REVISTA FACTO
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Ago-Dez 2019 • ANO XIII • ISSN 2623-1177
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EVENTO DEBATE IMPACTOS DA INOVAÇÃO INCREMENTAL E DO BACKLOG NA QUÍMICA FINA
//SIPID

EVENTO DEBATE IMPACTOS DA INOVAÇÃO INCREMENTAL E DO BACKLOG NA QUÍMICA FINA

O Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento – SIPID chega à marca de sua décima edição com foco na inovação como estratégia de sobrevivência para indústria da química fina brasileira, em especial ganhos de eficiência e competitividade, que não necessariamente demandam transformações radicais. Realizado no dia 4 de dezembro, no Centro de Convenções da Firjan, pela Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA), o evento foi marcado também por intensos debates sobre os impactos do backlog e da extensão do prazo de patentes no acesso a medicamentos.

Houve ainda a entrega do 4º Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual, além de homenagem ao idealizador do seminário, Marcos Oliveira, conselheiro da ABIFINA. A programação teve a participação do jurista britânico Ryan Abbott e de representantes do setor público, indústria e academia nacionais.

ABERTURA: DESAFIOS PARA A INDÚSTRIA

Sob o comando do anfitrião Sergio Frangioni, presidente do Conselho Administrativo da entidade, a mesa de abertura lembrou a definição do conceito de inovação incremental e os desafios do acesso a medicamentos no País. Ao lado dele, estiveram presentes Carlos Fernando Gross, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), que sedia o encontro, Julio Costa Leite, superintendente de Gestão Pública e Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), patrocinador master do evento, Alessandra Bastos, diretora da segunda Diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), e Claudio Vilar Furtado, presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Como em todas as edições, o representante da Firjan deu as boas-vindas ao público. Neste ano, Gross frisou que o Brasil ocupa posição pouco expressiva no índice global de inovação e que há poucas patentes de empresas nacionais. “Vivemos uma economia sem fronteiras graças ao avanço da tecnologia. A inovação é fundamental para compor a estratégia de mercado de qualquer empresa”, defendeu, destacando a melhora no desempenho de produtos, redução de custos e otimização de processos que resultam desses esforços.

Ele foi seguido do dirigente da ABIFINA, Sergio Frangioni, que abriu o evento falando das complexidades do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, como a necessidade de equilibrar altos custos com a cobertura ampla da população. “Os produtos sob patente restringem o acesso e desafiam a sustentabilidade de política pública de saúde com o direito universal mesmo em países ricos”, alertou.

Frangioni citou a exigência de farta documentação para atender à regulação, dificuldades tributárias e o backlog na análise de patentes no INPI como fatores que aumentam a complexidade e o custo de se produzir no País. Além disso, ele se referiu a tarifas de importação sobre insumos, que teriam tratamento diferenciado, mas esbarram na burocracia. “Medicamentos importados pelo Ministério da Saúde são isentos de impostos, mas os produtores nacionais pagam impostos de até 30% do valor. Como comparar um produto importado com um produto nacional com essa carga tributária?”, reclamou. Impasses sobre a patente de medicamentos por empresas estrangeiras também foram tratados na fala de Frangioni. Por outro lado, apontou ele, a boa notícia veio da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial), que subsidia um terço dos investimentos em inovação e teria colaborado para melhorar a quantidade de patentes no Brasil.

A perspectiva de Frangioni, no entanto, não é otimista. “Nós podemos estar a bordo de um Titanic se não endereçarmos as questões que geram emprego, renda e acesso. Dizem que nós estamos competindo com empresas chinesas ou indianas. Mas nossa competição é com políticas de Estado, com países. Nós temos que correr e brigar sem ter uma política de Estado forte”, concluiu.

