REVISTA FACTO
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Ago-Dez 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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JULIA PARANHOS: DISPOSITIVO LEGAL QUE AMPLIA A VIGÊNCIA DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS GERA PREJUÍZO BILIONÁRIO À SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL
//Entrevista Julia Paranhos

JULIA PARANHOS: DISPOSITIVO LEGAL QUE AMPLIA A VIGÊNCIA DAS PATENTES DE MEDICAMENTOS GERA PREJUÍZO BILIONÁRIO À SAÚDE PÚBLICA DO BRASIL

Um estudo inédito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) quantificou parte do prejuízo que a extensão do prazo de patentes causa para o Sistema Único de Saúde (SUS). A coordenadora do estudo, Julia Paranhos, professora associada do Instituto de Economia da UFRJ, explica à Facto os resultados da pesquisa, que analisou nove medicamentos de alto custo comprados pelo SUS. Conclusão: caso o artigo da Lei de Patentes que prevê a prorrogação da proteção – uma exclusividade do Brasil – fosse extinto, o SUS poderia economizar de R$ 1,1 bilhão a R$ 3,8 bilhões.

O tempo de vigência de patentes de medicamentos previsto no País e internacionalmente é de 20 anos. Mas a Lei da Propriedade Industrial (LPI, nº 9.279/1996) dispõe de um mecanismo que leva as patentes a terem uma duração maior que o prazo padrão – 20 anos contados da data do depósito. De acordo com o parágrafo único do artigo 40 da LPI, uma patente de invenção terá no mínimo 10 anos de validade, contados a partir da data de sua concessão. Como o Brasil hoje leva, em média,13 anos para conceder uma patente farmacêutica, a vigência média dessas patentes é de 23 anos. Nesse período, os medicamentos de referência têm monopólio garantido e os genéricos – a opção mais barata – não são comercializados.

Segundo Julia Paranhos, responsável também pelo Grupo de Economia da Inovação da UFRJ, o atraso na análise das patentes e o dispositivo da LPI precisam entrar na pauta do governo e do Judiciário, especialmente neste momento de contenção orçamentária, sob pena de colocar em risco o fornecimento de produtos essenciais para a saúde da população.

COMO O ESTUDO FOI REALIZADO?

Fizemos um levantamento recente que mostra que, das 683 patentes concedidas entre 1997 e 2018 pelo INPI, 92,2% obtiveram extensão de prazo. Daí surgiu a questão: qual o custo dessa extensão da validade das patentes? Começamos o estudo levantando os medicamentos de alto custo presente nas compras centralizadas do SUS, feitas de 2014 a 2018. Depois, identificamos aqueles que se enquadravam em um de dois grupos: medicamentos com patentes concedidas em extensão de prazo ou com possibilidade de obter a patente nessa situação.

Incluímos um terceiro grupo, que são medicamentos com patentes mailbox. São patentes depositadas durante o período transitório de harmonização nacional ao TRIPs [Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio]. De acordo com a Lei da Propriedade Industrial (LPI, nº 9.279/1996), a extensão não incidiria sobre essas patentes. Porém, as empresas detentoras dessas patentes mantêm um processo na Justiça para que a extensão seja reconhecida como válida. Enquanto não há uma decisão judicial, concorrentes potenciais não entram no mercado e a possibilidade de redução de preços é adiada.

Analisando os medicamentos de alto custo que tenham ou venham a ter extensão de prazo de patente, inclusive mailbox, chegamos a um conjunto de nove produtos. Começamos a verificar o gasto e o custo potencial do SUS pela manutenção da compra desses medicamentos no período de extensão. Chegamos à estimativa de que o SUS poderia economizar de R$ 1,1 bilhão a R$ 3,8 bilhões, considerando os preços dos medicamentos genéricos e biossimilares correspondentes aos de referência comprados atualmente.

COMO VOCÊS CHEGARAM A ESSES VALORES?

 Usamos a média de preços dos genéricos existentes no mercado internacional – uma vez que em muitos países essas patentes já expiraram. Dos nove medicamentos pesquisados, quatro possuem genéricos e biossimilares vendidos mais baratos no exterior. Nesse grupo, tomando por base os preços praticados, foi estimado que o SUS tem prejuízo total de R$ 1,2 bilhão com a extensão do prazo das patentes. Ressalto que dois desses genéricos são 99% mais baratos que o preço pago pelo Ministério da Saúde, o que é surpreendente e revoltante.

Fizemos também três projeções hipotéticas para todos os nove medicamentos. Consideramos quanto eles poderiam custar hoje, no Brasil, caso os medicamentos de referência não estivessem mais protegidos por patentes. Nossa regulação determina que os genéricos devem ser pelo menos 35% mais baratos – essa foi nossa base para fazer as projeções.   

A primeira projeção é de redução básica de preço, em que os biossimilares seriam 10% mais baratos e os genéricos, 40%. No cenário de redução média de preços, os biossimilares seriam 30% mais baratos e os genéricos, 60%. No caso de uma redução drástica de preço, os biossimilares seriam 50% mais baratos e os genéricos, 80%.

