REVISTA FACTO
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Jul-Ago 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
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//SIPID

IX SIPID - Discute inovação e propriedade intelectual na área da saúde

A criação de um ambiente que estimule a inovação baseada em pesquisa e que envolva indústria e academia; a necessidade de o Brasil integrar mais acordos de livre comércio; a importância de um sistema judiciário com profundos conhecimentos e entendimentos harmonizados em relação a propriedade intelectual; os benefícios de haver diretrizes claras e transparentes no INPI e exames de patente bem fundamentados. Todos esses pontos foram considerados cruciais para o fortalecimento da indústria da saúde no Brasil, de acordo com os especialistas que participaram da nona edição do Seminário Internacional Patentes, Inovação e Desenvolvimento – IX SIPID. O evento aconteceu em 18 de setembro, na sede da Federação de Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan).

Organizado pela Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA), o IX SIPID teve como tema central “A Propriedade Intelectual no Brasil: Perspectivas e Estratégias”. O encontro reuniu representantes da indústria farmacêutica e farmoquímica brasileira e de outros setores, e também importantes interlocutores do setor, como órgãos de pesquisa e associações corporativas. A troca de experiências em inovação e PI na área da saúde ocorreram em todos os momentos do evento.

O seminário também foi palco do lançamento da versão em inglês do Manual de Acesso ao Patrimônio Genético, lançado em 2017. A nova publicação teve apoio da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e espera-se que possa influenciar o debate sobre patrimônio genético e conhecimento tradicional em outros países. Na mesma ocasião, foi entregue o 3º Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual, que esse ano homenageou o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) [confira os boxes].

PLURALIDADE DE VISÕES

A mesa de abertura deu o tom dos debates que se seguiram e permitiu que representantes dos setores públicos e privados expusessem uma multiplicidade de visões sobre questões essenciais em relação a PI e inovação. O diretor de Relações Institucionais da Firjan, Marcio Fortes, inaugurou o debate destacando a necessidade de uma boa atuação do INPI no setor. “A propriedade intelectual se reflete na inovação, na modernidade e na competitividade. Temos que fazer nossa invenção e protegê-la. Nem sempre é fácil, porque a competição se dá em nível mundial. Por isso, temos que exigir internamente dos técnicos [do INPI] qualidade na apresentação dos projetos. Temos que modernizar e digitalizar [no âmbito do INPI], como tem sido feito, todos os arquivos, porque estamos em outra era”, afirmou.

Na mesma linha, o 1º vice-presidente da ABIFINA, Sergio Frangioni, destacou a responsabilidade do INPI diante de uma população que vem envelhecendo. “O INPI tem uma grande responsabilidade para com a propriedade intelectual e analisa tecnicamente aquelas empresas e aqueles produtos que devem ter ou não a sua propriedade intelectual concedida no País. É muita responsabilidade perante 200 milhões de pessoas que terão ou não acesso a esses produtos”, apontou.

Já a presidente-Executiva da PróGenéricos, Telma Salles, discorreu sobre a necessidade de um bom sistema de propriedade intelectual para que a proteção à invenção não se torne um obstáculo à garantia do direito da população de ter acesso a medicamentos. “Precisamos aprofundar mais a aproximação com o INPI”, enfatizou. Preocupado com o ambiente institucional, o presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, alertou para a redução do empreendedorismo no País devido às dificuldades impostas pelo Estado brasileiro. “O empresário nacional dedicado à inovação é uma espécie em extinção. São cada vez menos e sofrem o peso do Estado e da sua profunda descoordenação”, provocou.

A fala de Arcuri acendeu um alerta para o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Dyogo Henrique de Oliveira. “Essa tese da extinção do empresário inovador brasileiro nos preocupa”, pontuou. Segundo ele, o setor industrial é que deve conduzir o processo de inovação. Para que isso ocorra, é necessário um ecossistema de colaboração formado por diversos atores, como os órgãos governamentais, o banco estatal, o INPI e o próprio empresariado. Outro elemento fundamental nesse cenário é o bom funcionamento do que Oliveira chamou de sistema de solução de controvérsias nacional, que engloba o Judiciário, órgãos da administração pública e o próprio sistema de patentes. “Também nos preocupa que todo o nosso sistema seja um grande desincentivo à inovação. Precisamos de uma maior eficiência do sistema de resolução de controvérsia do País. E isso inclui as próprias câmaras privadas de arbitragem”, frisou.

