Internacionalmente, o termo advanced therapy medicinal products (ATMP) é bem conhecido. No Brasil são chamados de produtos de terapia avançada, sendo considerados uma categorial especial de medicamentos novos, que abrangem os produtos de terapia celular avançada, os produtos de engenharia tecidual e os produtos de terapia gênica. Mas foi preciso aguardar cinco anos para que o setor regulado pudesse conhecer de que forma o País definiria suas condições mínimas necessárias para o registro desses produtos com o propósito de comprovar sua eficácia, segurança e qualidade.
Marina Moreira, coordenadora de Assuntos Regulatórios da ABIFINA*
A regulamentação de uma nova categoria para registro desses produtos no Brasil nos leva à necessidade de uma norma específica elaborada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), diferentemente de outros países, em que agências internacionais como a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, e a Europen Medicines Agency (EMA), da União Europeia, regularizam tais produtos como medicamentos biológicos, determinando uma estrutura regulatória mais ampla.
Assim, com a publicação em fevereiro da Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 338/2020, a Anvisa avança na possibilidade de inserir no mercado os produtos de terapias avançadas. O tema, sensível para a sociedade, começou a ser pautado em 2015 na agência e ganhou destaque em 2018, com o lançamento das Boas Práticas de Fabricação e de requisitos para a realização de ensaios clínicos, alinhando o entendimento técnico brasileiro às normas internacionais sobre o tema.
Com isso, estamos hoje rumo à convergência global em terapias avançadas, mas ainda há muito a ser feito. Observa-se que a própria EMA já encontra dificuldade de inserir tecnologias emergentes em seu arcabouço de legislação, mesmo este sendo o mais atualizado no momento e apesar de a agência possuir uma estrutura de avaliação e reuniões periódicas, com aconselhamento científico de especialistas para emissão de pareceres. Isso porque uma grande parcela de produtos de terapias avançadas é produzida para doenças raras (aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos), o que torna os ensaios clínicos um desafio à parte, devido à necessidade de estudos de segurança e eficácia e do acompanhamento robusto na pós-autorização (farmacovigilância).
No Brasil, aproximadamente 13 milhões de pessoas se encontram nessas condições, um número que só aumenta à medida que tratamentos adequados não chegam aos que necessitam. Para essas pessoas, olhar esse novo horizonte é vislumbrar a possibilidade de novos tratamentos como uma grande promessa terapêutica para enfermidades complexas sem alternativas médicas disponíveis ou com terapias ineficazes.
A lacuna regulatória que existia por conta da ausência de regras trazia um ambiente de incertezas tanto para o setor produtivo, que tem urgência em desenvolver novos produtos, quanto para a população, que anseia por tratamentos que proporcionem alívio para suas enfermidades. No último ano, antes da publicação da norma, a Anvisa já possuía oito ensaios clínicos aprovados e dois pedidos de registros protocolados que aguardavam a aprovação das novas regras para o prosseguimento do processo de registro – sendo um indicado no tratamento de atrofia muscular espinhal e o outro, no de distrofia de retina hereditária.
Os esforços estão sendo feitos para a introdução desses produtos no mercado brasileiro. Um dos principais destaques é a excepcionalidade para a concessão de registros que ainda carecem de dados adicionais, acelerando a introdução dessas terapias no mercado. O que antes era uma insegurança jurídica passou a ser uma importante possibilidade.
Outro empenho que merece destaque é a recém publicada Nota Técnica nº 21 da Anvisa, que aborda instruções sobre ensaios clínicos e o uso experimental para o tratamento de covid-19. Para tanto, será possível seguir com as seguintes alternativas para uso desses produtos nos pacientes: por meio de ensaios clínicos feitos com produto de terapia avançada a ser investigado em ensaio clínico (balizado pela RDC 260/2018) ou com o uso de produtos que ainda não possuem registro e que podem ser utilizados de forma experimental. Das duas formas, a Anvisa reforça que as medidas visam garantir o acesso da população à tratamentos inovadores.
Uma preocupação que cabe destacar é a questão da regulação dos preços desses produtos e o alto investimento em tecnologias para sua fabricação. Para garantir a acessibilidade, será preciso um esforço multidisciplinar e um aprofundamento de discussões que até então não aconteciam.
Esperamos encontrar a partir do dia 1º de junho deste ano – data do início da vigência da norma – um aumento nos pedidos de ensaios clínicos, saindo do status utópico de grande promessa terapêutica para uma realidade mais palpável para a população brasileira.
