REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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//Matéria Política

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: UM ANTÍDOTO PARA A CRISE

A crise político-econômica que o Brasil atravessa parece estar longe do fim. Num cenário marcado por incertezas, nem mesmo a prolongada depreciação do Real se mostra suficiente para reanimar a indústria nacional, cuja participação como exportadora na balança comercial vem decrescendo ao longo das últimas décadas. Uma das
razões desse enfraquecimento é a dependência da importação de insumos estratégicos – em última instância, tecnologia – em grande parte das cadeias produtivas do País. É hora, portanto, de repensar as políticas públicas de apoio à inovação tecnológica.

Nesta reportagem, integrantes da comunidade acadêmica e um executivo da indústria analisam a histórica dificuldade brasileira de articular centros universitários de pesquisa com empresas em torno de projetos inovadores que possam produzir impacto positivo na economia. Há divergências de diagnósticos e propostas, mas por outro lado emerge o consenso de que uma adequada política de estímulo à inovação tecnológica poderá contribuir decisivamente para a superação da crise brasileira.

UNIVERSIDADE + EMPRESA: UMA CONEXÃO PROBLEMÁTICA

A parceria entre empresas e universidades no desenvolvimento de inovações tecnológicas, fonte inesgotável de vantagens competitivas nos países industrializados, está longe de ser um hábito no Brasil. Apenas recentemente as políticas públicas incorporaram mecanismos destinados a corrigir essa falha, mas ainda assim os resultados são decepcionantes. Por outro lado, a ideia de que a inovação tecnológica depende muito mais das empresas do que da universidade já criou raízes em certos nichos acadêmicos, o que não deixa de ser um avanço.

Para Dante Alario Junior, presidente técnico-científico da Biolab Farmacêutica, “a pesquisa deveria, basicamente, ser feita nas universidades e centros de pesquisa ligados ao setor público. Já o desenvolvimento e inovação caberia ao setor industrial privado, ou seja, o conhecimento gerado pelas pesquisas seria utilizado pela indústria e transformado em produto que iria para o mercado. Isto é o que acontece, bem ou mal, na maioria dos países desenvolvidos”. Em sua opinião, para esse sistema funcionar adequadamente seria preciso estabelecer o financiamento público da pesquisa e a retroalimentação dessa atividade com valores oriundos do setor privado, “que pagaria pelo uso do conhecimento gerado e concretizado através de produtos”.

Isto não significa, sublinha Alario, que a universidade deva ser colocada a serviço das demandas do setor privado, acima de tudo por ela não ter sido preparada para essa atividade, salvo raras exceções, mas também em razão de outras dificuldades, como a burocracia e a lentidão. “Por falta de visão mercadológica trabalha-se com produtos e tecnologias já existentes, portanto com vida útil curta. Além disso, misturam- se interesses distintos, uns relativos à evolução na carreira acadêmica – mestrado, doutorado etc. – e outros bem mais pragmáticos, como as necessidades e solicitações da indústria”.

O timing da indústria não coincide com o ritmo da atividade acadêmica, observa Alario. “Os parâmetros temporais que orientam a universidade são diferentes daqueles utilizados pela indústria, e assim o descompasso se estabelece. Por exemplo: tudo deveria começar com a assinatura do contrato que vai estabelecer as regras entre as partes, mas é comum que a discussão e a assinatura demorem mais de um ano. Já assumimos o risco, algumas vezes, de iniciar o pagamento sem o contrato assinado. Não bastasse o risco da pesquisa, soma-se o de pagar sem chegar a bom termo e perder-se a possibilidade de recuperar o que foi pago sem contrato; ou então o atraso é tanto que, quando o produto é entregue, ele já está em pleno declínio comercial”.

Segundo Luiz Pinguelli, diretor de relações institucionais da Coppe/UFRJ, a lentidão apontada pelo presidente da Biolab tem causas bem evidentes. “Se de um lado o governo estimula a parceria com empresas, de outro lado os advogados do governo, os órgãos de controle, os procuradores e toda essa parafernália jurídica que o Brasil se esmera em fazer crescer cada vez mais, são contrários a qualquer ação nova. São agentes inibidores. A política é dominada por essa casta de advogados muito bem paga. Todo reitor vive atemorizado com o procurador da universidade, que é mais um inimigo do que um membro da administração. Tenho uma visão profundamente pessimista sobre a relação da universidade com a empresa nessa perspectiva das controladorias”.