Único representante desse sistema presente na mesa, o presidente do INPI, Luiz Otavio Pimentel, ressaltou as dificuldades e os esforços da autarquia para dar conta do grande de volume de pedidos de registro que são feitos anualmente. “Hoje temos uma média de 27 mil pedidos por ano e um passivo de 213 mil pedidos de patente. É muito além da nossa capacidade de exame”, afirmou.

O CASO DINAMARQUÊS

O papel do investimento privado para a inovação foi destaque em mais de uma apresentação ao longo do dia. Federico De Masi, professor do Departamento de Bioinformática e Informática da saúde da Universidade Técnica da Dinamarca e convidado da conferência inaugural, trouxe o tema ao contar como o destaque da Dinamarca no setor de biotecnologia e farmacêutico foi forjado a partir de uma cultura de investimento empresarial e estímulo à inovação. Só entre 2010 e 2016, o país europeu registrou 5.516 patentes, enquanto o Brasil teve 514 no total, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). “Nós somos número 2, com cerca de mil patentes por milhão de pessoas. Perdemos para a Suíça”, comparou.

Masi refletiu sobre o histórico do país escandinavo, que é menor do que o estado do Rio de Janeiro, no setor, mostrou opções de comercialização e licenciamento a partir de direitos de Propriedade Intelectual (IPR, na sigla em inglês), citou exemplos de organização de sistemas de PI por empresas e ainda revelou que esse investimento retorna para a sociedade na forma de negócios e fomentos para pesquisadores.

FINANCIAMENTO

O especialista destacou que financiamento básico, apoio a startups e colaborações são cruciais para a biotecnologia. Investir em pesquisa científica, de acordo com ele, é obrigatório para as indústrias. Para Masi, não há dicotomia entre a carreira acadêmica e a inserção em indústrias. “É isso que estamos ensinando nas universidades desde o início, que ideias podem ser boas para todos. Trata-se de empreendedorismo como parte da pesquisa acadêmica”, apontou. Juntas, as duas podem acelerar a inovação. Uma das práticas que alimenta essa relação são as university spin-offs, ou empresas-modelo criadas ainda na universidade que se tornam independentes a partir de um modelo de negócio sustentável e financiamento.

Na apresentação, Masi desmitificou a carreira em pesquisa científica que, segundo ele, não se resume à suposta oposição entre papers e negócios, já que ambos precisam um do outro. O pesquisador lembrou que, cada vez mais, etapas da pesquisa se sobrepõem e que o patenteamento já corre paralelamente ao desenvolvimento. A chave, segundo ele, é uma estratégia de comercialização apropriada que pode vir na forma de licenciamentos para firmas já existentes, de inovações com base na patente, da venda de serviços de pesquisa, de transferência de pessoal, entre outras.

Masi sustentou ainda que o retorno para a sociedade se dá pelos negócios e o conhecimento produzidos, além das iniciativas das fundações, que reinvestem parte dos lucros das farmacêuticas em bolsas para pesquisa de ciência básica e outras. Em 2017, só a Novo Nordisk concedeu quase um bilhão de dólares em bolsas e subsídios. Este ano, já foram mais 500 milhões de dólares. A farmacêutica é um dos atores que fazem a diferença no sucesso da Dinamarca na área de PI. A pesquisa desenvolvida lá já gerou milhares de patentes, principalmente nas áreas de farmacologia, biotecnologia e química. Masi destacou ainda o posicionamento da empresa, que considera fatores sociais, ambientais e financeiros ao lidar com IPR.