Concluímos que, no cenário de redução básica de preço, o SUS gasta R$ 1,1 bilhão a mais com os medicamentos de referência. No caso de redução drástica, teríamos R$ 3,8 bilhões de custo adicional.

Para contextualizar esses valores, é importante mencionar que o DLOG [Departamento de Logística de Saúde, da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde] teve um gasto de R$ 10 bilhões no período estudado (2014 a 2018), chegando a um valor médio anual de R$ 1,9 bilhão. O Ministério da Saúde poderia abastecer o SUS com esses medicamentos no mínimo por quase um ano a mais se suas patentes não tivessem a vigência ampliada.

QUAIS MEDICAMENTOS FORAM ANALISADOS?

Os medicamentos foram estudados por seus princípios ativos. Entre os que já têm suas patentes concedidas e estendidas estão Golimumabe, Daclatasvir, Dasatinibe e Nilotinibe. Os medicamentos depositados há 10 anos e que tinham potencial de receber a concessão da patente com extensão são Certolizumabe pegol, Darunavir e o Sofosbuvir. Dos que têm patentes mailbox analisamos o Adalimumabe e o Eculizumabe.

VOCÊ ESPERA QUE OS RESULTADOS SENSIBILIZEM O GOVERNO E O JUDICIÁRIO PARA REVERTER ESSA SITUAÇÃO?

Com certeza. Essa questão precisa entrar na pauta do governo e do Judiciário para conseguirmos evitar um gasto desnecessário para o orçamento da saúde. O propósito inicial do estudo foi gerar informação técnica para contribuir na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 5529/2016 para que o STF [Supremo Tribunal Federal] considere esse parágrafo único do artigo 40 como inconstitucional. Essa Adin também é extremamente relevante para solucionar a questão do mailbox.

Entendemos que existe a possibilidade de sensibilização, por parte do governo, para uma melhor estruturação do INPI, em especial com a contratação de mais examinadores de patentes. Relativamente, o Instituto tem uma estrutura muito menor do que os diversos escritórios internacionais de propriedade industrial dos principais países, o que faz com que a relação entre os pedidos de patentes depositados no INPI e o número de examinadores seja extremamente alta. Em janeiro de 2019, havia 323 examinadores, o que levava a uma relação de 641 pedidos por examinador. Se considerarmos a média dos cinco maiores escritórios de patentes do mundo em 2017, essa relação era de 112 pedidos por examinador. O Brasil tem hoje uma estrutura que é insuficiente para o tamanho do nosso mercado.

Há outros estudos a respeito dos prejuízos da extensão de patentes ao SUS? É possível estimar o prejuízo total?

Nossa equipe fez um estudo em 2016, desenvolvido também com nove medicamentos, que diferem dos que foram analisados agora. Foi estimado um custo de R$ 2 bilhões para esses medicamentos durante seu período de extensão.

Há um estudo de 2017 feito por Anna Jannuzzi e Alexandre Vasconcellos, do INPI, que indica um custo adicional de R$ 264 milhões para apenas três medicamentos. Por mais que sejam feitos com metodologias e medicamentos diferentes, esses estudos mostram que os custos adicionais são desnecessários e bastante significativos. É importante que tanto o STF como o governo prestem atenção a esse fato.

COMO VOCÊ VÊ O ESFORÇO DO INPI COM O PLANO DE COMBATE AO BACKLOG DE PATENTES?

Mantida a autonomia nacional no exame de patentes, são válidas as ações para melhorar o funcionamento do INPI. Mas o problema do atraso desses exames pode aumentar se nada for feito em relação à estrutura do Instituto. Ressalto novamente a importância do número de examinadores. Por mais que se usem as buscas internacionais e os sistemas do INPI sejam melhorados, há a necessidade de mais profissionais dessa área. Numa análise apressada, essas contratações podem ser vistas como gastos adicionais para o governo. Mas é preciso levar em conta que o Brasil já está tendo custos enormes com o atraso das análises dessas patentes. Fizemos um estudo recente, na dissertação do Eduardo Mercadante, que aponta que o tempo estimado de análise de uma patente farmacêutica é de três anos. Mas o pedido espera sete anos por um examinador disponível para começar a analisá-lo.

A PROPRIEDADE INTELECTUAL DE FATO CONTRIBUI PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO OU FUNCIONA MAIS COMO MECANISMO ANTICONCORRENCIAL?

Essa pergunta é bastante complexa e de difícil mensuração. Há grande debate na literatura sobre o tema. Nosso estudo não abrange esse ponto, mas mostra que temos um mecanismo com efeito anticoncorrencial na legislação brasileira, que é o parágrafo único do artigo 40. Ele vai além do mínimo exigido pelo acordo internacional – TRIPs – e, com isso, impede a entrada de concorrentes no mercado.

Com nosso estudo, queremos destacar que esse mecanismo anticoncorrencial tem efeito direto sobre a saúde pública brasileira. É muito importante que as autoridades estejam atentas às suas consequências.

Julia Paranhos
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