David Kupfer, professor e coordenador do Grupo de Indústria do Instituto de Economia da UFRJ, chama atenção para a complexidade da articulação universidade-empresa considerando as diferenças que geram lacunas de entendimento entre esses atores. “O sistema nacional de inovação depende profundamente de um conjunto de instituições ligadas ao uso da inovação propriamente dito. Muitas universidades se organizam de modo satisfatório e, algumas vezes, até mesmo de maneira extremamente proficiente nessa aproximação com o potencial de uso, inclusive considerando esses atributos na definição das suas linhas de investigação, mas esta não é a norma internacional e menos ainda no Brasil. Ao contrário, aqui há uma grande lacuna entre a oferta de conhecimento e a demanda de novidades por parte do sistema produtivo, que impede a aproximação entre a universidade e as empresas. É uma lacuna importante no sistema nacional de inovação, porque se imagina que as universidades, de modo geral, detêm uma massa crítica que de fato elas não detêm, salvo em casos particulares”.

“SE DE UM LADO O GOVERNO ESTIMULA A PARCERIA COM EMPRESAS, DE OUTRO LADO OS ADVOGADOS DO GOVERNO, OS ÓRGÃOS DE CONTROLE, OS PROCURADORES E TODA ESSA PARAFERNÁLIA JURÍDICA QUE O BRASIL SE ESMERA EM FAZER CRESCER CADA VEZ MAIS, SÃO CONTRÁRIOS A QUALQUER AÇÃO NOVA” – LUIZ PINGUELLI

Por outro lado, Kupfer ressalva que não seria correto culpar exclusivamente o sistema de pesquisa pelas dificuldades de articulação. “Do lado do setor produtivo também há lacunas importantes, particularmente no que diz respeito ao foco, à nitidez e às prioridades de pesquisa. As empresas têm agendas de demandas que em geral são de curto prazo, imediatistas. Elas esperam respostas rápidas para problemas muito pontuais, e isto é pouco compatível com a capacidade de desenvolvimento de soluções do nosso sistema de pesquisa, que é mais generalista e exige um tempo de maturação mais longo”.

O imediatismo do setor produtivo também é enfatizado por Lia Hasenclever, professora colaboradora voluntária do Instituto de Economia da UFRJ. “O conhecimento é em geral acessível somente para quem já possui conhecimento. Neste sentido, é importante as empresas entenderem que se não investirem em P&D, acreditando que basta ir ao supermercado da tecnologia para encontrar os produtos desejados em uma prateleira, irão se decepcionar”. A troca com a universidade deve ser vista como complementar aos investimentos da empresa em P&D e não como um substituto perfeito para as soluções tecnológicas demandadas. É importante registrar que as empresas que atuam no Brasil, sejam nacionais, multinacionais ou públicas, com raríssimas exceções, investem muito pouco em P&D local”.

Dante Alario reconhece que as empresas têm sua cota de responsabilidade. “O setor produtivo peca por falta de visão técnica de médio e longo prazos. Ele tem boa ou mesmo excelente visão comercial de curto prazo, mas pouco acompanha daquilo que é desenvolvido nos melhores centros de pesquisa mundiais. Então, ele chega sempre atrasado porque não sabe demandar para daqui a cinco ou dez anos. Outro problema é o setor produtivo não conhecer as pesquisas acadêmicas, os centros de excelência relacionados àquilo que ele necessita, nem tampouco conhecer os pesquisadores. É uma mútua cegueira fazendo que cada um permaneça no seu lugar. Quando tentam caminhar juntos, o fazem de forma desastrada”.

“É IMPORTANTE AS EMPRESAS ENTENDEREM QUE SE NÃO INVESTIREM EM P&D, ACREDITANDO QUE BASTA IR AO SUPERMERCADO DA TECNOLOGIA PARA ENCONTRAR OS PRODUTOS DESEJADOS EM UMA PRATELEIRA, IRÃO SE DECEPCIONAR” – LIA HASENCLEVER

Há que se localizar com clareza os centros de excelência das universidades, recomenda Alario. “Isto porque são apenas algumas áreas que se destacam e é com elas que deveríamos trabalhar. Sei que minha posição pode chocar bons profissionais (professores), mas é que nem todos têm vocação para trabalhar com a demanda do setor produtivo. É a realidade de cada um e deve ser respeitada”.