PI NOS ACORDOS INTERNACIONAIS

Reforçando a importância de um ambiente favorável à inovação e à PI, mas sob a perspectiva internacional, o gerente de Negociações Internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Sardelli Panzini, defendeu a necessidade de o Brasil ampliar sua rede de acordos comerciais internacionais e estar atento a oportunidades que se abrem em relação a PI. Para ele, há espaço para novos acordos que beneficiem empresas brasileiras. “O tema de Propriedade Intelectual (PI) caiu de paraquedas nos últimos anos em uma área que sempre foi ligada à negociação de tarifas de importação e outras regras ligadas a comércio, problemas aduaneiros. Agora, a negociação é de temas de PI. O Brasil precisa se inserir mais na agenda de acordos. Pode ser oportunidade ou custo para o País”, defendeu. Panzini foi o palestrante do painel “A Propriedade Intelectual nos Acordos Internacionais”.

No setor de saúde, há 245 acordos notificados à Organização Mundial de Comércio (OMC). A grande maioria prevê regras para Propriedade Intelectual, sendo que 94 têm previsões relativas ao setor farmacêutico. No entanto, nem sempre a inclusão do tema é positiva para o Brasil. “Depende do conteúdo dos acordos. Um ponto positivo é que a demanda por regras pode levar à abertura comercial em outras áreas. Para países desenvolvidos, a maior proteção das marcas leva a regras mais estáveis e aumento de exportação”, acredita. Na saúde, diferenças socioeconômicas entre os países podem acarretar graves desequilíbrios. Outra consequência danosa é o estabelecimento de preços muito altos, que têm o potencial de prejudicar políticas públicas importantes.

NOVAS NEGOCIAÇÕES

Desde a entrada em vigor do Acordo TRIPs, que incluiu pela primeira vez a Propriedade Intelectual em um tratado multilateral, aumentou a demanda por acordos que melhorem as condições de competição de firmas brasileiras. Isso porque, segundo o especialista em comércio exterior, os pactos assinados até agora só garantem ao Brasil participar de 8% das importações mundiais em condições vantajosas e nenhum desses acordos inclui Propriedade Intelectual. Para avançar, Panzini acredita que a participação empresarial é fundamental.

Em 2018, o Brasil está em meio a negociação com sete parceiros, entre os quais o mais importante é a União Europeia, que conversa com o bloco de países do Mercosul. “A negociação com a UE é a mais desafiadora para o Brasil devido à extensão de patentes para medicamentos, por exemplo”, avaliou o palestrante.

Na visão de Panzini, as negociações de PI podem ser usadas como moeda de troca, principalmente em temas como Indicação Geográfica. Por outro lado, reforça, é preciso ter atenção aos impactos nas políticas públicas de saúde e buscar exceções, principalmente no diálogo com países desenvolvidos, que costumam ser mais restritivos em termos de PI. Os Estados Unidos, segundo ele, costumam ser amplos na definição de regras para PI, mas também são agressivos e contundentes. Já a China não costuma incluir o tema nas negociações. “O interesse em PI não é natural de um país emergente. Em geral, é tema de país desenvolvido”, sintetiza. Panzini acredita que participar em mais negociações de tratados comerciais pode levar o Brasil a modernizar sua legislação sobre PI e acelerar os processos.

PAPEL DAS RELAÇÕES EXTERIORES

Convidado a contribuir para a exposição, Daniel Pinto, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual (DIPI) do Ministério das Relações Exteriores (MRE), explicou o posicionamento brasileiro à mesa de negociações. “Dentro de um acordo, procuramos preservar a flexibilidade sem que prejudique o País. Não acho que seja o melhor caminho modificar toda estrutura de PI por conta de todo acordo comercial”, resumiu.

De acordo com ele, é importante manter a flexibilidade negociada no TRIPs. Como exemplo, ele menciona o debate sobre Indicação Geográfica junto à União Europeia. “Temos tentado oferecer soluções. Não é uma boa prática negociadora ficar só na defensiva. A UE tem preocupações que estão sendo bem equacionadas, mas nós também temos nossos interesses ofensivos. Temos a maior biodiversidade e muito conhecimento tradicional associado. Nosso objetivo é que o sistema de PI não seja usado para apropriação indevida dos recursos da sociedade brasileira, e, para eles, isso tem sido duro aceitar”, relatou.

