (LPI) determina que, no caso de demora maior que dez anos para a análise dos pedidos de patentes, o tempo de validade da proteção deve ser ampliado. A regra consta no parágrafo único do artigo 40 da Lei. Por conta deste dispositivo, patentes farmacêuticas no País duram mais que 20 anos, que é o padrão internacional.

Na visão do vice-presidente da ABIFINA, se o órgão anuente – o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) – resolver a longa demora para a decisão de pedidos de patentes, o problema da prorrogação dos prazos acaba. Mas ele ressalvou: “Não queremos que o INPI seja mero carimbador do que vem de fora. Queremos que o INPI use cada vez mais a capacidade analítica de seus profissionais.”

Experiência europeia

O aumento dos níveis de proteção de propriedade intelectual (PI) na União Europeia foi o assunto da palestra magna proferida por Ellen ‘T Hoen, diretora da Medicines Law & Policy, organização que reúne especialistas na área de acesso a medicamentos, direito internacional e saúde pública para formularem análises técnicas e modelos de melhores práticas. Ela também foi fundadora da Medicines Patent Pool, braço das Nações Unidas para promover o acesso a medicamentos.

A especialista explicou que a União Europeia tem o Certificado de Proteção Suplementar, conhecido em inglês pela sigla SPC. Este não éem si, uma extensão do direito de patente. O mecanismo oferece proteção semelhante pelo prazo de até cinco anos para um medicamento com registro sanitário. A intenção é compensar o tempo de espera pela aprovação na agência reguladora, durante o qual a empresa não pode comercializar o produto. Com isso, espera-se estimular os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O certificado suplementar é ligado a uma patente e concedido pela autoridade de cada país. Os impactos negativos dessa regulação europeia são vistos em diferentes lugares. Pegando o caso do Truvada (para tratamento do HIV), Ellen mostrou que, na Holanda, onde nunca foi concedido o SPC, o medicamento custava 48 euros. Nos países em que essa proteção foi aplicada (e, portanto, onde os genéricos demoraram mais para entrar no mercado), o produto foi vendido com preço consideravelmente maior, chegando a 1.110 euros na Dinamarca. Segundo a especialista, o custo de produção do medicamento é inferior a cinco euros. “As margens de lucro são muito significativas como resultado dessa proteção”.

Dados de teste

Outro mecanismo existente na União Europeia é a exclusividade sobre os dados obtidos nos testes com medicamentos, que devem ser apresentados à agência sanitária. O requisito é necessário para análise, registro e autorização do produto para ser comercializado.

Pela regulação europeia, a exclusividade sobre os dados é de oito anos, período em que o fabricante de genérico não pode pedir autorização para vender o medicamento. Ao longo desse tempo e por mais dois anos, o produtor original tem direito também à exclusividade de mercado. Este último prazo pode ser estendido por mais um ano, caso o detentor do direito obtenha autorização para novas indicações terapêuticas.

“A proteção de dados não precisa ser solicitada, nem cumprir certos requisitos para ser concedida, como nas patentes. Ela é conferida independentemente do nível de investimento feito. A alegação é de que o mecanismo serve para proteger o investimento da empresa na geração dos dados necessários para a autorização sanitária”, explica Ellen.

Ela reforçou que a exclusividade sobre dados de testes não é um requisito obrigatório nos acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), nem no Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, na sigla em inglês). A maior parte dos membros da OMC não concede proteção a dados, ao passo que a União Europeia em geral impõe essa exigência a outros países em acordos de livre comércio.

No contexto da pandemia de covid-19, os países da União Europeia discutem as limitações que a exclusividade sobre os dados pode trazer para as políticas de saúde, uma vez que a legislação não contempla um mecanismo semelhante à licença compulsória de patentes. Esta salvaguarda prevista em TRIPs, portanto, pode acabar se tornando nula pelos efeitos da proteção a dados.

Medicamentos órfãos

Outra camada de proteção na União Europeia é a regulamentação dos chamados medicamentos órfãos. Na definição da Agência Europeia de Medicamentos, drogas órfãs são aquelas destinadas ao tratamento ou prevenção de doenças raras, ou que não geram lucro suficiente para justificar os investimentos em P&D.