Para Lia, não se trata propriamente de falta de vocação. “A universidade pública, principal locus da pesquisa no Brasil, não foi provida de recursos para montar uma estrutura de relacionamento com as empresas. Os NITs foram criados, mas não existem recursos humanos qualificados para atuar nesta função de relacionamento. Outra dificuldade é a falta de estruturas laboratoriais nas universidades que permitam o escalonamento das pesquisas, tais como laboratórios de simulação de processos e caracterização de produtos. Além disso, a pesquisa realizada nas universidades ainda não foi ‘industrializada’, no sentido de seguir normas e regulamentos estabelecidos pelas agências reguladoras que serão indispensáveis quando essa pesquisa gerar inovações”.

Afora todos esses problemas, em alguns segmentos a parceria universidade-empresa é uma realidade. Adelaide Maria de Souza Antunes, professora emérita da UFRJ e especialista sênior do INPI, conta que no setor da química fina essas parcerias existem há algum tempo. “De uns 15 anos para cá a pesquisa vem sendo aplicada às demandas da indústria, porque as universidades, principalmente as públicas, precisam de recursos para modernizar seus laboratórios, para dar bolsas aos alunos, e não se pode contar com uma infraestrutura de governo para isso”.

Do lado das empresas, observa Adelaide, a parceria com universidades foi se tornando vantajosa a partir da política industrial que culminou, em 2005, com a edição da Lei de Inovação e da Lei do Bem. “O segmento farmacêutico foi um dos que mais se desenvolveram tecnologicamente no Brasil a partir da Lei de Inovação, e hoje é um dos que continuam investindo durante a crise. As empresas foram ganhando conhecimento e passaram a buscar parcerias nas universidades, entre outros motivos porque estas dispõem de equipamentos para pesquisa que às empresas não interessa adquirir”.

A principal dificuldade para a consolidação e expansão das parcerias, na opinião de Antunes, é a falta de recursos. “Se a empresa consegue ter um ambiente propício a produzir, vender e exportar, então ela vai contratar não só pessoas, mas também parcerias. O Brasil estava indo bem, mas agora teremos de lutar e unir todos os esforços para impedir um retrocesso”. A professora admite que será necessária uma atitude mais proativa por parte das universidades. “Os NITs de algumas universidades, como Unicamp e UFMG, e em menor escala a UFRJ, organizam feiras para mostrar suas competências e atrair novas parcerias no meio empresarial. Todas deveriam fazer isto, pois o NIT é a ligação oficial criada pela Lei de Inovação para que a universidade se apresente ao mundo externo, ou seja, às empresas”.

Dante Alario tem outra perspectiva sobre a questão da escassez de recursos. “Não sei se o dinheiro destinado à universidade é muito ou pouco, mas a verdade é que está sempre faltando. Os motivos são os mais diversos, desde o fato de ser realmente insuficiente, passando por vários outros até chegar à necessidade de melhoria da gestão. Imaginar que a indústria tem a responsabilidade de cobrir esse buraco é um péssimo começo de uma relação que deveria ser simbiótica”.

INCREMENTAL OU RADICAL: O DILEMA PERSISTE

O grau de ambição tecnológica de uma política pública de fomento à inovação é tema de permanente controvérsia entre empresas e universidades brasileiras. Embora uma parcela da academia já tenha aderido, ainda que por puro pragmatismo, à dinâmica da inovação incremental, segundo Dante Alario alguns pesquisadores universitários mantêm o preconceito de enxergar somente a inovação radical como meta digna de ser perseguida. “Repito sempre que sou chamado a falar: ninguém é alfabetizado usando livros de Camões. Iniciavase, ao menos no meu tempo, com o b + a = ba, b + e = be e assim por diante. Muito lá na frente leríamos Camões. Na inovação é o mesmo, ou seja, aprendemos a fazê-la através da incremental e mais adiante faremos a radical. É uma questão de tempo, interesse e vocação”.