EVOLUÇÃO DO JUDICIÁRIO

As discussões do IX SIPID incluíram ainda o funcionamento do poder Judiciário brasileiro. O painel “Visão da Propriedade Intelectual em Âmbito Judicial” reuniu juristas representantes das diferentes partes normalmente envolvidas em ações de patente: a Juíza Federal Titular da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Marcia Maria Nunes de Barros, o jurista e consultor jurídico da ABIFINA, Pedro Marcos Barbosa, e o procurador-chefe do INPI, Loris Baena Cunha Neto. No debate, foram destacados aspectos em que o sistema judiciário evoluiu nos últimos anos em relação à propriedade intelectual, e obstáculos que ainda precisam ser superados.

A juíza Marcia Maria Nunes de Barros fez um retrato da 2ª região da Justiça Federal, que abrange Rio de Janeiro e Espírito Santo e onde se concentram as varas especializadas em propriedade intelectual. Mostrando otimismo, ela apontou avanços nos julgamentos de ações de patente e lembrou a dificuldade provocada pela inexistência de magistrados especializados em PI, como há em outros países. Por outro lado, o recurso a peritos judiciais especializados tem trazido resultados positivos ao examinar as ações de forma técnica e dar suporte à análise e decisão do juiz.

A magistrada indicou, entretanto, que ainda há confusão em relação à função desse especialista. “É muito difícil para alguns compreender como o juiz pode ir contra aquilo que o perito, que tem capacidade técnica, defende. Mas a função do perito é oferecer conhecimentos técnicos. A função do juiz é considerar os elementos técnicos e todas as provas do processo para proferir a decisão cabível. Não há problema discordar do perito, desde que o faça com fundamentação”, explicou.

Outro aspecto importante, segundo Barros, é o conceito técnico de obviedade, que serve para evitar subjetividade na análise de atividade inventiva a partir de critérios claros. “A atividade inventiva não é critério subjetivo que possa ficar submetido à descrição do examinador, do perito ou do juiz. Tenho que explicar motivadamente porque estou chegando àquele resultado. Tem que ser uma decisão completamente objetiva”, destacou.

Até 2015, a análise de processos de patentes no Brasil não possuía parâmetros bem definidos para o teste de obviedade, como já é prática nos EUA e União Europeia. Foi só a partir de uma iniciativa da própria juíza, naquele ano, que se propôs uma sistematização do teste de obviedade, chamado Teste de Motivação Criativa (TMC). O TMC consiste em uma sequência de critérios objetivos a serem cumpridos para se determinar a presença ou não de atividade inventiva. Segundo a magistrada, o TMC tem sido bem aceito pelos tribunais.

O advogado Pedro Barbosa falou a seguir e reconheceu a importância e qualidade do trabalho dos peritos. Para ele, apesar da dificuldade inicial na definição dos profissionais, o trabalho desses especialistas nas varas especializadas vem se consolidando de forma positiva. “Hoje temos uma história feliz, pelo menos no Rio de Janeiro, tanto que há ações que são movidas fora do estado para fugir dos peritos”, disse.

Ele comemorou também o novo entendimento do STJ a respeito das tutelas de emergência, as chamadas liminares, referentes a PI. Até pouco tempo, a jurisprudência indicava a necessidade de esperar pelo laudo da perícia mesmo quando o INPI considerasse ter havido erro na concessão de uma patente. Recentemente, foi publicada portaria das quatro varas especializadas em PI no Rio que reconhece a validade do posicionamento do INPI em juízo, quando esse se manifestar em favor da nulidade de uma patente, mesmo que, em ato administrativo, a autarquia tenha concedido o direito ao registro da invenção. “Esse posicionamento me parece muito bom, não só para evitar que o INPI seja obrigado a pagar custo e honorários, mas também para dar mais segurança jurídica em prol da competitividade”, defendeu.

