REVISTA FACTO
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Mai-Ago 2020 • ANO XIV • ISSN 2623-1177
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SAÚDE ESPERA AUMENTO DE DIAGNÓSTICOS DE DOENÇAS ONCOLÓGICAS E CRÔNICAS
//Setorial Saúde

SAÚDE ESPERA AUMENTO DE DIAGNÓSTICOS DE DOENÇAS ONCOLÓGICAS E CRÔNICAS

Um dos diversos efeitos da pandemia causada pela covid-19 passa despercebido por boa parte da população e da mídia brasileira: a dificuldade de atendimento para pacientes portadores de câncer e de doenças raras e crônicas, como hipertensão e diabetes. Médicos e especialistas alertam para uma explosão de novos diagnósticos e agravamento de casos nos próximos meses por conta do distanciamento dos pacientes dos serviços de saúde. Por outro lado, o novo coronavírus provocou também um debate sobre a importância, para a sociedade, de serviços públicos de saúde.

De acordo com o ex-ministro da Saúde e membro titular da Academia Brasileira de Medicina, José Gomes Temporão, ficou claro o despreparo dos sistemas de saúde em todo o mundo para enfrentar um evento dessa magnitude. “Durante os três primeiros meses, praticamente suspenderam todos os atendimentos que não fossem síndrome respiratória”, afirma. “Do final de dezembro de 2019, quando a China anunciou os primeiros casos, até o momento em que a doença chegou ao Ocidente, havia tempo para se preparar”, lamenta Luiz Antonio Santini, ex-diretor do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e consultor em Saúde Pública e Controle de Câncer.

Diversas pesquisas apontaram que os óbitos em domicílio praticamente dobraram nesse período. “Há várias razões para isso. Em um primeiro momento, hospitais e clínicas tiveram que direcionar esforços para a situação emergencial dos casos de covid-19. Outro aspecto foi a falta de profissionais, que foram realocados, ou até mesmo o despreparo deles. Por último, o temor dos pacientes já diagnosticados ou à espera de um parecer de se dirigirem às unidades de saúde”, relaciona Santini.

Para o médico sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gonzalo Vecina Neto, médicos e hospitais tinham mesmo que priorizar o atendimento dos pacientes infectados pelo novo coronavírus. “É uma doença grave e, às vezes, o paciente piora muito rapidamente. Não houve sistema de saúde no mundo que tenha conseguido atender o volume de demanda costumeira e, ao mesmo tempo, os pacientes de covid-19. Infelizmente, foi preciso optar pelo emergencial e, agora, estamos vivendo os reflexos desse cenário”.

Na opinião do médico oncologista e especialista em economia da saúde Stephen Stefani, não é fácil para os pacientes avaliarem a relação entre o risco de se expor a contrair a covid-19 e a necessidade de seguir com o tratamento que as enfermidades exigem. “No sistema privado, ainda é possível maior contato com os pacientes, convidando-os a realizar tratamentos; no caso do sistema público, a situação é mais complicada, pois a comunicação é massificada”, afirma.

Para Santini, muitos diagnósticos e tratamentos deixaram de ser feitos. “Haverá uma explosão de casos de doenças oncológicas nos próximos próximos meses, tanto de novos diagnósticos quanto de agravamento de condições clínicas. O ideal é que o diagnóstico de câncer seja feito em até 30 dias, e o início do tratamento, em 60 dias. Isso já não acontecia antes da pandemia e piorou ainda mais”. O ex-presidente da Anvisa ratifica a avaliação: “Com certeza teremos um acúmulo grande de pacientes e muitos ficarão na fila. A população que não teve seus diagnósticos realizados ou que perdeu a janela de oportunidade para iniciar um tratamento poderá pagar um preço bem caro”.  

Entretanto, o ex-diretor do Inca consegue ver uma luz no fim do túnel. No Brasil, com exceção dos tratamentos de radioterapia, cuja demanda é maior do que a oferta, há capacidade suficiente para atender os que precisam de cirurgias oncológicas e quimioterapia. “O problema é a desorganização do sistema”, lamenta Santini.

Vecina Neto ressalta que é preciso atenção para não sobrecarregar ainda mais a rede. “Para que o sistema comece a se regularizar e dê conta de cuidar de todos os tipos de casos, não podemos, por exemplo, liberar a volta de crianças às escolas, para não propiciar o aparecimento de uma segunda onda de infecção pelo novo coronavírus”, avisa.

Para médicos e especialistas, se o Sistema Único de Saúde (SUS) não existisse, o cenário seria muito pior. “Estamos com quase 85 mil mortos (até 22 de julho). É impossível imaginar quantos óbitos teríamos se não fosse o SUS”, pondera o ex-ministro Temporão. Inspirado em modelos de sistemas de países onde há prevalência do bem-estar social, como Inglaterra, França e Portugal, o SUS foi criado pela Constituição de 1988, com o objetivo de atender toda a população. “No entanto, mudanças estruturais ao longo dos anos e, em especial, a aprovação da Emenda Constitucional 95/ 2016, que limitou os gastos públicos por 20 anos, enfraqueceram o SUS. Entre 2016 e 2019, foram suprimidos R$ 20 bilhões do Ministério da Saúde. Chegou o momento de a sociedade rever essa situação”. Santini concorda: “O sistema público de saúde cuida de muitos outros aspectos da saúde humana: vacinação, vigilância sanitária e epidemiológica, controle do meio ambiente. Sem o SUS, nem teríamos noção do que se passa com a saúde no País”.

Mas reformas do sistema são necessárias. O ex-diretor do Inca ressalta que, de 1988 para cá, o País mudou muito – a pirâmide etária se modificou e a população se urbanizou. “O sistema ainda é voltado para episódios agudos, como epidemias, e pouco estruturado para o tratamento de doenças longas. Só que, hoje, prevalecem as doenças crônicas. Precisamos repensar para construirmos um sistema generoso e humano necessário a uma democracia”.

Stefani ilustra a questão com números. Segundo ele, o Brasil investe 9,5% do seu PIB em saúde, o que pode ser considerado comparável aos números de países desenvolvidos. “Mas 55% dos gastos com saúde têm como origem os 25% da população que possuem planos de saúde particulares. Isso indica um grave desequilíbrio”.

As condições socioeconômicas também influenciam nos números de infecção pelo novo coronavírus. Para Stefani, as chances de contrair covid-19 são bem maiores entre as classes menos privilegiadas financeiramente. Temporão compartilha a mesma opinião. “Essas pessoas têm maior dificuldade de cumprir isolamento social, até porque precisam ir às ruas para conseguir seu sustento. Sem política econômica e social não dá para ficar em casa”, salienta. “Além disso, essas pessoas usam transportes públicos, o que aumenta a exposição, moram em residências com muitas pessoas e poucos cômodos e ainda sofrem de hipertensão, diabetes, obesidade e problemas cardiovasculares, entre outros. Aí, o risco dispara”.

O ex-diretor do Inca explica que os dois sistemas, público e privado, não devem competir entre si. “São complementares”, comenta Santini. O oncologista Stefani acrescenta: “Na Suíça, também existem os dois modelos. A diferença entre eles limita-se a níveis de conforto, e não a desfechos. Nos dois sistemas, o paciente terá acesso aos mesmos tratamentos e remédios”. Para José Gomes Temporão, a pandemia trouxe à tona uma oportunidade de reflexão por parte da sociedade brasileira sobre a importância de manter um sistema de saúde universal sustentado com recursos públicos.

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