_____
*com a colaboração de Bruna Oliveira, trainee da Área Técnica
VISÃO DO ASSOCIADO
A farmacêutica nacional EMS participa do desenvolvimento de produtos de terapias avançadas por meio de sua subsidiária nos Estados Unidos, a Brace Pharma. Roberto Bleuel Amazonas, diretor médico-científico da EMS, expõe sua visão sobre o crescimento desse mercado e os desafios regulatórios após a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 338/2020, que torna o Brasil o primeiro país na América Latina a adotar uma regulação específica para o tema.
O que as terapias avançadas prometem em termos de evolução da indústria farmacêutica?
No passado, as grandes farmacêuticas tinham maior foco em produção de moléculas pequenas em larga escala. Recentemente, surgiram as terapias biológicas e agora, com as terapias avançadas, há um movimento de personalização da medicina, em menor escala, altamente complexo e especializado, no qual as principais questões se dão em relação aos investimentos, que são muito altos, e à posterior incorporação e acesso a essas novas tecnologias de tratamento.
Como a indústria farmacêutica vê o crescimento das terapias avançadas no mundo e no Brasil?
Atualmente, há um grande aumento de aprovações dessas terapias em órgãos como o FDA [agência norte-americana de vigilância sanitária], o que é resultado do olhar mais detalhado para as necessidades médicas mal ou não atendidas. No Brasil, esses movimentos em geral ocorrem de forma subsequente.
Qual é o potencial de mercado dessas novas terapias?
O tamanho do mercado global de medicamentos de terapia avançada deve crescer exponencialmente. Estimativas são de US$ 9,6 bilhões até 2026, com crescimento anual de 17,4% ao ano, de acordo com um novo relatório publicado pela Grand View Research.
Qual deve ser a participação de mercado dessas novas terapias nos próximos 20 anos?
É difícil prever, pois o resultado terapêutico, principalmente no longo prazo, está sendo testado no mundo real neste momento. Porém, todas as evidências apontam para um crescimento importante, talvez alcançando 30% do mercado nos próximos cinco ou dez anos.
Como as empresas do setor estão avaliando a nova norma da Anvisa?
O fato de termos uma normativa contribui para a indústria nacional, pois passa a permitir que esse tipo de produto seja desenvolvido e estudado na população brasileira, podendo beneficiar muitos pacientes portadores de doenças raras e alguns tipos de câncer.
Precisamos de uma legislação que facilite ao País participar dos estudos clínicos multicêntricos conduzidos por companhias muitas vezes estrangeiras. Com isso, no futuro, poderemos ter dados dos nossos pacientes que ajudem a tomada de decisão de viabilizar o registro do tratamento no Brasil.
O que a indústria acredita ser necessário estar presente na regulação sanitária das terapias avançadas?
Todas essas terapias necessitam de provas de segurança e eficácia. Entretanto, modelos de aprovação precisam ser contemplados ou amplamente discutidos. Um grande dificultador do processo é a morosidade na aprovação. Após o recebimento da documentação para um pedido de registro para produto de terapia avançada classe I, a Anvisa pode demorar até 365 dias para manifestar-se quanto ao pleito. É uma Resolução muito recente. Acredito que temos muito a aprender e a evoluir, assim como aconteceu com os estudos clínicos ao longo dos anos.
Outro ponto que ainda merece ser abordado são formas de pagamento diferenciadas. Em tratamentos muito caros, a empresa, por exemplo, só recebe se o tratamento funcionar.
Quais aspectos deveriam ser contemplados e não foram nesta nova norma?
Não existe um modelo ideal, mas acredito que cada situação deve ser analisada individualmente. Recentemente, em 31 de março, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou a RDC nº 363/2020, que altera artigos pontuais da RDC nº 338/2020. Essa alteração foi realizada frente à pandemia da covid-19. Nessa resolução, produtos de terapia avançada para a covid-19 podem ser utilizados apenas com a comunicação e o encaminhamento de documentação simplificada à Anvisa, sem necessidade de autorização do órgão regulador.
A EMS tem produtos de terapias avançadas na fila de registro ou já registrados?
A EMS não tem produtos desse tipo em desenvolvimento, na fila de registro ou registrados. A Brace Pharma hoje investe em terapias antivirais e antifúngicas, e também em áreas como oncologia e doenças autoimunes. Esta empresa tem potencial para aplicar registros nessas classes terapêuticas em breve.