O procurador-chefe do INPI, Loris Baena Cunha Neto, apresentou a perspectiva do escritório de patentes. Baena celebrou o que julga ser um ano de saldo positivo para a autarquia. “O ano de 2018 foi excelente principalmente pela edição da portaria n° JFRJ-POR-2018/00110, de 24 de abril de 2018, que resolveu um problema enorme do INPI, que era citado para contestar as ações concomitantemente ou antes da citação do co-réu”, comemorou. Antes, o escritório era intimado no início da ação, sem conhecer os argumentos do autor e, portanto, impossibilitado de fundamentar sua manifestação técnica. Agora, o INPI só é citado após a juntada da contestação do autor.

Baena celebrou também a redução do número de mandados de segurança causados pelo backlog devido ao aumento de produtividade dos exames de patentes. Ele explicou que, apesar do aumento do número de ações que citam a autarquia decorrente da produtividade, a taxa de judicialização dos processos não cresceu. Entretanto, o procurador fez um apelo para que não se mude o quadro reivindicatório de uma patente em uma ação judicial. “Isso gera um problema, porque viola a legislação. No futuro, a gente pode caminhar para a não admissão de quadro reivindicatório que não tenha sido examinado na esfera administrativa”, argumentou.

ASPECTOS TÉCNICOS DA PI

O público do SIPID também pôde discutir e conhecer os aspectos técnicos relativos às diretrizes e requisitos de patenteabilidade no âmbito do INPI sob duas perspectivas distintas. A coordenadora de Patentes de Biotecnologia do INPI, Claudia Magioli, e a diretora de Patentes da INPI, Liane Lage, apresentaram pontos específicos de suas áreas no painel “A Propriedade Intelectual do Ponto de Vista Técnico”.

Sob a perspectiva da biotecnologia, Magioli abordou as especificidades das patentes no setor, a importância das diretrizes e suas atualizações e a Lei de Acesso ao Patrimônio Genético. Diferente de outras áreas, nas quais os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial se aplicam de maneira homogênea, a área de biotecnologia no Brasil apresenta aspectos próprios, além de ser mais restritiva em relação a outros países. “Quando olhamos para a área de biotecnologia, mudamos o foco da análise. O olhar da aplicação industrial é diferenciado, assim como é sutil a diferença entre uma invenção e uma descoberta. Em alguns países, partes de seres vivos, desde que isolados da natureza, podem ser protegidas. No Brasil, não”, explicou.

Magioli também destacou a necessidade de atualizar constantemente a diretriz de biotecnologia do INPI. A primeira diretriz, de 2002, era simples, subjetiva e abrangia tanto a área de biotecnologia quanto a farmacêutica. “Em 2015 conseguimos criar uma diretriz didática, que tinha como principal objetivo harmonizar a área interna”, lembrou. Três anos após ser publicada, ela está sendo revista, e a versão atualizada deve entrar em consulta pública até o fim do ano.

O Brasil também precisa aderir ao Tratado de Budapeste, segundo a especialista, o que permitirá instituir uma Autoridade Depositária Internacional (IDA), que são centros creditados para depósito de material biológico para fins de patente. “Temos estruturas para isso. Atualmente há institutos creditados pelo Inmetro. Assim que conseguirmos alcançar esse objetivo, seremos capazes de conquistar mercados externos”, previu. Atualmente, apenas o Chile possui uma IDA na América Latina.

Já a diretora de Patentes da INPI, Liane Lage, abordou a importância da criação de diretrizes pelo INPI, para tornar a relação com a sociedade civil mais transparente e facilitar a compreensão da norma. “Além das diretrizes de exames gerais, temos diretrizes de invenções e nas áreas de biotecnologia, química e modelo de utilidade que permitiram um avanço muito grande em termos de harmonização interna. Há facilidade para a Justiça para entender o que nós fazemos. Nenhuma diretriz do INPI foi impugnada”, defendeu. Entretanto, Lage reconheceu que ainda há que se evoluir na transparência, por meio de criação de atas e normas referentes a reuniões com atores do segundo e terceiro setores, nos moldes de outros países. Em sua opinião, isso poderia contribuir para a redução de algumas controvérsias.

