REVISTA FACTO
...
Jul-Ago 2018 • ANO XII • ISSN 2623-1177
2023
73 72 71
2022
70 69 68
2021
67 66 65
2020
64 63 62
2019
61 60 59
2018
58 57 56 55
2017
54 53 52 51
2016
50 49 48 47
2015
46 45 44 43
2014
42 41 40 39
2013
38 37 36 35
2012
34 33 32
2011
31 30 29 28
2010
27 26 25 24 23
2009
22 21 20 19 18 17
2008
16 15 14 13 12 11
2007
10 9 8 7 6 5
2006
4 3 2 1 217 216 215 214
2005
213 212 211
//Matéria Política

O retorno do neoliberalismo e seu impacto na economia

A dotado pelos programas de governo de vários candidatos às eleições presidenciais deste ano e apoiado enfaticamente pela grande mídia, o receituário neoliberal ganha contornos de discurso hegemônico na discussão sobre a crise que debilita a economia brasileira. Entre suas prescrições, constam o afastamento completo do Estado no funcionamento do mercado, a aceleração do programa de privatização de estatais, a ampla liberalização do comércio exterior e a exposição da indústria doméstica à concorrência internacional sem nenhum tipo de proteção, como se tais medidas resolvessem o problema fiscal que atravessamos. Quanto aos recursos financeiros necessários para recolocar o País na rota do desenvolvimento econômico e social, reza a cartilha neoliberal que tal conjunto de diretrizes vai, por si só, atrair investimentos externos em volume suficiente. Nesta reportagem, FACTO busca amplificar as vozes que refutam ou, no mínimo, problematizam essa visão simplista da conjuntura político-econômica, buscando contribuir para o aprofundamento do debate.

ISONOMIA: UM IMPERATIVO PARA O LIVRE MERCADO

Segundo o professor Antonio Corrêa de Lacerda, diretor da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP, o argumento de que a economia brasileira é mais fechada do que deveria não resiste a uma verificação dos números. “O saldo comercial de produtos manufaturados, por exemplo, que apresentava relativo equilíbrio até 2006, passou gradativamente a ser deficitário, tendo atingido no ápice, em 2014, US$ 110 bilhões. Diante deste dado, como sustentar que nossa economia seja fechada?”

Um programa sério de abertura da economia que leve em conta o interesse nacional deveria conter, de acordo com Lacerda, os seguintes requisitos: “condições macroeconômicas que favoreçam o desenvolvimento (câmbio, juros e política fiscal alinhados com o padrão internacional); redução da burocracia, correção de distorções tributárias e melhoria da infraestrutura e logística; políticas de competitividade nas áreas industrial, comercial e de ciência, tecnologia e inovação; e abertura de setores da economia brasileira mediante acesso aos mercados internacionais”.

Uma vez ajustadas as condições sistêmicas seria possível rever a estrutura das alíquotas de importação, afirma Lacerda, “porém sem generalizações. É preciso começar com a desoneração dos insumos, de forma a melhorar a competitividade da indústria de transformação, ao contrário de estimular a concorrência via rebaixamento das tarifas de importação dos produtos finais. Aqui não se trata de ‘reinventar a roda’, e sim de adotar práticas internacionais bem-sucedidas. Para isso, precisamos nos livrar de dogmas e sair do conforto da repetição de mantras que só tendem a criar falsas expectativas e nos desviar do debate em torno daquilo que é essencial”.

A importância de uma base macroeconômica favorável também é salientada pelo professor Delfim Neto. “Não há a menor dúvida de que mais comércio é melhor do que menos comércio. A briga não é por aí, mas sim pelo processo no qual se produz a abertura comercial. Na nossa sociedade moderna, essa abertura tem que ser processada dando condições isonômicas para a economia interna em relação à externa, de forma que a competição seja justa. E isso implica nas seguintes condições: que a carga tributária e a taxa de juros sejam mais ou menos equivalentes, e que a taxa de câmbio esteja realmente em equilíbrio. E só temos a taxa de câmbio de equilíbrio quando a taxa de juros interna real é igual à taxa de juros externa real mais o risco Brasil”. Segundo Delfim, hoje a taxa de câmbio está muito mais próxima do ponto de equilíbrio, “pois, de fato, a taxa de juros interna caiu, e essa é uma condição fundamental para termos câmbio livre. Sem ela, a taxa de câmbio deixa de ser um preço relativo que iguala o valor do fluxo de exportação ao de importação e passa a ser um ativo financeiro que depende da taxa de juros, perdendo a conexão com a produção real”.