Costa Leite, do BNDES, ressaltou o peso da carteira de investimentos em saúde do banco e lembrou que 67% dos brasileiros dependem do SUS. Ele anunciou uma reorientação da atuação do órgão associada à entrada do atual presidente, Gustavo Montezano. Segundo ele, setores escolhidos pela diretoria receberão mais recursos e atenção em relação aos demais, enquanto saúde, segurança pública, socioambiental, patrimônio histórico, cultura, turismo, entre outros setores, precisarão competir entre si pelos recursos. “A ideia é o banco ser um grande articulador da indústria, junto ao governo federal e junto à academia e discutir o uso de não reembolsáveis”, explicou, referindo-se ao financiamento para desenvolver a indústria na área de saúde. Ele, no entanto, desvencilhou o BNDES da discussão sobre política industrial. “Está fora da alçada do banco”, afirmou, reforçando que a intenção é que o BNDES seja um hub (conexão) entre empresas e governo. “O banco é neutro, de Estado, tem recursos, experiência no tema e faz essa ponte”, argumentou o superintendente do BNDES.

Registro de produto, genéricos e o conceito de inovação incremental foram os pontos destacados por Alessandra Bastos, da Anvisa, na mesa de abertura. Ela ressaltou que o relacionamento da agência com o setor produtivo só tem melhorado aos longos dos 20 anos de existência do órgão. “A expertise da Anvisa não é criar, é normatizar e só conseguimos construir com ajuda da indústria”, apontou. Oportunidades de parcerias com as universidades e exemplos de matérias que tiveram avanços a partir da atuação da Anvisa também foram citados pela diretora. Por fim, a representante da agência reguladora constatou que é preciso unificar os entendimentos e desburocratizar apesar do arcabouço regulatório engessado e lembrou que, em 2020, a agência terá novos desafios, com novos diretores e troca de gestores.

INPI ENTRE ALTOS E BAIXOS

Em sua fala, Claudio Furtado, presidente do INPI desde fevereiro e último palestrante da mesa de abertura do SIPID, destacou as ações contra o backlog e os avanços proporcionados a partir da adesão brasileira ao Protocolo de Madrid, que visa reduzir a burocracia, custos e demora nos processos de marcas e patentes. Ele também anunciou alterações gerenciais e tecnológicas no INPI para o próximo ano e falou do orçamento do órgão.

Um dos seus destaques foi a diminuição na demora da análise de pedidos de patente, que leva 6,6 anos na média. De acordo com Furtado, em três meses e meio o backlog já foi reduzido a 135 mil de um total de 162 mil pedidos de exame de patente, ou 16% de redução. “Essa velocidade não pode ser esperada daqui para frente”, ressalvou ele, mas adiantou que a expectativa é que em 18 meses o problema seja eliminado. A produção per capita dos examinadores teria aumentado em mais de 150% graças a métodos de trabalho e índices específicos para essa força-tarefa.

Ele também sublinhou o crescimento nos pedidos de registro de marcas internacionais, incluindo para fármacos a partir da assinatura do tratado internacional, em vigor desde 2 de outubro, e acordos com escritórios estrangeiros de patentes inglês, japonês, norte-americano e europeu, além do escritório dinamarquês. Segundo Furtado, em 2020, quando o INPI completa 50 anos de existência, a meta é ser um órgão 4.0 que “faça jus ao tamanho, excelência, significado e porte da economia brasileira”. Aumentar a competitividade e criar regras de negócio que destravem a burocracia e reduzam o Custo Brasil serão parte dessa iniciativa, complementou.

“Custo Brasil é uma perda da sociedade”, criticou ele, acrescentando que, no INPI, eles estão atacando esse custo ao liquidar o backlog, criar programas prioritários e abrir nosso mercado. Para ele, a inovação incremental tem que ser perseguida. “Aquilo que significa aumento gradual e sustentado da produtividade vem através da inovação horizontal ou incremental”, definiu. Furtado trouxe ainda informações polêmicas. Ele revelou que o órgão está investindo no acesso a bases de informações, sobretudo na área química, e em tecnologia digital, porém, o INPI estaria ameaçado de suspender operações em junho de 2020 se não houver suplementação orçamentária, já que apenas 50% do custeio e investimento estão garantidos.