CONTROVÉRSIA

Lage lembrou que o INPI, por representar a interface entre Estado e mercado, está sujeito a diversas pressões, principalmente quando analisa pedidos de patentes considerados controversos. Um exemplo foi a recente concessão de patente da molécula do medicamento Sofosbuvir, o tratamento mais eficaz contra a Hepatite C. A patente do fármaco vinha sendo questionada em diversos âmbitos, inclusive na Justiça, mesmo antes da aprovação, devido ao seu alto custo. “Esse pedido de patente está deferido. Esse caso foi um indicativo da interação entre os três setores [Estado, mercado e terceiro setor] e o INPI. Em diversas situações, o INPI é colocado entre dois polos, o sagrado (o amor à vida) e o profano (lucro abusivo). O preço não é um requisito de patenteabilidade. O INPI não pode ser responsabilizado pelo custo de um medicamento”, frisou.

O caso deu espaço para o questionamento de práticas inadequadas em relação à atuação da autarquia. “Houve uma tentativa de induzir o Judiciário, [alegando] que o INPI estaria usando um procedimento de análise inadequado. Recebemos, pela primeira vez na história do INPI, uma ação judicial após o primeiro exame técnico. Isso traz uma turbulência desnecessária ao processo e um gasto de energia para explicar o óbvio, que está claro nos procedimentos que são públicos”, afirmou, de forma contundente.

INOVAÇÃO À BRASILEIRA

O último painel do dia, “A Propriedade Intelectual como Ferramenta para Geração de Inovação”, foi dedicado a casos de sucesso de inovação na indústria nacional de fármacos. A mesa retomou, em parte, a discussão proposta por Federico De Masi na conferência inaugural, sobre a importância do investimento privado em pesquisa e inovação. O diretor de biotecnologia do laboratório Cristália, Marcos Alegria, e o diretor do Núcleo de Inovação Radical do Aché, Cristiano Guimarães, revelaram detalhes das estratégias de inovação de cada uma das empresas e os resultados alcançados.

Guimarães, do Aché, abriu a discussão, defendendo a importância de ter a inovação como pilar estratégico da empresa. O Aché investe tanto em inovação radical quanto incremental, refletindo uma preocupação com o futuro dos negócios. “A gente quer se internacionalizar mais, não por aquisição de fábricas ou abertura de escritórios, mas por meio da inovação, licenciamento ou inovação em cooperação”, contou. Para isso, é importante investir em um time de profissionais qualificados, pois, segundo o dirigente, o encontro das expertises em pesquisa e em produção fabril é fundamental na inovação.

Entre os projetos de inovação do Aché, Guimarães destacou a inauguração, em 2015, do Laboratório de Design e Síntese Molecular, atuando no âmbito da inovação radical para acelerar a pesquisa de ativos sintéticos. Outra frente é a inovação aberta, em parceria com centros de pesquisa no mundo para o estudo de quinases, que são enzimas relacionadas ao câncer. Na etapa inicial, as pesquisas são desenvolvidas sem proteção de propriedade intelectual. Ao identificar o potencial terapêutico de um alvo biológico, a pesquisa se torna fechada e apenas a empresa pode seguir no projeto. Guimarães reforçou a importância da inovação incremental, que é a aplicação de tecnologia a ativos já existentes no desenvolvimento de produtos voltados a necessidades médica ainda não atendidas. “O Aché lança cerca de 30 produtos por ano. Nem todos são inovadores, mas é a maquina de hoje se adaptando ao futuro”, revelou.

No caso do Cristália, Marcos Alegria relatou a experiência do grupo na descoberta de um microrganismo da biodiversidade brasileira capaz de produzir a colagenase, enzima utilizada na fabricação de produtos destinados ao tratamento de queimaduras e feridas. A escassez no fornecimento da substância levou a empresa a produzir o IFA internamente. O sucesso da experiência foi tão grande que o Cristália decidiu investir em um projeto de bioprospecção, em que busca moléculas para a produção de antibióticos. “O desenvolvimento de novos antibióticos é prioridade crítica no mundo. Se olharmos o número de antibióticos aprovados ao longo das décadas, nos anos 2000 foram aprovados menos antibióticos que nos anos 1940”, advertiu.