A isonomia competitiva é indispensável num ambiente de livre mercado, afirma o professor. “Um país não pode produzir tudo. Ele vai produzir aquilo para o que tem maior propensão, e é preciso lembrar que vantagem comparativa não é destino. O que existe são vantagens comparativas construídas, principalmente quando o país tem uma estrutura de consumo interno muito poderosa, como no caso brasileiro. Temos 207 milhões de habitantes, ou seja, temos mercado interno em escala para qualquer setor. A isonomia competitiva pode conduzir o País a um grande aumento de produtividade”.

Nessa mesma linha de raciocínio, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade de Campinas (Unicamp), recomenda uma revisão da experiência brasileira recente em política econômica. “O erro crasso cometido pelo Brasil durante a década de 1990 foi acreditar que uma abertura comercial iria estimular suas empresas a ganharem competitividade e produtividade. Houve uma confusão entre esses conceitos. Construiu-se uma narrativa primária, com desconhecimento total das condições concretas de funcionamento da economia internacional. O resultado é que somos os grandes perdedores. O Brasil, que foi o país mais industrializado entre as economias emergentes até 1980, se transformou no grande perdedor dos anos 1990 para cá”.

“Estamos presenciando movimentos inversos aos da liberalização econômica, visando sustentabilidade da produção local em países e regiões liberais no passado”

Sérgio Frangioni

Entre os executivos da indústria não parece haver consenso quanto ao grau adequado de abertura comercial. Dante Alario, presidente técnico-científico da Biolab Farmacêutica, propõe a busca de um caminho do meio. “Por sermos o setor industrial mais controlado do mercado brasileiro, qualquer movimento liberalizante, por menor que seja, será muito bem visto pela indústria farmacêutica. Não proponho a total liberdade de mercado, até porque isso não existe em lugar algum. Há um meio termo entre os extremos da liberdade total e do controle total que, sem dúvida, seria benéfico para o setor farmacêutico nacional. Na verdade, temos que abandonar definições que nos engessam nas tomadas de posição e entrar no século 21 praticando a flexibilização nos mais variados sentidos. Hoje, com as transformações acontecendo numa velocidade nunca antes vista, a flexibilidade é fundamental para que nos adaptemos a elas”.

Já o diretor-presidente da Blanver, Sérgio Frangioni, demonstra certa preocupação com os efeitos de uma maior abertura no presente contexto de escalada do protecionismo no mundo. “Existem tantos desafios para a próxima administração que, caso a pretensão seja empreender ações de curto prazo, é possível que ocorra um comprometimento de diversos segmentos da economia. Atualmente, estamos presenciando movimentos inversos aos da liberalização econômica, visando sustentabilidade da produção local em países e regiões que se demonstraram liberais no passado, como nos Estados Unidos e na Europa. Será que não podemos aproveitar esta experiência?”

Na opinião do pesquisador David Kupfer, coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade do Instituto de Economia da UFRJ, o cenário mundial recomenda cautela no posicionamento do Brasil. “Nosso País perdeu voz e protagonismo no cenário internacional, em função da fragilização política provocada pelo impeachment da presidente Dilma e pela baixíssima popularidade e questionável legitimidade do seu sucessor, que não conseguiu dar sustentação a diversas iniciativas diplomáticas brasileiras de forma adequada. Estamos no fundo do poço em termos de prestígio brasileiro no cenário internacional. Não é o momento de implementar uma mudança abrupta no modelo de inserção da nossa economia, nem para concretizar um projeto de ultraliberalização nem para acirrar o protecionismo”.

A delicada situação do Brasil requer, segundo o pesquisador, “habilidade diplomática para nos mantermos numa situação de não-alinhamento, como foi no período de hegemonia norte-americana inquestionável, em que participávamos com papel importante em acordos de cooperação comercial e tecnológica com diversos países. O Brasil nunca se contentou em permanecer estritamente na órbita de uma potência hegemônica. Entendo que estamos numa situação difícil por causa da nossa dependência da China como mercado externo, que hoje é muito grande. O Brasil praticamente só exporta matérias-primas e a China é o grande importador de nossos produtos – e vai continuar sendo, ao menos no médio prazo. Não podemos pender totalmente nem para o lado norte-americano nem para o lado chinês. Não é hora de fazer grandes experiências. É hora de cautela, e principalmente de muita prudência na condução dos negócios”.