Os objetivos da regulação são atrair indústrias para a Europa, estimular P&D e reduzir preços. “O que é um pensamento estranho, querer reduzir preço conferindo um monopólio’, comentou Ellen, que emendou: “Muitas doenças seguem sem tratamento, portanto há questões sobre a eficiência desse mecanismo”.

Alguns problemas vêm sendo verificados, como o efeito “nichebusters”, medicamentos que faturam cifras dignas dos blockbusters. Limitações ao acesso a medicamentos também acontecem. A palestrante contou o caso de um medicamento para cálculos biliares que passou a ser receitado para xantomatose cerebrotendinosa (CTX), doença rara que ocasiona acúmulo de material lipídico em diversos tecidos, resultando em anormalidades neurológicas, entre outras complicações.

O fabricante original apresentou novos estudos clínicos e recebeu a proteção de medicamento órfão, elevando o preço de 308 euros para 158 mil euros/paciente/ano. Agora mudanças na legislação sobre o tema começam a ser discutidas pela União Europeia, com objetivo de reequilibrar o sistema para atender ao interesse público.

Lições aprendidas

“Quando outros países perguntam o que podem aprender com a União Europeia, digo que há várias coisas que provavelmente eles não deveriam fazer. Porque os custos para o sistema de saúde são astronômicos e os benefícios podem não ser demonstrados”.

Ela acrescentou: “Quando ficou claro que lidaríamos com uma pandemia, ninguém disse: oh, nós temos esse generoso sistema de propriedade intelectual, então vamos sentar e esperar o sistema entregar os medicamentos e vacinas necessários. Não, os governos encararam o problema e começaram a financiar P&D. Temos algumas lições disso, inclusive de que deveriam ter relacionado esse financiamento a algumas condições. A situação atual trará novos debates sobre como financiar a P&D farmacêutica”, contextualizou.

Para a especialista, o Brasil deve pesar os pós e contras de manter o dispositivo do parágrafo único do artigo 40 da Lei da Propriedade Industrial. O País também precisa avaliar as vantagens de adotar a proteção extra a dados de testes, possibilidade que é discutida há anos. Nenhum dos dois mecanismos são exigidos no acordo internacional TRIPs.

Após a apresentação, a pesquisadora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Julia Paranhos conduziu o debate com Ellen e os participantes.

Efeitos concorrenciais

A palestra de Ryan Abbott, professor de Direito e Ciências da Saúde da Universidade de Surrey (Reino Unido), abordou os prejuízos à economia, ao desenvolvimento e à concorrência pela prorrogação de prazos de patentes. Para ele, no caso do Brasil, os malefícios ao sistema de saúde, aos consumidores e às empresas nacionais são maiores que os possíveis benefícios.

Abbott jogou por terra o argumento de que a extensão da validade das patentes é uma forma de manter o estímulo a P&D. Segundo o especialista, o mercado de medicamentos brasileiro é pequeno em relação ao mundial, o que torna o País menos atrativo para investimentos de empresas multinacionais.

O professor disse ainda que a melhor solução para o problema é reduzir o backlog de pedidos de
patentes, o que deve ser feito sem comprometer a qualidade dos exames.

Ele lembrou que, no INPI, algumas patentes passam mais de 10 anos para serem avaliadas, chegando a 13 anos para tecnologias farmacêuticas e de telecomunicações. Então, considerando a demora na análise, as patentes farmacêuticas no Brasil valem por mais tempo do que no exterior. Nos Estados Unidos, o processo inteiro de exame leva menos de dois anos.

Experiência americana

Com relação aos mecanismos de extensão de direitos de PI nos Estados Unidos, Abbot apresentou a provisão de ajustamento de patentes. Esta é aplicada no caso de o Escritório Americano de Patentes e Marcas (USPTO, em inglês) ultrapassar alguns prazos ou levar mais de três anos para decidir o pedido de patente. Segundo ele, a fórmula para a contagem do prazo é complexa e aplicada caso a caso, mas em geral o tempo de extensão fica em torno de seis meses.

De acordo com o professor, nos últimos anos, algo em torno de 80% das patentes receberam ajustamento. “Mas, assim como o INPI, o USPTO tem reduzido seu backlog e os tempos de resposta. Em outubro último, apenas metade dos pedidos receberam o ajustamento e, em geral, para um período abaixo de seis meses”.