CONFERÊNCIA INTERNACIONAL: INOVAÇÃO COMO ESPECTRO

Convidado a falar sobre sua pesquisa na área de propriedade intelectual (PI) e inteligência artificial no desenvolvimento de medicamentos, Ryan Abbott, professor de Direito e Ciências da Saúde na Universidade de Surrey, no Reino Unido, foi o conferencista internacional do X SIPID. Ele é médico, com formação em medicina ocidental, e jurista, além de mestre em medicina oriental e especializado em acupuntura. Abbott discorreu sobre como a inovação incremental tem um papel importante na descoberta de novas drogas em classes já conhecidas, novas fórmulas, novas doses e uso e ainda que tipo de inovações deve ser estimulado e como, incluindo com políticas de PI.

Abrindo a conferência, o jurista distinguiu grandes inovações que revolucionam e mudanças incrementais em produtos e processos que já existem. Segundo ele, essa evolução gradual é a maior parte do que se chama inovação, mas nem sempre a linha que os separa é clara e algo que parece incremental pode vir a se mostrar radical e vice-versa.

Na indústria farmacêutica, ele sugere encarar inovação como um espectro em que a primeira geração de medicamentos está em uma das pontas, com novos mecanismos de ação que alteram a tecnologia disponível por seu grau de novidade científica ou comercial e seu impacto. Essas são inovações arriscadas e mais caras em termos de investimento. Ao longo do espectro, porém, estão as inovações incrementais que adicionam valor por desenvolverem novos medicamentos de uma classe, novas fórmulas, novas doses e formas de administração ou novos usos para medicamentos existentes.

CONTROVÉRSIA E VANTAGENS

Por ser menos custosa, a inovação incremental concentra a maior parte dos investimentos da indústria. Só um terço dos registros relacionados a medicamentos no FDA (Food and Drug Administration, a agência norte-americana equivalente à Anvisa) envolve novas moléculas, revelou o pesquisador.

O tema gera controvérsias. Quando bem feita, esse tipo de inovação pode trazer benefícios aos pacientes. Ao mesmo tempo, pode implicar subsídio a pesquisas que não alteram significativamente um benefício que já está à disposição e pode servir para aumentar lucros de empresas sem contribuir para a saúde pública na mesma proporção.

Parte da polêmica está na quantidade limitada de recursos de financiamento para Pesquisa e Desenvolvimento disponíveis, o que obriga empresas a tomarem decisões estratégicas de acordo com os riscos e equilibrar a balança entre inovações radicais e incrementais. “Não é que as empresas não queiram gerar uma inovação radical e revolucionária, mas há um grande risco associado e eles são caros”, explicou ele, mencionando queda de preços de ações devido a pesquisas que recebem pesados investimentos durante anos e, no fim, tiveram resultados decepcionantes nos testes finais. Embora não tenha números exatos, Abbott se referiu a uma pesquisa que coloca esse patamar perto dos 90%. “Inovação incremental é muito mais segura e potencialmente muito lucrativa”, reforçou o jurista e médico.

E como fazer para estimular a indústria a direcionar mais investimentos para a inovação radical? Abbott lembrou que há um limite no poder de atuação do Estado, mas acredita que o poder público deva agir para corrigir falhas de mercado, com políticas públicas e incentivos fiscais e regulatórios. Em sua opinião, uma solução são empresas públicas ou parcialmente públicas, assim como parcerias público-privadas. Nos Estados Unidos, ele citou, há um entendimento de que as universidades devem assumir o papel de pesquisar inovações radicais e a indústria se encarrega de criar produtos a partir disso. Outra possibilidade é o Estado oferecer financiamentos e créditos tributários, além de vantagens regulatórias para estimular esse tipo de pesquisa por parte das companhias.

Patentes também podem ser usadas com esse fim se, por exemplo, certos tipos de inovações incrementais não forem objeto de proteção por patente, empurrando as firmas na direção contrária, de desenvolver melhorias que venham a ser protegidas.

Além das vantagens para empresas, inovações incrementais também têm outras vantagens na área farmoquímica. A maior oferta de medicamentos em uma mesma classe amplia as opções de tratamento, já que nem todos reagem igualmente a determinadas drogas. Isso dá aos médicos a possibilidade de encontrar a melhor recomendação para cada paciente. Além disso, ele ressaltou que medicamentos first-in-class nem sempre são os melhores da classe e, por isso, podem se beneficiar da continuação do seu desenvolvimento. “Em tese, todo progresso técnico se constrói sobre uma base dada por inovadores que vieram antes. É inegavelmente um evento cumulativo e o progresso acontece tanto em saltos como em passos miúdos”, defendeu.