O PAPEL ESTRATÉGICO DO ESTADO

A experiência mundial das últimas quatro décadas mostra que um Estado robusto é indispensável para prover o necessário equilíbrio entre os agentes econômicos. “Não existe mercado sem Estado”, sublinha David Kupfer, lembrando que o mercado não é muito eficiente em decisões que envolvam o longo prazo. “Nos países capitalistas, tampouco existe Estado sem mercado, porque o processo de alocação é amplamente conduzido pelo sistema de mercado. Não se trata, portanto, de escolher entre mais Estado ou mais mercado. Não é a dose de cada um que vai fazer a economia brasileira funcionar. O que temos que pensar é como fazer Estado e mercado convergirem para a construção de projetos que sejam portadores de desenvolvimento e de bem-estar social”.

“Há uma espécie de veto à ideia de um projeto nacional que rearticule a capacidade de crescimento da nossa economia”

Luiz Gonzaga Belluzzo

Delfim Neto define o papel do Estado, fundamentalmente, como o de um administrador das contradições inerentes à relação entre propriedade privada e interesse público. “O mercado não se sustenta sem um Estado forte, capaz de controlá-lo. Isto porque o mercado exige, para manter sua funcionalidade, a propriedade privada, que não é um direito natural, é uma invenção do homem para que o mercado seja eficiente. E quando se estabelece a propriedade privada criam-se condições para a acumulação de renda. Ou seja, ao mesmo tempo em que a propriedade privada torna o mercado eficiente, ela cria condições para uma acumulação ineficiente. Por isso, o Estado tem que ser capaz não só de manter as condições de competitividade exigidas pela propriedade privada, mas também de mitigar os efeitos da acumulação produzida pela propriedade privada”.

Se, por um lado, “sem Estado não há desenvolvimento”, como assinala Delfim, por outro lado, a irresponsabilidade fiscal pode anular a capacidade do Estado para agir em benefício da economia. “O grande drama do Brasil, que ninguém quer enfrentar, é que nos últimos vinte anos as despesas primárias, fora os juros, cresceram 5% ao ano e o PIB cresceu 2,5%. Não cabe no PIB. Essas coisas têm que ser revistas. Pelo desastre que aconteceu a partir de 2012, tivemos uma queda de 9% no PIB, agravou-se dramaticamente o problema, e agora é preciso resolver isso”.

Luiz Belluzzo observa que, para além da questão da responsabilidade fiscal, no Brasil o Estado tem sofrido constantes ataques quando demonstra propensão para adotar projetos de desenvolvimento nacional. “Há uma espécie de veto à ideia de um projeto nacional que rearticule a capacidade de crescimento da nossa economia. Até os anos 1980, crescemos com determinada articulação entre empresas públicas, empresas privadas e sistema bancário híbrido, com bancos públicos e privados. Depois, não só desmontamos tudo isso como passamos a acreditar que não é relevante”.

Quanto à tese neoliberal da irrelevância da presença do Estado na economia, Belluzzo assinala: “É ilusão acreditar que, no mundo, temos mercado competitivo. Na verdade, o que há é uma articulação entre os estados nacionais e o impulso competitivo das suas empresas, como nos casos norte-americano, chinês e coreano, em que muitas empresas se internacionalizaram. Não há nenhuma possibilidade de o mercado funcionar sem o Estado, isso não existe. Tomando como exemplo os Estados Unidos, o Vale do Silício não existiria sem o gasto militar do governo. É o grosso desse gasto em ciência e tecnologia que faz com que a economia norte-americana tenha vantagens no sistema de inovação. Nós, no Brasil, não temos nada a não ser a Petrobras e talvez algumas empreiteiras que estavam se internacionalizando, mas isso já retrocedeu. Não se trata de conceber uma conspiração, e sim de compreender um processo social e econômico”.