Também participaram da discussão o chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde (Deciss) do BNDES, João Paulo Pieroni, e o superintendente de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Rodrigo Secioso, que trouxeram a visão de quem financia projetos de inovação. Convidados a comentar os casos apresentados, ambos destacaram a importância de um ambiente propício para que a inovação aconteça. “Nenhuma grande empresa internacional faz inovação sozinha. A gente precisa do ambiente acadêmico mais envolvido e precisa destacar o papel das pequenas empresas no Brasil”, defendeu Pieroni. Para Secioso, o sucesso das duas experiências reside na criação de uma organização para a inovação. “Ambas as empresas percebem o valor de internalizar conhecimentos, de fazer P&D de forma endógena”, afirmou.

O IX SIPID é uma realização da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA), com patrocínio master do BNDES, patrocínio de Blanver, Centroflora, Cristália, EMS, FarmaBrasil, Ourofino e PróGenéricos, e o apoio da Firjan e da OMPI.

MANUAL DE ACESSO DA ABIFINA GANHA VERSÃO EM INGLÊS

Durante o IX SIPID, foi lançada a versão em inglês do Manual de Acesso ao Patrimônio Genético Brasileiro e ao Conhecimento Tradicional Associado, cuja edição em português foi divulgada ano passado. A publicação da ABIFINA tem autoria da consultora Ana Claudia Oliveira e apoio da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Espera-se que o Manual possa incentivar o debate sobre patrimônio genético e conhecimento tradicional em outros países.

A autora esclareceu que a versão traduzida visa eliminar a insegurança jurídica que poderia ser provocada pelo mau entendimento da edição original. “É importante que entidades internacionais saibam ler e interpretar essa lei”, comentou a especialista em Inovação e Propriedade Intelectual da entidade.

No lançamento, a conselheira do escritório da OMPI, Isabella Pimentel, apresentou o trabalho da entidade internacional no âmbito de Recursos Genéticos e Conhecimentos Tradicionais Associados. Sobre o manual, Pimentel, que apoiou sua produção, contou que acredita que ele servirá para tornar acessível a leitura da legislação brasileira. “O manual em português já tinha facilitado. Agora melhorou mais em inglês. Esperamos que ele beneficie o público brasileiro”, disse.

Daniel Pinto, chefe da Divisão de Propriedade Intelectual (DIPI), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), elogiou a publicação. Segundo ele, o livro mostra que há regras claras para lidar com recursos genéticos e patrimônio. Ele anunciou ainda que levará o manual para a próxima reunião do comitê do setor na OMPI para tentar convencer outros países sobre o equilíbrio necessário e possível entre os interesses das indústrias e a proteção aos saberes tradicionais. “O Brasil é o país com maior biodiversidade do mundo, tem populações milenares que desenvolveram seus conhecimentos tradicionais associados a patrimônios e recursos genético”, afirmou.

3º PRÊMIO DENIS BARBOSA DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL

A terceira edição do Prêmio Denis Barbosa de Propriedade Intelectual foi entregue durante o IX SIPID. Este ano foram homenageados o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pela publicação de portaria conjunta que estabeleceu os papéis de cada autarquia na análise de patentes de medicamentos. A ação deu fim a anos de indefinição e incertezas. O prêmio foi entregue pelo vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA, Nelson Brasil de Oliveira, ao presidente do INPI, Luiz Otavio Pimentel, e à coordenadora de Propriedade Intelectual da Anvisa, Monica Fontes Caetano.

“O prêmio só veio confirmar o trabalho feito entre o presidente da Anvisa e o presidente do INPI, que celebraram esse acordo capaz de acelerar o processo de análise das patentes farmacêuticas. O que se busca sempre é a transparência e a celeridade do processo, sem nunca deixar de lado a defesa do interesse público”, afirmou Caetano. O presidente do INPI também comemorou a homenagem. Já Nelson Brasil celebrou a realização de mais uma edição do prêmio. Para o vice-presidente da ABIFINA, o esforço conjunto do INPI e da Anvisa foi importante para a inovação tecnológica e industrial na área farmacêutica nacional.

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