REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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//Artigo

COMO EXPLORAR INDUSTRIALMENTE A BIODIVERSIDADE BRASILEIRA

Acredito que a única forma de explorar industrialmente a biodiversidade brasileira é respeitando os pilares da sustentabilidade: econômico, ambiental e social. No entanto, embora muitas empresas tenham incluído a busca pela sustentabilidade em suas missões e visões, ainda são raras aquelas reconhecidas como exemplo a ser seguido nesse campo. Isso se deve, principalmente, à falta de um modelo que alie, de forma eficaz, o planejamento estratégico, particularmente o Balanced Scorecard (BSC). Esse é um sistema de gestão baseado em indicadores de controle interligados logicamente, que permitem a avaliação do desempenho, traduzindo a missão e a estratégia em objetivos e medidas organizados nas perspectivas financeira, dos clientes, dos processos internos, aprendizado e crescimento. Temos tido bons resultados neste sentido, alinhando os conceitos de sustentabilidade com a estratégia da Centroflora.

Há quase 60 anos o Grupo Centroflora atua no mercado de extratos vegetais. Antenado às evoluções mercadológicas e regulatórias, criou o programa corporativo Parcerias para um mundo melhor, cujo intuito é integrar o consumidor final a comunidades e pequenos agricultores rurais, por meio do fomento à agricultura familiar orgânica e do manejo florestal sustentável, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente. São estabelecidos contratos de parceria entre o cliente e a empresa, e posteriormente entre empresa e agricultor, através dos quais o Grupo Centroflora garante a compra de safras planejadas e a transferência de tecnologia necessária para o campo, integrando de forma responsável toda a cadeia produtiva.

Muitas vezes a tecnologia de cultivo da espécie de interesse é desenvolvida pela própria Centroflora em seus campos de cultivo experimentais, já que várias espécies sequer possuem protocolos de produção. Tal tecnologia é transferida para os produtores por meio de assistência técnica da equipe de Botânica da empresa. Comunidades rurais, associações, cooperativas e pequenos produtores são pré-selecionados para se tornarem fornecedores de plantas medicinais. As espécies selecionadas para cultivo passam por análise botânica, agronômica e de viabilidade, garantindo-se o fomento da espécie desejada. Já aquelas passíveis de manejo florestal passam por prospecção de áreas capazes de suprir a demanda existente.

Efetuadas as etapas de colheita e secagem, a planta é enviada para as instalações do Grupo Centroflora, onde, após análise e comprovação de sua qualidade, são extraídas suas substâncias ativas, por meio de solventes seguros e recicláveis (água, etanol – álcool da cana de açúcar – e glicerina vegetal). Os extratos são concentrados e secos, utilizando-se tecnologias que garantem a integridade do princípio ativo e excipientes livres de manipulação genética, como amido de mandioca.

Os principais benefícios alcançados por meio do programa Parcerias para um mundo melhor são: abordagem técnica e comercial, feita diretamente pelas equipes técnicas da Centroflora, evitando assim atravessadores e má distribuição dos valores envolvidos (maior renda na base da pirâmide); rastreabilidade total do extrato produzido; garantia do fornecimento de matérias-primas seguras e de qualidade; extratos livres de resíduos tóxicos, pesticidas e metais pesados; extratos livres de manipulação genética; fomento da agricultura familiar orgânica e do manejo sustentável de espécies silvestres. Todo esse trabalho tem auditoria e certificação da Union for Ethical Biotrade (UEBT).

Visando a um maior envolvimento com os parceiros agrícolas, projetos socioambientais são desenvolvidos junto às comunidades, através de parcerias com organizações não governamentais, especialmente com o Instituto Floravida. Fundado e mantido pelo Grupo Centroflora, o Instituto desenvolve diversos projetos na área socioambiental, sempre construídos em rede, aproveitando as potencialidades dos parceiros locais.

Um bom exemplo de sucesso dessa atuação conjunta entre a empresa e o Floravida é o projeto Valorização do Jaborandi, concebido para gerar renda a partir do manejo florestal não madeireiro. Nele, nossa empresa, além de outras contribuições, tem papel fundamental, ao realizar a compra de todo o jaborandi coletado, garantindo geração de renda e, consequentemente, promovendo o desenvolvimento econômico local.