Numa perspectiva realista, Alario admite que “considerando a indústria farmacêutica nacional como um todo, nosso atual estágio é o da inovação incremental, sem preconceitos. Para um bom conhecedor do mercado farmacêutico, é clara a visão de que aproximadamente 70% ou mais dos produtos apresentados como inovadores são incrementais, e não radicais”.

Adelaide Antunes e Lia Hasenclever enxergam o papel da academia sob essa mesma perspectiva. “Não temos outra saída a não ser fazer inovação incremental”, afirma Adelaide. “Poucos estão preparados para fazer inovação radical, serão raros os casos. A política pública tem que ser voltada para a inovação incremental, não há demérito nenhum nisso. Vai-se fazendo inovação incremental e o conhecimento acumulado ao longo do tempo irá possibilitar a geração de alguma inovação radical”. Lia, por sua vez, argumenta que “é muito difícil classificar a priori os resultados de uma pesquisa. Muitas vezes os pesquisadores, fazendo uma pesquisa básica que envolve a busca de conhecimento novo, deparam-se com oportunidades de aplicações práticas muito relevantes antes de atingirem o conhecimento novo. Além disso, sabe-se que o conhecimento é cumulativo e as inovações incrementais são muito importantes para essa acumulação”.

Luiz Pinguelli enfoca um ângulo diferente da questão, apontando uma tendência da empresa brasileira e da estrangeira que produz no Brasil a importar tecnologia, em vez de usar a tecnologia desenvolvida localmente. “Este é um problema cultural. Tem melhorado, mas a importação ainda domina”. Além disso, ele chama atenção para a vulgarização do termo “inovação”, usado muitas vezes para designar meras ações de marketing sem nenhum conteúdo tecnológico. “Mesmo na indústria, algumas ‘inovações’ são apenas novidades superficiais que servem para ganhar mercado. A palavra serve para tudo: classifica com o mesmo nome desde coisas importantes e realmente inovadoras, como as ondas gravitacionais da relatividade geral de Einstein, que ele previu há cem anos e agora foram evidenciadas, até itens insignificantes como uma nova embalagem de bombom”.

A percepção de Pinguelli é próxima à de José Eduardo Cassiolato, professor do Instituto de Economia da UFRJ na área de economia da inovação e diretor do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI, coordenado em conjunto pela Unicamp e a UFRJ. Em sua opinião, a política brasileira na área tecnológica decididamente não favorece a inovação local. “Desde 1974, portanto há 40 anos, temos ações da Finep com essa finalidade. São 40 anos de insucesso, porque o diagnóstico é equivocado. No caso brasileiro, tenta-se aproximar a universidade das empresas, mas as empresas que estão aqui ou são multinacionais que não querem saber das pesquisas de ponta da universidade, a não ser para se apropriar delas, ou são empresas nacionais que buscam uma pequena melhoria de produtos ou processos. Em sua grande maioria, as empresas brasileiras têm uma estratégia subordinada, porque existe uma enorme penetração do capital estrangeiro aqui e as estratégias produtivas e tecnológicas de nossas empresas são passivas, são dependentes de processos de concorrência comandados pelo grande capital transnacional. A exceção são aquelas poucas empresas que têm uma raiz e uma história de desenvolvimento estatal, como a Petrobras e a Embraer. Podemos contar nos dedos as empresas privadas que têm uma estratégia tecnológica diferente”.

“SE A EMPRESA CONSEGUE TER UM AMBIENTE PROPÍCIO A PRODUZIR, VENDER E EXPORTAR, ENTÃO ELA VAI CONTRATAR NÃO SÓ PESSOAS COMO TAMBÉM PARCERIAS. O BRASIL ESTAVA INDO BEM, MAS AGORA TEREMOS DE LUTAR E UNIR TODOS OS ESFORÇOS PARA IMPEDIR UM RETROCESSO”
 – ADELAIDE ANTUNES

Para Cassiolato, o Estado brasileiro precisa ser mais coerente na definição da política tecnológica. “Existe uma política que é necessária, mas insuficiente, porque geralmente se limita a conceder incentivos ou crédito, e nenhuma empresa produtiva faz investimento pesado em busca de novidades radicais se não contar com algum tipo de garantia com relação a outro grande componente das estratégias tecnológicas, que é o risco. Nossa política vai para o custo financeiro, não para o risco. O problema é que as políticas são muito tímidas para dar conta da complexidade e da incerteza que caracterizam os processos de inovação”.

