A inovação no Brasil pode sobreviver à crise? A essa pergunta, o diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) João Carlos Ferraz responde que a capacidade brasileira de inovar sobreviverá à crise – e, espera-se, sairá mais forte e direcionada para os desafios do desenvolvimento. Em sua visão, para que isso aconteça, todas as instituições públicas e privadas devem manter estável, pelo menos, a participação relativa dos dispêndios em inovação nos investimentos. Afinal, inovação não é gasto e sim dispêndio para o futuro.
A inovação no Brasil pode sobreviver à crise? A essa pergunta, o diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) João Carlos Ferraz responde que a capacidade brasileira de inovar sobreviverá à crise – e, espera-se, sairá mais forte e direcionada para os desafios do desenvolvimento. Em sua visão, para que isso aconteça, todas as instituições públicas e privadas devem manter estável, pelo menos, a participação relativa dos dispêndios em inovação nos investimentos. Afinal, inovação não é gasto e sim dispêndio para o futuro.
“Naturalmente, durante os períodos de crescimento econômico, o setor de ciência, tecnologia e inovação amplia seu espaço. Quando o crescimento econômico é menor, é preciso manter sua posição relativa como forma de preparar as instituições e empresas para um novo ciclo de crescimento. Que virá, mais cedo ou mais tarde”, afirma Ferraz, ponderando que, infelizmente, o encolhimento de recursos já começou, com contingenciamentos nos fundos setoriais e a suspensão do benefício fiscal na Lei do Bem, por exemplo.
Nesta entrevista, o dirigente reflete sobre a importância de instituições de fomento como o BNDES, as causas do baixo investimento privado em atividades inovativas, e por que indústrias mais dinâmicas da economia conseguem fazer melhor a ponte com as universidades para obter conhecimento.
Como podemos equilibrar oferta e demanda de conhecimento em nosso sistema de inovação?
Pelo lado da oferta, precisamos avançar mais em capacitação de pessoas, principalmente em campos de conhecimento aplicado. Da mesma maneira, precisamos ter mais e melhor estrutura laboratorial para atender demandas empresariais latentes. Onde existem arquipélagos de excelência em pesquisa e desenvolvimento são necessários esforços explícitos e permanentes para aprofundar a interação com a demanda, ou seja, com a indústria e com os serviços.
Se mirarmos pelo lado da demanda, podemos observar que, onde prevalecem atividades de maior elasticidade- -renda e maior intensidade tecnológica, há uma maior propensão ao investimento em inovação. Dois destaques são dignos de nota. Primeiro, empresas de capital nacional, e em geral de menor porte, em segmentos como software e saúde. Segundo, empresas de capital estrangeiro, longamente estabelecidas no País, que, diante de um mercado de dimensões relevantes, estão revelando crescente disposição de instalar no País centros de pesquisa, dentro de uma lógica de atuação global.
De todo modo, o esforço em inovação das empresas no Brasil, independentemente da nacionalidade, está por volta de apenas 1,2% do PIB. Há casos de países em estágio de desenvolvimento similar investirem até o dobro do esforço brasileiro.
Por que isso acontece?
Essa característica pode ser explicada tanto do ponto de vista patrimonial, como do ponto de vista das estratégias de mercado das empresas. Mas uma razão fundamental é o nosso contexto econômico. Quando os horizontes de expectativa são curtos, a propensão ao investimento fixo é baixa, quanto mais em um investimento intangível e de retorno incerto como a inovação. Porém, se estes investimentos em inovação não são feitos, uma consequência é certa: a empresa fragiliza sua capacidade competitiva e sua sobrevivência no longo prazo.
Note, porém, como é relevante tratar a inovação tanto pela ótica da oferta quanto pela da demanda. Nas áreas em que temos dinamismo competitivo, há certa coerência entre nossa oferta e demanda por inovação. Isso acontece na saúde, no agronegócio e na energia. Esses três clusters conferem uma projeção brasileira na fronteira internacional, inclusive em relação a países em estágio similar.
Mas o investimento público não teria justamente o papel de incentivar o investimento privado futuro?
Sim. O protagonista na inovação é a empresa. Mas, frequentemente, os mercados não estão constituídos e a disposição em investir em espaços incertos é baixa. Por isto políticas de ciência, tecnologia e inovação recebem prioridade alta em países que buscam que suas empresas sejam competitivas internacionalmente. Os mecanismos utilizados são os tradicionais: incentivos fiscais, financiamentos de baixo custo, regulações que induzem parcerias entre empresas e institutos de pesquisa etc. Quanto mais eficientes forem as agências públicas, maior o impacto positivo das políticas públicas sobre o desempenho inovativo das empresas. Porém, este mundo também assiste a formas não convencionais de participação pública no processo inovador, principalmente através de agências públicas que assumem riscos mas também se beneficiam de resultados dos seus investimentos em inovação, sempre em parceria com o setor privado.