A situação do Brasil é mais complicada. “O competidor fica fora do mercado esperando muitas vezes por 13 anos para saber se a patente será concedida, e ela pode acabar não sendo. E, sob o parágrafo único do artigo 40, o fabricante de genérico ainda precisará aguardar mais dez anos para entrar no mercado. Poucos concorrentes vão querer concorrer nessas condições e isso elevará os preços para os consumidores”.

Abbott comentou ainda que os Estados Unidos têm um mecanismo semelhante ao SPC da Europa. O tempo de exclusividade do produto no mercado é provido pelo USPTO e pode chegar a cinco anos. Ele ressaltou que, embora o Brasil não tenha algo parecido, na prática a agência sanitária brasileira (Anvisa) é mais rápida que a americana (FDA).

Importação paralela

Finalizando, Abbott abordou como os Estados Unidos estão tratando da importação paralela (quando um produto patenteado no país é importado de outro sem o consentimento do titular da patente). A prática ganhou força no governo Trump, que autorizou a compra de medicamentos mais baratos no Canadá para o sistema de saúde. Até a Amazon se prepara para entrar na venda de medicamentos importados.

“Isso tende a aumentar a competição e diminuir os preços para o consumidor. Mas o Brasil não tem o mesmo sistema. Mesmo que um medicamento seja vendido mais barato em outra parte do mundo, o fabricante original pode cobrar altos preços e impedir pessoas de importarem essas drogas”, observou.

Após a fala de Abbott, a sessão seguiu com os debatedores. Milton Leão, professor e sócio da Leão Propriedade Intelectual, pontuou a inversão de valores presente no argumento de que extinguir o parágrafo único do artigo 40 geraria insegurança jurídica. “O que causa insegurança jurídica é a instabilidade nos prazos do INPI. O dispositivo é inconstitucional por essência”.

Indo além, Gustavo Svensson, diretor adjunto Jurídico Contencioso do Grupo NC, questionou a própria essência do sistema de patentes. Para ele, há dúvidas se as patentes de fato incentivam o desenvolvimento tecnológico de um país ou se funcionam mais como um privilégio concorrencial.

Moderador da sessão, o advogado Pedro Borges Barbosa, do escritório Denis Borges Barbosa, encerrou o debate reforçando o serviço público de qualidade prestado pelo INPI e que a autarquia precisa ser fortalecida.

Possíveis mudanças

O encerramento do XI SIPID ficou por conta do presidente-executivo da ABIFINA, Antonio Carlos Bezerra. Ele comentou uma notícia de que o governo se movimenta para mudar a Lei da Propriedade Industrial. A proposta é rever a anuência prévia da Anvisa em patentes farmacêuticas e o parágrafo único do artigo 40, temas que ABIFINA monitora constantemente. “A sociedade entende que a extensão de prazos de patentes é prejudicial para a saúde pública, para a economia e para as empresas nacionais”, defendeu.

Prêmio Denis Barbosa

O Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual foi concedido em sua quinta edição ao vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA, Nelson Brasil de Oliveira. A homenagem foi conduzida por Dante Alario Junior. Os dois são colegas nos esforços de defender a indústria nacional, mas são também amigos pessoais, o que foi destacado por Alario.

Por sua vez, Nelson Brasil lembrou da parceria com Alario em muitas lutas, especialmente durante a formulação da Lei da Propriedade Industrial. Ele também falou sobre a defesa dos interesses nacionais e as qualidades artísticas do jurista e grande amigo Denis Borges Barbosa, que dá nome ao prêmio.

Pontos de destaque

Ellen ‘T Hoen apresentou algumas conclusões a partir de pesquisas sobre a experiência europeia:

  • O incentivo à P&D deve existir, mas com relação clara entre risco e recompensa.
  •  Os governos devem ter como diretriz clara a ideia de lucro suficiente, baseado na transparência dos custos.
  • As flexibilidades do sistema de patentes não devem ser limitadas por direitos de exclusividade conferidos pela regulação farmacêutica.
  • Acordos de livre comércio não devem ser usados para forçar países a ampliar a proteção de PI.
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