Embora Cassiolato considere que a concentração excessiva na inovação radical seja uma agenda equivocada de política pública, no seu entender as inovações incrementais não dependem de uma política específica, “porque derivam naturalmente dos processos concorrenciais ligados à indústria. O risco é baixo e a empresa consegue melhorar produtos e processos, às vezes até introduzir um novo produto, sem grandes investimentos e com um grau de incerteza muito pequeno. A política pública de inovação não tem que se preocupar em demasia com incrementais, pois a ação governamental tem apenas um efeito marginal aí”.

Na opinião de Cassiolato, o problema do risco pode ser adequadamente equacionado por meio de uma política que vá além da inovação stricto sensu, definindo instrumentos que envolvam diretamente a indústria e os processos concorrenciais, inclusive lançando mão de armas comerciais, barreiras etc. “A ação pública tem maior efeito em processos de inovação quando os riscos técnico e econômico, do ponto de vista da concorrência, são muito grandes e o custo é alto. Nesse contexto o Estado entra, seja na China ou nos EUA, e é por aí que se podem mudar perfis tecnológicos de inovação. O Brasil tem claramente necessidades e grandes oportunidades em todo o setor de novas energias, como a eólica e a solar. Temos uma série de vantagens e uma excelente infraestrutura de ciência e tecnologia, no entanto não conseguimos dar um grande salto, porque a política é muito tímida. O Estado chinês conseguiu em dez anos criar e colocar como grandes players mundiais nada menos que três empresas de energia eólica”.

“A BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA TECNOLÓGICO PARA AS NOVAS FONTES DE ENERGIA, CENTRADO NA SUSTENTABILIDADE, PARECE CLARA, E AÍ HÁ UMA ENORME JANELA DE OPORTUNIDADES”
 – JOSÉ CASSIOLATO

Em geral se associa o ímpeto inovador mais às pequenas empresas do que às grandes, e a maioria dos entrevistados considera que o Brasil não difere do resto do mundo nesse aspecto. No entanto, aqui não se consegue canalizar essa energia para o setor produtivo de forma sustentável. Para exemplificar o fracasso da política tecnológica brasileira ele cita os casos de “pequenas empresas que saem como spin-off da universidade e logo vem uma gigante multinacional para comprá-la, mandar os técnicos trabalharem na Europa ou EUA e, em seguida, fechar a fábrica daqui”. Enquanto isso, do outro lado do mundo ocorre o movimento contrário. “Uma gigante química estatal chinesa acaba de comprar a Syngenta, que é a grande rival da Monsanto na produção de defensivos. A China tem um problema sério de segurança alimentar, pois precisa fornecer alimentos a quase dois bilhões de pessoas. Eles não são idiotas a ponto de deixar que a pesquisa tecnológica de universidades chinesas venda serviços e seja transformada em produtos por uma multinacional estrangeira. O caso da China é interessante, porque a maioria das pequenas empresas spin-off geradas a partir da pesquisa acadêmica está sob controle das próprias universidades. A Tsinghua University tem mais de três mil empresas. A Lenovo, que até hoje é uma líder mundial em computação, tem boa parte do seu capital nas mãos da Chinese Academy of Sciences, que funciona como uma grande universidade”.

Na mesma linha de pensamento, David Kupfer ressalta a complexidade dos ecossistemas que se beneficiam da criatividade das pequenas empresas. “A inovação, de um modo geral, decorre de um esforço de P&D que normalmente é pesado, que precisa fluir e produzir conhecimentos capazes de chegar ao tecido industrial, onde estão essas pequenas empresas, já em condições de serem transformados. Aí sim, pela criatividade que as pequenas e médias empresas conseguem ter, muito maior que as empresas de grande porte, que são mais burocratizadas e engessadas, o conhecimento tecnológico ganha vigor e gera inovações”.