Corrêa de Lacerda também critica os ataques ideológicos lançados no Brasil contra a figura do Estado. “A tentativa de desqualificação do Estado e a onda privatista são recorrentes no debate econômico. Recentemente, uma grande consultoria internacional divulgou estudo apontando potencial de arrecadação de R$ 500 bilhões com a privatização de 168 empresas estatais brasileiras. No entanto, embora seja tentador vender patrimônio em busca de receita fiscal, isso nem sempre significa uma solução, nem para a competividade sistêmica nem para o problema do déficit fiscal. A argumentação pró-privatização também costuma incluir o tema do combate à corrupção. Parte-se do pressuposto equivocado de que corrupção é um atributo restrito às empresas estatais, o que obviamente não se sustenta, até porque a corrupção tem dois lados: o do corrupto e o do corruptor”.

A desregulamentação da economia defendida pelos adeptos do Estado mínimo também não resolve o problema. Segundo Lacerda, “sem um aparato regulatório expressivo não há saída para a economia. O Estado pode eventualmente se eximir de algumas atividades operacionais, mas há funções como a definição de regras de atuação e a fiscalização que são exclusivas do poder concedente, ou seja, do Estado. Nossa experiência pregressa já acumula grandes equívocos neste ponto, como na área da energia. Deveríamos ter aprendido com os erros passados”.

A indústria nacional de química fina, que já sofreu os efeitos de políticas governamentais desde a mais liberal até a mais intervencionista, tende a postular uma linha de equilíbrio. “Por que, quando se fala em apoio à iniciativa pública, automaticamente assumimos que deveria existir paternalismo por parte do Estado? Talvez algumas experiências do passado tenham relação com este gosto amargo em nossos pensamentos”, provoca Sérgio Frangioni. Numa perspectiva mais pragmática, Dante Alario afirma que “o Estado não deveria ser afastado completamente do setor farmacêutico, nem tampouco do mercado nacional. Basta que ele não seja impositivo em suas políticas e faça aquilo que os países mais desenvolvidos praticam com grande desenvoltura: análise de impacto antes das tomadas de decisão”.

INDÚSTRIA: A ALAVANCA DO DESENVOLVIMENTO

Um dos principais argumentos dos pregadores da cartilha neoliberal é o de que a indústria perdeu relevância e, na economia dita pós-industrial, estaria sendo suplantada pelos serviços na composição do PIB. Isto realmente ocorre em uns poucos países tecnologicamente avançados, que faturam bilhões com royalties e contratos de transferência de tecnologia, mas a lógica se inverte radicalmente no caso dos países periféricos. “O setor industrial é imprescindível para o desenvolvimento”, acentua Côrrea de Lacerda. “Historicamente não se conhece precedente de país do porte do Brasil que tenha se desenvolvido sem um papel relevante da indústria, pois é o setor que mais agrega valor à economia”.

Delfim Neto lembra que, nos anos 1980, o Brasil teve a indústria mais sofisticada do mundo emergente. “E não sou eu quem diz, mas os relatórios do Banco Mundial. Naquele período, a participação do setor industrial na exportação crescia 15% ao ano. Isso foi destruído basicamente quando se começou a usar o câmbio para combater a inflação. A partir do Plano Cruzado, toda vez que o Ministro da Fazenda queria controlar a inflação, ele controlava o câmbio. E controlando o câmbio, que já era valorizado por conta da atividade agrícola, criou-se uma circunstância perniciosa para o sistema industrial, que nos reduziu ao que somos hoje”.

“O Brasil ainda precisa de indústria porque ela é uma fonte de dinamismo econômico, gera bons empregos e paga bons salários de modo geral, e também porque é um vetor de progresso técnico, de introdução de inovações e novas tecnologias”

David Kupfer

A evolução da economia para uma fase pós-industrial é algo que, na percepção de David Kupfer, já se verifica em alguns países e deve ser levado em conta. “Mas eu não acredito que o Brasil esteja nesse estágio. Pensando em ciclos muito longos, nós ainda precisamos avançar dentro de uma fase de industrialização convencional. O Brasil ainda precisa de indústria porque ela é uma fonte de dinamismo econômico, gera bons empregos e paga bons salários de modo geral, e também porque ela é um vetor de progresso técnico, de introdução de inovações e novas tecnologias. Portanto, ela é um vetor de aumento da produtividade, embora isso não venha ocorrendo no Brasil por conta de outras distorções”.