Outro ponto é que ter opções é positivo caso o fornecimento de um tipo específico seja interrompido por alguma razão. Por fim, com mais medicamentos na mesma classe, a expectativa é que os preços caiam, aumentando as opções dos médicos e beneficiando pacientes. “Um dos argumentos a favor da inovação incremental é que ela ajuda a financiar inovação radical. Por outro lado, mesmo em períodos em que a indústria farmacêutica registrou grandes ganhos, isso não correspondeu necessariamente a índices mais altos de inovação”, provocou.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O impacto da inteligência artificial (IA) no processo inventivo e na propriedade intelectual também foi abordado pelo jurista. Envolvida em controvérsia, IA já está sendo usada para desenvolver estratégias por empresas, apesar de ainda não haver um arcabouço de regras. Uma das questões é, se máquinas podem fazer “trabalho conceitual” a partir de algoritmos, então como discernir o que é inventivo? Outro dilema diz respeito à autoria. Criações resultantes de IA não podem ser tratadas em igualdade de condições com produtos intangíveis desenvolvidos por pessoas e aí está um desafio, já que desde os anos 1980 tais invenções vêm sendo depositadas em escritórios de patentes em nome dos depositantes, sejam eles pessoas ou empresas. Para Abbott, as leis de patentes estão diante de um desafio em como tratar essas invenções.

APROXIMAÇÃO ENTRE INDÚSTRIA E ACADEMIA

Já na parte tarde, a programação do X SIPID foi dedicada a desafios em território nacional. No painel “Desafios da propriedade intelectual em inovações incrementais”, destacou-se que uma das maiores barreiras para a inovação no Brasil é a baixa interação entre academia e setor industrial. Quem fez o alerta foi Núbia Gabriela Chedid, chefe da Divisão de Patentes de Farmácia II do INPI. Em sua apresentação, ela trouxe definições de inovação e dados sobre o crescimento da produção científica brasileira e a relação com a indústria.

Responsável pela coordenação do painel, Ana Claudia Oliveira, consultora de Propriedade Intelectual & Inovação da ABIFINA, abriu o debate com uma provocação. “Muita gente discute inovação, mas não entende inovação na prática, menos ainda quando se trata de patente”, afirmou. A especialista defendeu também a importância da inovação incremental para o País, que, na sua visão, nem sempre é sinônimo de evergreening – prática de se estender a patente de um medicamento além do tempo originalmente permitido pela legislação. “Para um país em desenvolvimento como o nosso, a inovação incremental é uma alternativa muito boa. É menos custosa e pode trazer acesso e a melhor condição pro paciente. Nós já sabemos copiar e estamos começando a inovar. Temos inovação radical, mas estamos engatinhando”, defendeu.

A necessidade de definição do que é inovação incremental foi abordada por Núbia Chedid logo no início de sua fala. No seu entendimento, existem diferenças entre invenção e inovação. A primeira, explicou, corresponde a uma nova tecnologia ou novo processo, fruto de trabalho dirigido na busca de soluções. Já a inovação é aquilo que chega ao mercado. Nem toda invenção vira uma inovação e ambas podem ser protegidas por patentes ou não, ressaltou. No caso de uma inovação radical (ou primária), esta inaugura uma nova linha tecnológica, enquanto a incremental (ou secundária) resulta em modificação, melhoria ou aperfeiçoamento de tecnologia já existente. Para ela, o que existe majoritariamente no Brasil é a inovação incremental.

A representante do INPI apresentou também um levantamento realizado por ela sobre a produção científica brasileira. Os dados revelam que o País vem registrando crescimento do número de produção científica nacional na última década, tanto em termos de publicação, como de citações e mesmo colaborações internacionais. Entretanto, apontou a especialista, há pouca interação entre academia e indústria para realização de pesquisas. Segundo ela, apenas 1% dos artigos publicados entre 2011 e 2016 foi resultado de parceria entre pesquisadores universitários brasileiros e indústria nacional. E, quando há colaboração, esta acontece com farmacêuticas multinacionais. Isso é um desafio para a inovação no Brasil, alertou.