Lia observa que, noutras partes do mundo, as empresas inovadoras são fortemente subvencionadas pelo Estado ou pelo mercado de capitais, “estruturas ainda deficientes no Brasil”. Cassiolato, por sua vez, destaca a dificuldade que as pequenas empresas enfrentam na obtenção de crédito em condições razoáveis. “Temos aqui na universidade uma pesquisa de mais de dez anos realizada com cerca de cinco mil pequenas empresas, e identificamos que a principal barreira à inovação é a falta de acesso a crédito. Espalhadas pelo Brasil inteiro, elas não têm fonte de financiamento, porque o sistema financeiro brasileiro é cruel com essas empresas. Em quase 90% dos casos elas não recorrem a bancos privados, porque a taxa de juros é proibitiva”.

AS OPORTUNIDADES QUE A CRISE TRAZ

A crise drena recursos, desaquece mercados, causa recessão. No entanto, com ela ressurge a oportunidade de se repensar a política tecnológica a partir dos seus fundamentos. “Independentemente da crise econômica que atravessamos, só vislumbro como saída para a indústria farmacêutica nacional, no médio e no longo prazo, a inovação”, afirma Dante Alario. “Como essa crise não é só endógena, há componentes exógenos que já duram anos, e todos os prognósticos são de que perdurará ainda por algum tempo, entendo que pode estar aí uma oportunidade para que o Brasil, com uma política de inovação adequada, saia com menos sofrimento desse processo”.

“Como uma política de inovação costuma apresentar resultados somente em médio prazo, e este também será o prazo da crise, os tempos parecem-me compatíveis”, reforça Alario. Em sua opinião, são os seguintes os pontos essenciais para uma política de inovação sustentável: identificação através da qualidade e vocação dos centros de excelência das universidades e centros de pesquisa; destinação de mais verbas aos centros de excelência, com acompanhamento do que está sendo realizado; um sistema que permita informar à indústria sobre os trabalhos desenvolvidos (facilitadores/mediadores da interlocução indústria-pesquisadores); sistema de retroalimentação dos financiamentos através de royalties sobre os produtos que vão a mercado; alinhamento da orientação política dos diversos ministérios e órgãos relacionados (MS, Mdic, MCTI, MP e MF); celeridade, previsibilidade e segurança jurídica, ou seja, criação de um ecossistema de inovação acolhedor e estimulante; uso do poder de compra governamental como promotor da inovação através da encomenda tecnológica; e, para completar, desburocratização de todo o sistema.

Para David Kupfer, o momento é propício para uma reflexão que leve em conta os resultados econômicos da política tecnológica. “Entendo que, em tempos de crise e principalmente em tempos de escassez de recursos fiscais, o que implica restrições de financiamento, a política de inovação estará sempre limitada pela falta de potência dos seus instrumentos.

Por outro lado, este momento de crise é adequado para uma profunda revisão da política, tanto em termos dos mecanismos de decisão e dos critérios que norteiam a alocação dos recursos, como também da avaliação da eficiência ou da efetividade dos mecanismos e instrumentos mobilizados pela política. Considero que o mais importante nesse momento é recolocar a política brasileira de inovação num novo contexto em que se privilegie uma maior efetividade dos gastos realizados”.

Kupfer está convicto de que é hora de reformular o sistema. “Nós precisamos criar um sistema de inovação no qual os instrumentos e, principalmente, os incentivos aumentem a alavancagem de recursos privados trazidos pela alocação de recursos públicos. É preciso que o Real alocado pelo sistema público de ciência e tecnologia produza mais investimentos privados, que essa relação seja pelo menos de 1 para 1, ou seja, para cada Real de fomento colocado exista pelo menos um Real colocado pelo sistema privado, e ainda estamos aquém dessa relação. Países considerados referências em termos de efetividade trabalham com relação de 1 para 3 ou para 4. Isto é, a parcela pública do gasto em P&D deveria ser de 25% a 30% do total, e não da ordem de 60% como ocorre no Brasil”.