Kupfer propõe que o paradigma digital da chamada indústria 4.0 passe a motivar, de modo geral, “os projetos que precisam ser estruturados e adequadamente financiados para colocarmos novamente o sistema industrial brasileiro em movimento. Isso demanda um diagnóstico das nossas potencialidades e, principalmente, políticas públicas muito potentes, capazes de permitir a passagem do Brasil, pulando etapas, a um patamar mínimo de capacitação para essas novas formas de produzir. Mesmo que tudo começasse a conspirar a nosso favor, a indústria brasileira levaria um bom tempo para tornar-se forte novamente, mas ao menos ela entraria num ritmo de progresso que é indispensável para criar musculatura e pegar o bonde andando”.

O fenômeno real da indústria 4.0, quando analisado à luz da hipótese da pós-indústria, tem gerado muita confusão. Segundo Luiz Belluzzo, “há uma suposição, sustentada por vários economistas brasileiros com espaço na mídia, de que a indústria não é importante. Isso reflete uma visão tosca. A indústria não é um conjunto de fábricas, é uma forma de produzir. É um sistema de produção que envolve uso de energia, incorporação à maquinaria de métodos cada vez mais automatizados, integrados e coordenados pela inovação e pela inteligência humana. A indústria 4.0 tem implicações muito sérias, porque o planejamento da introdução desse método tem que ser acompanhado de uma ampliação do sistema de proteção social, tendo em vista o risco de destruição de empregos. Mas não há como escapar: ou nos transformamos num país urbanizado atrasado, com problemas sérios de geração de renda e emprego, ou cuidamos de nos aproximar desse padrão. O argumento de que os serviços estão ocupando o espaço da indústria, com 30% da economia, é incorreto. Quais são esses serviços, afinal? Eles estão sendo mecanizados, ocupados pelos sistemas de tecnologia de informação. Estão sendo industrializados, assim como a agricultura está sendo industrializada. Vivemos, na verdade, um fenômeno de hiperindustrialização”.

Para Belluzzo, um grande desafio do Brasil será conjugar o esforço de aproximação à indústria 4.0 com a recuperação dos setores de bens de capital e bens de produção, “que sofrem um atraso relativo muito grande. Por exemplo, a indústria eletroeletrônica brasileira foi totalmente substituída por importações. A Zona Franca de Manaus, ao contrário das zonas francas chinesas, que são exportadoras, tornou-se importadora e sua atividade produtiva se limita à montagem. O setor de telecomunicações, que é importantíssimo por suas ramificações dentro da economia, teve destruída toda sua indústria de equipamentos. Havia uma articulação entre o Centro de Pesquisa da Telebrás e os interesses das empresas de bens de capital de telecomunicações que direcionava as pesquisas para criar um sistema mais adequado ao Brasil nesse setor. Isso acabou”.

O programa brasileiro de investimento em infraestrutura também precisa ser atrelado à indústria de bens de capital, afirma Belluzzo. “O Brasil deve seguir, por exemplo, a estratégia adotada pela China na área da energia solar, que direcionou incentivos do Estado para fabricantes domésticos de placas solares. A indústria chinesa cresceu a partir da demanda interna e da exportação. Essas articulações estratégicas é que são importantes, pois englobam o setor e o seu poder de difusão, de impulso na economia”.

Numa avaliação de quais setores seriam estratégicos para impulsionar a retomada do desenvolvimento brasileiro, Dante Alario reivindica atenção especial à indústria farmacêutica, “uma excelente acolhedora de profissionais qualificados. Todos entendem ser importante exportar e a atual indústria farmacêutica nacional está adentrando fortemente no comércio externo com suas inovações, gerando mais divisas para o Brasil. É um dos setores que mais investem em inovação e nas cadeias em torno dela”. Sérgio Frangioni acrescenta que o segmento farmacêutico oferece uma grande oportunidade para o reequilíbrio da economia, “pois a dependência externa é elevadíssima. Penso que a saúde da população brasileira deve ser tratada de forma estratégica, e a produção de medicamentos e seus insumos é um pilar extremamente importante nesta área. Para a produção de insumos farmacêuticos, por exemplo, serão necessários grandes investimentos em tecnologia, num primeiro momento, e logo em seguida na produção”.