Com relação ao setor privado brasileiro, estamos assistindo a um processo gradual de incorporar a inovação nas agendas prioritárias das empresas, principalmente das empresas líderes industriais brasileiras. Digo isso ao observar a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), organizada no âmbito da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Fiquei surpreso ao ver que, em meio a um ambiente político conturbado no País, os empresários estavam discutindo na última reunião da MEI, em inícios de março, uma agenda estruturante para a inovação. Isso é um alento importante, pois mesmo num período muito complicado eles estão apontando a essencialidade de se investir no longo prazo.
É a história da crise que vira oportunidade?
Sim, mas estamos diante de uma oportunidade ainda mais estrutural: de mudança de referência para seus processos decisórios. Esses empresários veem que a inovação é o único caminho que terão para sustentar sua competitividade, independentemente do câmbio, da taxa de juros ou do ciclo econômico em que estejam.
Aí entra a dimensão que você mencionou, do papel do setor público. Desde o início dos anos 2000, o papel da inovação tem sido mantido nas distintas políticas industriais ou de inovação, mas elas vêm sendo afetadas por políticas macroeconômicas ou pelo ciclo econômico em que o Pais está.
Realizamos esforços importantes do ponto de vista regulatório – Lei do Bem, Lei da Inovação, Lei da Biodiversidade – e do ponto de vista de financiamento – com a expansão dos recursos da Finep e do BNDES. Em vários estados, as fundações de apoio à ciência e tecnologia ampliaram sua importância.
Existe, então, um arsenal importante à disposição e o que temos que fazer, do ponto de vista das políticas públicas, é manter a inovação nas prioridades. Naturalmente, durante os períodos de crescimento econômico, o setor de ciência, tecnologia e inovação amplia seu espaço. Quando o crescimento econômico é menor, é preciso manter sua posição relativa como forma de preparar as instituições e empresas para um novo ciclo de crescimento. Que virá, mais cedo ou mais tarde. Porém, como seria de se esperar, já há retração nos investimentos. É o que vimos com a supressão dos incentivos fiscais à inovação na Lei do Bem e com o contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Como o senhor vê o papel do BNDES enquanto parte desse “arsenal de fomento à inovação”?
O BNDES tem participado de todas as políticas industriais e de inovação desde o início dos anos 2000 e a inovação aumentou sua importância no planejamento e nos instrumentos de incentivo a partir de meados da década passada. Atualmente, do ponto de vista do crédito, a inovação recebe o melhor tratamento de prazo e de juros. Além disso, temos o Funtec, que são recursos não reembolsáveis destinados a institutos de pesquisa e que têm caráter mais estratégico para alavancar o investimento privado. Nossos desembolsos em inovação são crescentes: R$ 1,2 bilhão em 2008; R$ 1,7 bilhão em 2010; R$ 2,5 bilhões em 2012; R$ 3,9 bilhões em 2014, e chegamos a R$ 4,5 bilhões em 2015.
Há também participação em empresas?
O BNDES é grande investidor em capital de risco, com fundos de capital semente, venture capital e private equity. O BNDESPAR (braço de participações do banco) participa de 34 fundos que apoiam 136 companhias com um capital comprometido na ordem de R$ 2,5 bilhões. Este valor alavanca quatro vezes o investimento privado nesses fundos.
Também estamos mobilizados para chegarmos às pequenas e médias empresas inovadoras através das nossas operações indiretas executadas por agentes bancários. Finalmente, estamos financiando a expansão do Senai, inclusive sua rede laboratorial, com uma linha de crédito de R$ 1,5 bilhão. Além disso, temos programas setoriais como o Profarma.
Mas, em minha opinião, destaca-se nos últimos anos o Inova Empresa, iniciativa conjunta do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, tendo como órgãos executores a Finep e o BNDES. Definimos desafios estratégicos, lançamos chamadas públicas e as empresas apresentam seus planos de inovação. O interessante nesse programa é disponibilizar os instrumentos financeiros a partir de uma leitura dos desafios do País e da capacidade empresarial para enfrentá-los.
Quais são os principais resultados das últimas políticas industriais?
Ao longo dos anos vem crescendo a importância da inovação nas políticas industriais. A Lei do Bem surgiu na Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE). Na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), foram criadas as parcerias para o desenvolvimento produtivo em saúde. No Plano Brasil Maior, foi lançado o Inova Empresa. Houve uma evolução positiva e o desafio agora é manter a prioridade para a inovação nas políticas públicas.
Como o senhor vê o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação?
A Lei 13.243 almeja a trajetória correta, porque simplifica processos administrativos e de contratação pelas instituições de pesquisa, além de tentar integrar as empresas privadas ao sistema público, ampliando, por exemplo, a carga horária do docente em projetos corporativos. É uma iniciativa importante, que precisa ser urgentemente regulamentada para funcionar.
O senhor acredita que a inovação é a saída para a crise?
Há também outros elementos envolvidos. A inovação é absolutamente necessária para a sustentabilidade em longo prazo, mas não é suficiente para sairmos da crise econômica.