A avaliação de Cassiolato é mais voltada para a questão das oportunidades estratégicas. “A crise é global e tem várias facetas. É quase consensual que o paradigma de consumo de massa baseado no uso intensivo de recursos não renováveis tende a acabar. A busca de um novo paradigma tecnológico para as novas fontes de energia, centrado na sustentabilidade, parece clara, e aí há uma enorme janela de oportunidades. Temos claramente problemas internos para os quais não se encontram soluções fora do País. Mas para isso precisamos ter uma política de inovação com P maiúsculo, em vez de uma política que tenta juntar universidade com empresa. Esta é a política que o Banco Mundial tenta vender aos países menos desenvolvidos. Do Brasil à África do Sul, da Moldávia ao Vietnã ou Colômbia, todos eles seguem os mesmos modelos e o resultado é praticamente nulo”.

Numa ótica sistêmica, Cassiolato propõe que os passos básicos para a montagem de uma política nacional de inovação sejam os mesmos dados por todo país desenvolvido, ou seja, “definir quais são as áreas tecnológicas importantes, chamar os atores produtivos para uma ação concentrada e estabelecer mecanismos de política não apenas para inovação, mas de política industrial stricto sensu, de acesso a mercados e projetos de exportação de médio e longo prazos. Precisamos de algo grande, mas no cenário atual não vejo perspectivas disso”.

Adelaide Antunes e Lia Hasenclever, diferentemente, apostam na preservação e na ampliação dos instrumentos atuais para aproveitar as janelas de oportunidades geradas no cenário de crise. “É fundamental manter o Profarma, o programa Inovar e a Finep. As FAPs serão importantes nesse processo, não faz sentido tirar recursos delas”, defende Antunes. Para Lia, o mais importante é “manter o foco da inovação nas empresas, provendo financiamento através de incentivos fiscais e subvenções econômicas; e garantir investimento público em estruturas de aproximação universidade-empresa, tais como NITs, incubadoras, laboratórios de simulação e caracterização de produtos”.

Pinguelli acrescenta que é preciso enfrentar os entraves burocráticos. O problema maior, em sua opinião, “é esse bando de advogados que ocupam os órgãos de controle. Eles agem na direção contrária, de impedir a relação da universidade com a empresa, que em geral é considerada suspeita. Remover esses obstáculos seria o ponto número um para estimular a relação produtiva do que se faz na universidade com aquilo que as empresas precisam. Nós aqui na Coppe temos a fundação Coppetec, que desempenha esse papel com razoável êxito”.

A preocupação de Kupfer e Cassiolato está voltada muito mais para o acesso das pequenas empresas inovadoras ao sistema público de financiamento. “É necessário aumentar a capacidade de alavancagem do recurso público e, neste caso, uma das medidas fundamentais é melhorar o acesso e a flexibilidade das contrapartidas requeridas do sistema empresarial na captação dos recursos de fomento”, argumenta Kupfer. “Isto deve ocorrer, no entanto, sem implicar em substituição de fonte de financiamento por parte das empresas. É preciso que os recursos sejam acessados, mas também é preciso evitar que a flexibilização dos marcos regulatórios dê margem ao processo de crowding out. Este seria o pior dos mundos: a empresa que iria investir um Real próprio em pesquisa troca esse recurso por Real público. Com isso, muda-se a fonte de financiamento sem que se aumente o volume de investimento em pesquisa, e então não saímos do lugar. É isto que vem diminuindo a efetividade do sistema no Brasil, na medida em que parte dos recursos está apenas substituindo o autofinanciamento das empresas por fontes externas, públicas, de financiamento à pesquisa”.

“O MAIS IMPORTANTE NESSE MOMENTO É RECOLOCAR A POLÍTICA BRASILEIRA DE INOVAÇÃO NUM NOVO CONTEXTO EM QUE SE PRIVILEGIE UMA MAIOR EFETIVIDADE DOS GASTOS REALIZADOS”
 – DAVID KUPFER

Cassiolato confirma a existência dessa distorção no sistema. “As empresas que não precisam, porque já fazem investimentos em inovação incremental ou, em alguns casos, até em inovação radical, vão buscar dinheiro em agências de fomento, porque é mais barato do que captar no mercado. As demais não se interessam. Pode-se dar o financiamento que for: a maioria das empresas não irá buscar, porque o financiamento cobre apenas o custo de produção da inovação. A questão principal que é o risco – tanto técnico quanto econômico – não está equacionada”.

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