INVESTIMENTO EXTERNO: VERDADES E MITOS

A correlação entre abertura comercial e atração de investimentos externos, apresentada pela propaganda neoliberal como uma verdade matemática e uma solução infalível para o problema da escassez de recursos, não resiste a uma análise econômica aprofundada. Existem vantagens e desvantagens nessa aposta. O professor Delfim Neto pondera que “o investimento financiado externamente vai acumulando uma responsabilidade no balanço de contas correntes. Se vier um grande financiamento externo, é preciso haver em contrapartida uma grande participação do setor nas exportações, pois ninguém vem aplicar aqui por causa dos belos olhos dos brasileiros. Empresas aplicam tendo em vista uma boa taxa de retorno. Por isso, quando boa parte do investimento estrangeiro se dirige, por exemplo, para setores da geração de energia que não produzem exportação, é preciso que outros setores produzam exportação, caso contrário se estará provocando um estrangulamento nas contas”

Além disso, explica Delfim, “é preciso distinguir os investimentos. É ilusório imaginar que toda entrada de capital seja investimento. Podemos chamar de investimento real a construção de coisas físicas, que comportam um fator multiplicador. Quando se compra uma distribuidora de energia elétrica, o investimento ainda não existe, é simplesmente uma troca de propriedade. Pode-se até melhorar a produtividade, mas não se produz o efeito multiplicador do investimento”.

O que fazer para atrair investimentos externos não é um problema tão urgente quanto o de restaurar a competitividade da indústria nacional, na opinião de Delfim. “A indústria não precisa de nada além de isonomia competitiva. Hoje a indústria brasileira tem maior carga tributária, maior taxa de juros, e só agora conta com uma taxa de câmbio relativamente competitiva. Continua sem condições competitivas. A indústria não precisa de um exagero protecionista, mas sim de um sistema de tarifas efetivas adequado, mais um câmbio flutuante – desde que a taxa de juros interna seja igual à taxa de juros externa somada ao risco Brasil. Se não forem estas as condições, é uma falácia dizer que a taxa de câmbio flutuante favorece o interesse nacional. Quando há um movimento de capitais produzido por diferencial de juros, a taxa de câmbio nada mais tem a ver com a economia real. Ela se torna um ativo financeiro, sujeito à especulação como todos os ativos financeiros”.

O caráter determinante do ambiente macroeconômico também é realçado por Luiz Belluzzo. “O desenvolvimento brasileiro sempre combinou, em suas várias etapas, investimento externo com investimento nacional. Essa combinação depende muito da expectativa dos investidores externos a respeito do desenvolvimento da economia. O Brasil já foi o país que recebeu mais investimento externo produtivo, industrial, entre todos os países em desenvolvimento. Hoje em dia nossa posição em relação a outros países está fragilizada”.

O investimento estrangeiro direto, produtivo, só virá no momento em que o Brasil mudar radicalmente o modelo de política econômica que está em vigor – afirma Belluzzo. “Por enquanto, vemos que quem está mandando, quem está dando as cartas é o mercado financeiro, que não tem nada a ver com a indústria. O que se contabiliza às vezes como investimento direto é o empréstimo intercompany, que na verdade é arbitragem financeira, ou ainda o investimento de portfolio, que parece investimento direto estrangeiro, mas não é. Hoje, a taxa de investimento no Brasil está em 14%, a mais baixa de todos os tempos”.

“A indústria farmacêutica nacional está adentrando fortemente no comércio externo com suas inovações, gerando mais divisas para o Brasil”

Dante Alario

A história econômica recente também contradiz a cartilha neoliberal. Corrêa de Lacerda observa que “em nenhuma experiência conhecida, mesmo nos países que são os maiores receptores de investimentos estrangeiros, o investimento externo se tornou predominante. Raramente o total de investimentos em infraestrutura, ampliação da capacidade produtiva das empresas, construção civil e máquinas e equipamentos atinge mais de 15% da formação bruta de capital fixo. Assim, é crucial destacar que, apesar da globalização econômica, o papel dinâmico do investimento, base para a sustentação do crescimento da imensa maioria dos países, é exercido predominantemente pelo investimento doméstico, que responde, em média, por cerca de 85% do total realizado”.

Anterior

IX SIPID - Discute inovação e propriedade intelectual na área da saúde

Próxima

Planejamento estratégico de longo prazo