Outro dado preocupante, segundo a representante do INPI, é o baixo número de pedidos de patentes de inventores nacionais, o que dificulta a possibilidade de exportação de tecnologia brasileira. “O Brasil contribui com 0,3% dos depósitos de patentes no mundo. A China é o país que mais deposita patentes, depois os EUA. E os países que mais depositam fora do próprio território são os EUA, depois Japão, Alemanha, Coreia do Sul e a China em quinto. O Brasil nem aparece entre os dez. Precisamos avançar muito no depósito nacional para que em algum momento a gente consiga exportar”, argumentou.

Para ela, é importante incentivar as universidades a depositarem patentes. “Temos poucos pedidos, temos que avançar muito nisso”, defendeu. Na sua visão, também é necessário estimular uma aproximação com o setor industrial. “Não há uma associação da indústria com as universidades. Está faltando a ligação do inventor com o empreendedor”, alertou. Núbia Chedid acredita ainda que o escritório nacional de patentes poderia contribuir nessa aproximação. “O INPI deveria ir na universidade, falar com o inventor nacional, aumentar possibilidade de a academia desenvolver produto no mercado, que gere inovação. Um dos desafios do INPI é participar nesse sistema nacional de inovação”, concluiu.

A apresentação deu o tom para o debate que se seguiu. Ana Claudia Oliveira, da ABIFINA, concordou com a representante do INPI e acrescentou que “o desafio é achar invenções e transformar em inovações”. Na sequência, Ana Cepeda, gerente de Marcas e Patentes da EMS, lembrou sua experiência recente ministrando aulas sobre propriedade intelectual em universidades e afirmou que, apesar de haver uma carência desse debate no ambiente acadêmico, o interesse por inovação e patentes tem aumentado. O desafio é saber quem se responsabiliza por dar o pontapé inicial. “Existem projetos incríveis. Quem vai pegar e transformar num produto? De quem é essa obrigação, da indústria? De política pública incentivando essa associação? Isso não tem”, questionou.

Para João Paulo Pieroni, chefe do Departamento Complexo Industrial e Serviços de Saúde do BNDES, o distanciamento entre indústria e universidade no Brasil se deve a uma falta de sintonia entre interesses, além da prática de se internalizar a pesquisa nas empresas. “O conhecimento para que seja feita inovação incremental está mais in house, é um conhecimento detido pelas empresas. Ao mesmo tempo, o que a universidade busca são inovações radicais, novos medicamentos e moléculas. As empresas têm que evoluir para inovações mais complexas e a universidade, se aproximar das demandas de mercado, da indústria”, afirmou.

O representante do banco estatal ressaltou, no entanto, que houve melhora qualitativa na produção da indústria nacional em termos de inovação. Responsável por financiar diversos projetos no setor farmacêutico, o BNDES esteve em posição privilegiada de acompanhar a evolução da fabricação de medicamentos no País. “Em 2003, 90% [dos projetos] eram de genéricos. Se olhamos dez anos depois, 60% dos planos de investimentos das empresas estão em inovações incrementais”, afirmou.

Fechando o debate dos convidados, Marisa Rizzi, gerente de Pesquisa e Inovação do Cristália, lembrou a história do laboratório fundado por Ogari Pacheco, para quem a parceria com a pesquisa acadêmica sempre foi importante. “Hoje se fala em open innovation, mas a gente já nasceu fazendo inovação desde que abriu”, contou. “No Cristália, mudamos a forma de prospectar. Fazemos a gestão de sete plataformas de projetos, temos vários subprojetos e um time focado em prospectar ativamente. E o primeiro lugar é mapear grupos de pesquisa nas universidades, pequenas empresas e startups que possam contribuir, para daí visitar e manter contato”, acrescentou. Ela ressalta, no entanto, que um dos problemas de se fazer parceria com a universidade é a publicação de resultados de estudos em eventos e periódicos científicos, o que impede a concessão de patentes, pela ausência do requisito de novidade.