O Instituto Floravida existe desde 2002 e tem como missão contribuir com a transformação socioambiental das comunidades envolvidas, promovendo a educação em defesa da vida. Com seus projetos, que seguem diretrizes estabelecidas por políticas públicas, o Instituto planeja e executa ações onde o poder público não consegue atuar, dando assim sua contribuição para a consolidação dessas políticas.

O Grupo Centroflora agrega em seu portfólio cerca de duzentos produtos destinados aos mercados de saúde, alimentos e bebidas e cuidados pessoais. Usando tecnologias e processos que permitem isolamento, extração, concentração e secagem de ativos naturais de alto valor agregado, com qualidade e rastreabilidade asseguradas, a empresa é referência no setor.

A linha de produtos Centroflora possui diversas apresentações e padronizações, abrangendo desde itens de menor complexidade tecnológica até os chamados farmoquímicos (>99%), que são considerados insumos farmacêuticos de alta pureza. Entre eles, destaque para os extratos botânicos padronizados para uso em fitoterápicos e em alimentos funcionais, óleos essenciais de grau farmacêutico, polpas de frutas desidratadas, além de ativos isolados de origem natural, como os sais de pilocarpina e a quercetina.

Para administrar toda a produção, o Grupo conta com uma ampla rede de distribuição, com presença em mais de setenta países e um grande volume de exportações. Mais de 60% das nossas vendas são exportações para os mercados mais desenvolvidos e exigentes do mundo. No mercado internacional, apesar de o principal produto exportado ser a pilocarpina (para uso farmacêutico), 80% do volume exportado é destinado ao segmento de nutracêuticos, em que se destacam, entre outros, os extratos de acerola, guaraná, açaí, erva mate e café verde.

Em âmbito nacional, somos considerados uma das principais no ramo e algumas plantas medicinais podem ser consideradas as responsáveis por toda essa evidência. No Brasil, a Centroflora ocupa uma posição de destaque no mercado de insumos farmacêuticos naturais, com destaque para a Passiflora incarnata, planta medicinal que possui efeito calmante e sedativo contra o nervosismo e os distúrbios do sono, e também para a Cordia verbenácea, planta medicinal brasileira utilizada como anti-inflamatório natural.

As unidades produtivas são subdivididas pelas Unidade de Secagem e Unidade de Extratos Vegetais, ambas em Botucatu, interior do estado de São Paulo, e pela Unidade Farmoquímica, em Parnaíba, no Piauí. A empresa conta ainda com uma área agrícola em Parnaíba, onde é cultivada a Cordia verbenácea, utilizada para a produção de um óleo que é o principal ingrediente da linha Acheflan, do laboratório brasileiro Aché.

Infelizmente, a legislação de acesso ao patrimônio genético, por muito tempo, foi um dos principais entraves para o desenvolvimento de fitoterápicos no Brasil. A MP 2.186-16/01 foi uma fonte de insegurança jurídica que ameaçava o desenvolvimento da indústria farmacêutica e de biotecnologia no País. Isso causou uma paralisação de quase uma década no desenvolvimento de tecnologias a partir da biodiversidade brasileira. Temos uma expectativa positiva em relação às mudanças no cenário, a partir da Lei 13.123, sancionada em 2015, que trouxe diversos avanços para a P&D baseada em biodiversidade. Apesar de todas essas melhorias, ainda existem pontos que precisam ser regulamentados. E a grande demora na implementação do sistema online também vem causando prejuízos ao setor.

O Brasil tem potencial para se tornar referência no desenvolvimento de fitomedicamentos embasados cientificamente e produzidos atendendo a altíssimos padrões de qualidade, a exemplo do que acontece em países como a Alemanha. Os fatos relatados acima nos animam, pois entendemos ser um elo de ligação entre o campo e o mercado, entre as florestas brasileiras e a inovação. Isso nos motiva a continuar sendo um agente de transformação, no sentido de trazer o potencial da biodiversidade brasileira para o mercado de medicamentos e alimentos funcionais, promovendo uma melhor qualidade de vida, com responsabilidade socioambiental. Transformar essa fantástica riqueza de nossa biodiversidade em produtos éticos e seguros talvez seja o melhor caminho para o País gerar propriedade intelectual brasileira – nossa grande carência. Porém, temos conhecimento de que esse caminho é longo e custoso, motivo pelo qual precisamos trazer mais interessados e formar uma grande nação inovadora.

Cristina Dislich Ropke
Cristina Dislich Ropke
Diretora de Inovação do Grupo Centroflora.
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