REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2017 • ANO XI • ISSN 2623-1177
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Estado precisa investir para indústria do País voltar a crescer
//Entrevista Celso Amorim

Estado precisa investir para indústria do País voltar a crescer

Celso Amorim é diplomata de carreira desde os anos 1960 e, desde junho de 2016, dirige a Unitaid, uma central internacional para compra de medicamentos filiada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade procura melhorar o acesso de populações pobres ao tratamento contra as três principais doenças que as afligem: Aids, tuberculose e malária.

Em entrevista à FACTO, Amorim opina sobre as condições necessárias para que o Brasil volte a desenvolver-se. O embaixador brasileiro reforça a importância das compras governamentais como indutoras de investimento e desenvolvimento e defende o tratamento especial para áreas consideradas estratégicas para o País.

Celso Amorim mantém essa posição de longa data. Defendeu os interesses nacionais ao longo da Rodada Uruguai do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, em inglês), e participou ativamente da negociação da Declaração de Doha sobre Propriedade Intelectual e Saúde Pública em 2001, que garantiu a possibilidade dos países em desenvolvimento recorrerem a medicamentos genéricos para garantir a saúde de suas populações. Conseguiu, ainda, deixar o Brasil fora do acordo de compras públicas.

Mais tarde, foi ministro de Relações Exteriores nos governos Itamar Franco (1993-1995) e Lula (2003- 2010), período em que lutou contra medidas TRIPs Plus. Seu último cargo público foi na direção do Ministério da Defesa, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2015).

No comando do Itamaraty, foi responsável por uma política ativa e altiva. O ex-chanceler conduziu os diálogos que levaram o Brasil a assumir seu protagonismo na América Latina e renderam ao País projeção mundial ao lado de outras nações em desenvolvimento.

O governo acredita que, uma vez que a inflação e os juros caiam, o País atrairá investimentos privados brasileiros ou externos naturalmente por conta do mercado nacional. O senhor acredita nisso?

Não creio que o crescimento voltará automaticamente, embora alguma recuperação possa ocorrer. Para que haja crescimento sustentado, é necessário que a indústria brasileira ganhe competitividade. Além de câmbio favorável, isso exigirá investimento em pesquisa e desenvolvimento, seja diretamente pelo Estado, seja impulsionado por este. Para garantir taxas de crescimento a longo prazo, é essencial também aumentar a taxa de poupança da economia brasileira, diminuindo nossa dependência do investimento estrangeiro, que deve ter um papel complementar.

O senhor acha possível o País reindustrializar-se sem a interferência do Estado definindo uma clara e efetiva política industrial?

Acho que, para ter um desenvolvimento real, será necessário utilizar de forma inteligente o poder de compra do Estado, que tem um papel essencial na promoção dos setores de ponta. A indústria de Defesa pode ter importante função ao alavancar investimentos de alto conteúdo tecnológico. Se olharmos a história recente, um dos poucos setores de ponta em que o Brasil se destacou competitivamente foi a indústria aeronáutica, sobretudo por meio da Embraer. Esse avanço não teria existido sem o apoio decisivo do Estado brasileiro. A área da química fina também poderá beneficiar-se de políticas claras de utilização de medicamentos genéricos. O mesmo se aplica, mutatis mutandis, a outras áreas de tecnologia avançada como a da tecnologia da informação.

Qual é, na sua avaliação, o papel desempenhado pela indústria em um programa de desenvolvimento econômico e social do Brasil?

A indústria deve ser um grande empregador de mão de obra e o motor do desenvolvimento tecnológico do País. Com o crescimento da indústria, o maior problema social que enfrentamos a curto prazo – o desemprego – será superado. Mas é evidente que outras medidas, como uma renda mínima e cotas que assegurem o acesso à educação sem discriminações (ainda que por vezes sutis) a todos os brasileiros, são também essenciais. Investimentos do Estado em educação (incluindo cultura), saúde e segurança são indispensáveis. Daí o absurdo da emenda que congelou as despesas do governo por vinte anos.

Na sua avaliação, uma política industrial deveria definir setores considerados estratégicos e, assim, merecer tratamento prioritário?

Sim, em termos de apoio direto do Estado. Tais setores deveriam ser escolhidos por trazerem maior benefício tecnológico ou permitir desenvolver processos produtivos compatíveis com a preservação e melhora do meio ambiente. O Brasil tem uma grande chance de ser um líder na área da tecnologia ambientalmente amigável, até mesmo em função de suas enormes necessidades. Mas é importante notar que uma política macroeconômica que privilegie o câmbio competitivo e não sucumba às tentações da “doença holandesa” [termo econômico que se refere à prioridade dada à exportação de recursos naturais em detrimento do setor industrial, que tende a parar de crescer ou até encolher] beneficiará praticamente todos os setores, com grande impacto no emprego.

Na política industrial de um país emergente como o Brasil há interesse em criar empresas públicas como garantia do desenvolvimento econômico soberano?

Sim. A Petrobras foi a grande impulsionadora de importantes setores industriais. Recentemente, serviu de alavanca para a retomada da indústria naval. Já citei o caso da Embraer. Uma indústria aeroespacial não se desenvolverá sem a presença do Estado. O mesmo ocorre em outras áreas ligadas à Defesa. Em outros casos, porém, em que a criatividade se expressa de forma dispersa como certos tipos de software, o papel do Estado deve ser o de indutor. No caso da indústria farmacêutica, pode haver um misto, com alguma presença direta do Estado e a indução de empreendimentos privados nacionais.

Celso Amorim
Celso Amorim
Celso Amorim é diplomata de carreira desde os anos 1960 e, desde junho de 2016, dirige a Unitaid, uma central internacional para compra de medicamentos filiada à Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade procura melhorar o acesso de populações pobres ao tratamento contra as três principais doenças que as afligem: Aids, tuberculose e malária.
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