DESENVOLVIMENTO DA INOVAÇÃO INCREMENTAL

A controvérsia existente em torno da inovação incremental tomou conta do debate entre os participantes do painel e o público. Dante Alario, CSO da Biolab Farmacêutica, lembrou que esse é um caminho válido para se desenvolverem produtos e tecnologias mais inovadores. “O desenvolvimento das inovações incrementais leva automaticamente para as radicais. Ninguém escapa desse processo”, defendeu.

Apesar disso, Alario lamentou a dificuldade de a indústria ter retorno dos valores investidos em pesquisa e desenvolvimento. “Não adianta a indústria fazer os investimentos pesados que têm feito fazendo, jogando de 6% a 10% do faturamento em inovação geral, e depois não obter preço adequado para essa inovação. É uma equação que não fecha”, queixou-se. Para o executivo da Biolab, um dos problemas está na prática de empresas substituírem, em seus portfólios, medicamentos de referência por novos produtos com pequenas melhorias, e mais caros, manipulando dessa forma os preços praticados no mercado e prejudicando os concorrentes.

Os riscos da má concessão de patentes de inovações incrementais para o acesso a medicamentos também foram lembrados. Em tom crítico, Felipe Carvalho, do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI), elencou alguns problemas que considera graves, como “o excesso de patentes de baixa qualidade, a falha do sistema em direcionar os investimentos em inovação para áreas de saúde com mais necessidade, os preços cada vez mais abusivos”. Carvalho também alertou para a necessidade de se monitorar melhor o evergreening que, ressaltou, possui uma evolução já bem conhecida da indústria. Para ele, o sistema regulatório atual é permissivo e estimula práticas abusivas. Ainda segundo o representante do GTPI, o Brasil poderia se inspirar em países com a Índia e a Argentina, que limitam a concessão de patentes de inovações incrementais.

Para Núbia Chedid, do INPI, as críticas de Carvalho têm fundamento. No entanto, ela argumentou que o sistema atual de patentes, mesmo podendo apresentar melhorias, ainda é uma boa ferramenta para o estímulo à inovação no Brasil, só é preciso aprender a usá-lo. “A gente não pode simplesmente dizer que o sistema de propriedade intelectual está sendo questionado no mundo inteiro e por isso querer acabar com ele. A gente tem que tentar utilizar o sistema [a nosso favor], e acho que isso o Brasil não está conseguindo fazer”, acrescentou. Na mesma linha, Ana Claudia Oliveira, da ABIFINA, defendeu que a proteção às inovações é importante para a indústria, mas que é necessário saber usar as regras para contestar a concessão de patentes consideradas impróprias. Segundo ela, não é porque existem problemas que se deve extinguir a regulação de propriedade intelectual. “Não adianta travar e falar ‘não tem mais patentes’. Quebra o sistema e quebra a indústria nacional. Acho que tem que ter um equilíbrio”, concluiu.

COMBATE AO BACKLOG

O enfrentamento ao backlog de patentes, tema recorrente em diversas edições do SIPID, também foi destaque na programação deste ano. Ao contrário dos debates anteriores, porém, o tom foi de otimismo. Após quase duas décadas de aumento constante do backlog de patentes no INPI, o problema parece caminhar para uma solução definitiva. Desde agosto, após a implantação do Plano de Combate ao Backlog, que aproveita o exame de anterioridades de outros escritórios de patentes no mundo (e cujos detalhes você confere na edição 60 da Facto), o órgão brasileiro vem conseguindo reduzir paulatinamente o estoque. Até agora, mais de 20 mil pedidos de exame, dos cerca de 150 mil existentes no início do programa, já foram decididos ou arquivados. Os resultados, antecipados na mesa de abertura pelo presidente do INPI, foram detalhados por Liane Lage, diretora de Patentes, Programas de Computador e Topografias de Circuitos Integrados do INPI, durante sua apresentação no último painel do dia.

A palestrante do INPI celebrou o apoio que o programa tem recebido. “O projetotraz pela primeira vez, como suporte, todo o cenário de interesse da propriedade industrial. Nós temos hoje o suporte de todos os lados. Esse apoio tem sido dado porque apresentamos um programa que buscou uma solução interna, uma forma de saída de um problema crônico”, afirmou. Liane Lage lembrou, entretanto, que ainda há um longo caminho a ser percorrido. “Os resultados são positivos, mas ainda temos muito trabalho. Essa solução simples traz um aporte de necessidades que ainda não temos”, alertou.

Os impactos econômicos do backlog para o sistema de saúde brasileiro são da ordem dos bilhões de reais. Com a demora no exame dos pedidos depositados no INPI, muitos dos medicamentos adquiridos pelo SUS têm ou terão o direito de patente estendido para além dos 20 anos previstos em TRIPs. Isso ocorre porque, devido ao parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial, a vigência de patentes no Brasil é de no mínimo dez anos a partir da sua concessão. “A área farmacêutica é campo de maior lentidão do INPI, com tempo de análise de 13 anos, fazendo com que 92,2% das patentes ultrapassem TRIPs. Não é mais exceção, é regra”, alertou Julia Paranhos, coordenadora do Grupo de Economia da Inovação do Instituto de Economia da UFRJ.

A pesquisadora apresentou durante o X SIPID detalhes do seu estudo sobre a ampliação dos custos para o sistema universal de saúde brasileiro através extensão da vigência das patentes de medicamentos (veja entrevista com a especialista e detalhes da pesquisa na pág. 14). Segundo ela, o aumento desse prazo retarda a entrada de genéricos e biossimilares no mercado nacional, encarecendo os preços e dificultando o acesso a medicamentos.

Diante desse panorama, a notícia do sucesso do Plano de Combate ao Backlog do INPI trouxe alívio para o setor. Com a redução dos exames de patentes pendentes e a decisão do INPI no prazo previsto em TRIPs, de no máximo cinco anos, a expectativa é de que o dispositivo legal que causa a extensão de patentes não tenha tanto impacto.

Representantes da indústria da química fina presentes no painel celebraram os resultados. “A redução do backlog é um start muito produtivo. Quando vemos que o INPI sinaliza que há resultado positivo, a gente fica mais esperançoso”, afirmou Telma Salles, presidente da PróGenéricos e uma das debatedoras. “Convivo com essa questão há exatos vinte anos. Décadas vieram e o problema continua mais ou menos o mesmo. A solução nova abre realmente um campo eficaz de solução”, comemorou Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil. Antonio Carlos Bezerra, presidente-executivo da ABIFINA e coordenador do painel, também destacou o apoio da ABIFINA ao Plano de Combate ao Backlog. “A ABIFINA se prontificou a estar junto das demais entidades nesse processo. Fizemos um documento conjunto, apoiando o trabalho do INPI”, contou.

CRESCIMENTO E DESAFIOS

Os debatedores destacaram também a importância da política de genéricos para a indústria nacional e ressaltaram que o setor farmacêutico vive um bom momento, apesar dos desafios. “Vivemos em um mercado que felizmente, desde a entrada dos genéricos, vem sendo apoiado, não só no desenvolvimento de produtos, mas na forma de se desenvolver. Os genéricos trouxeram um parque industrial desenvolvido e estimularam a concorrência”, destacou Telma Salles. “A gente acredita no avanço da política de genéricos. A inovação incremental é importante, mas os genéricos têm ajudado o Brasil a crescer”, complementou a dirigente da Progenéricos. “Empresas ganham com os medicamentos genéricos, que dão acesso à medicação”, concordou Tatiane Schofield, diretora Jurídica e Compliance da Interfarma.

Já Arcuri apontou o sucesso das políticas públicas para o amadurecimento da indústria. “Em 20 anos, conseguimos aproveitar a conjugação de politicas felizes, como a de genéricos, com o interesse da indústria, e construímos uma indústria que não tem igual na América Latina”, disse ele. “A participação da indústria manufatureira no PIB chegou no patamar mais baixo. Mas o setor está farmacêutico está na contramão. Temos empresários nacionais investidores, com dinheiro suficiente pra investir”, continuou.

Há, no entanto, desafios, como a abertura do Brasil para acordos internacionais, conforme lembrou também Arcuri. “O Brasil está se envolvendo cada vez mais em acordos internacionais. Nos de tipo antigo, o foco eram componentes de tarifas e de fatias de mercado, por cotas. Hoje, não. Depois do primeiro grande tratado novo, o Trans-Pacific Partnership, o eixo que interessa é o sistema de proteção de propriedade que vai ser implantado”, alertou. Segundo ele, é preciso estar atento às exigências de dispositivos TRIPs-Plus e tomar medidas para que o País avance rápido na solução de problemas estruturais que atrapalhem o desenvolvimento da indústria. “Nosso problema é avançar com uma velocidade que nos permita acompanhar nossos competidores”, concluiu.

PATROCÍNIO

Realizado pela ABIFINA desde 2006, o X SIPID teve o patrocínio Master do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através da Chamada Pública para Patrocínio a Eventos Técnicos 2019, tendo ficado entre os seis finalistas. Também patrocinaram o evento as empresas Blanver, Cristália, EMS, Eurofarma, Grupo Farmabrasil, Libbs e Nortec Química.

Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual chega à 4ª edição

X SIPID homenageia também o idealizador do evento

A décima edição do Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento – X SIPID foi palco para duas importantes homenagens. Pelo quarto ano consecutivo, foi entregue o Prêmio Denis Borges Barbosa de Propriedade Intelectual. Este ano, a distinção foi dada ao Laboratório Cristália, por seu esforço em inovar e proteger as invenções por meio de patentes. O idealizador do SIPID e membro do Conselho Consultivo da ABIFINA, Marcos Oliveira, também foi homenageado, em cerimônia inédita. A solenidade das premiações foi conduzida por Nelson Brasil, vice-presidente de Planejamento Estratégico da entidade.

PRÊMIO DENIS BARBOSA

Conhecido como “rei das patentes”, o Cristália tem 209 depósitos de pedidos de patentes no mundo e 107 patentes concedidas, sendo uma boa parte para inovações incrementais. Quem recebeu o prêmio foi o co-fundador do laboratório, Ogari de Castro Pacheco, responsável por incutir o espírito inovador à  empresa. “Para inovar é preciso ter coragem para investir com risco nesse mercado altamente competitivo”, disse Nelson Brasil ao chamar Pacheco ao palco. “Este prêmio não é meu, é do grupo que represento, um grupo inovativo, com mais de 400 pessoas, da ferramentaria aos mais qualificados pesquisadores”, agradeceu o homenageado.

Instituído em 2016 pela ABIFINA, o Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual é um tributo ao jurista Denis Barbosa, um dos maiores especialistas brasileiros no campo da Propriedade Intelectual. A premiação é destinada a empresas, instituições, empresários ou personalidades do setor industrial da química fina e biotecnologia atuantes na defesa do interesse público na área de propriedade intelectual. A cerimônia de entrega acontece anualmente durante o SIPID.

HOMENAGEM INÉDITA

Celebrando seus dez anos, o SIPID promoveu uma homenagem inédita a seu idealizador, Marcos Oliveira, conselheiro da ABIFINA. Oliveira acumula décadas de atuação na entidade, da qual já foi vice-presidente, sempre se dedicando ao tema da propriedade intelectual, da inovação e das patentes. “Desde o início dos anos 1990, Marcos apontava a importância de a indústria de química fina participar dos debates nacionais e internacionais sobre inovação e propriedade intelectual. Assim nasceu o SIPID”, contou Nelson Brasil.

A solenidade foi marcada pelo carinho entre dois amigos. “Convido meu grande amigo, persistente militante na defesa da indústria nacional de química fina, Marcos Henrique de Castro Oliveira”, anunciou Nelson Brasil. “Agradeço o carinho da ABIFINA e a delicadeza da homenagem, mas fico com receio que as pessoas possam pensar que o SIPID nasceu da cabeça privilegiada de Marcos Oliveira. Nada mais falso. O SIPID foi criado em 2006 depois de 20 anos de luta da ABIFINA em prol de obter uma lei de propriedade industrial justa e eficaz no desenvolvimento de um país retardatário como o Brasil”, declarou, com modéstia, Oliveira, ao receber a homenagem.

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