REVISTA FACTO
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Jan-Mar 2016 • ANO X • ISSN 2623-1177
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MINHA DÚVIDA PARA O ARTIGO DA FACTO: QUAL TEMA ABORDAR EM TEMPOS DE CRISE, OU DE CRISES?
//Artigo

MINHA DÚVIDA PARA O ARTIGO DA FACTO: QUAL TEMA ABORDAR EM TEMPOS DE CRISE, OU DE CRISES?

Inicialmente, este artigo estava destinado a ter um conteúdo relacionado a assunto que, de longa data, é uma de minhas preocupações: tem o governo, em seus programas de fomento às atividades de P,D&I, a modelagem mais adequada para o financiamento das atividades desenvolvidas pelas indústrias farmoquímicas e farmacêuticas?

Entendi que, talvez, o conteúdo de algumas observações sobre esse tema pudesse contribuir para uma reflexão sobre os modelos adotados até hoje e, em minha opinião, essa reflexão indicaria a necessidade de algumas importantes mudanças.

Nos últimos anos, as PDPs conduzidas pelo Ministério da Saúde se constituíram em modelo interessante, mas obviamente, após uma boa análise do já implementado e acompanhado, iria necessitar de ajustes visando seu aperfeiçoamento. No entanto, as alterações recentes não parecem ter sido as mais adequadas.

Outra novidade é o modelo que vem sendo utilizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), mas ainda com um pequeno número de operações em andamento. Nitidamente, a empresa hoje presidida por Jorge Guimarães está procurando não incorrer na possibilidade de expansão das atividades sem tomar as devidas cautelas. Mas, certamente, o modelo introduz alterações importantes e interessantes no apoio às atividades de P,D&I que envolvam/promovam a interação ICTs-Empresas.

Quero, neste ponto do artigo, mencionar que a motivação para o assunto deve-se, principalmente, ao que é sabido por todos: as atividades de P,D&I desenvolvidas pelas empresas farmoquímicas e farmacêuticas têm características extremamente complexas, e bastante distintas das realizadas pela maioria das empresas de outros setores. Estas características, se adequadamente analisadas e corretamente avaliadas, certamente demonstrarão a necessidade de se promover alterações nos modelos de financiamento – com recursos públicos – que até agora vêm sendo utilizados.

Mas creio que todos os leitores entenderão que, no atual momento, o tema inicialmente escolhido por este autor carece de importância que possa se sobrepor ao conjunto de fatos que estão ocorrendo na economia nacional. Estamos diante de uma grave crise, cujas componentes não são constituídas apenas por aspectos econômicos, pois a ela também se somam outras questões críticas, e que carreiam, como agravantes, riscos político-institucionais de consequências imprevisíveis para o País.

Lamentavelmente, não vemos a maior parte das importantes lideranças nacionais, chaves para uma saída concertada, envolvendo os mais importantes setores da sociedade brasileira e voltada para a busca de propostas para as saídas das diferentes crises que vivemos, e com a rapidez e a lucidez que a situação impõe.

Assim, a razão da dúvida contida no título deve-se ao fato de nos perguntarmos: que importância têm os aspectos mencionados diante de tantas consequências, potencialmente graves, e decorrentes das crises que o País está vivendo?

Lamentavelmente, a resposta que temos é que, mesmo que a intenção inicial tenha um possível mérito, neste momento talvez seja melhor abordar outros aspectos, também de enorme importância para as indústrias farmoquímicas e farmacêuticas nacionais.

E, assim, mudo o rumo de minha abordagem inicial e, preliminarmente, comento que é preciso compreender que a atual crise não é como outras que já ocorreram no Brasil. Ela tem características muito particulares, potencialmente mais perigosas que as anteriores, não só pelos impactos que já provoca na economia brasileira – que hoje tem uma dimensão inteiramente diferente da existente nos anos 60 do século passado – como também pelos sérios riscos relacionados à soberania nacional.

A História é repleta de exemplos de que, sempre nos momentos de crises que afetam países com economias mais “frágeis”, agentes econômicos de países que contam com economias mais “fortes” atuam de forma a se aproveitarem das consequências que, para eles, se tornam favoráveis nesses momentos, alguns deles atuando de forma que se pode classificar como “predadores econômicos”. Mas como vale a lei do mercado…

As estratégias e táticas dos atores envolvidos no aproveitamento dessas “súbitas” vantagens surgem de suas atentas observações do que ocorre em jogo de complexa “engenharia” geopolítica em que, na maioria das vezes, alguns deles também atuam fornecendo – ou movimentando – peças que lhes interessam. Para a maioria das consequências desse jogo, o Brasil, como tantos outros países de economias mais “frágeis”, não tem preparadas as medidas de prevenção e/ ou o saber para melhor defender seus interesses.

Pode ser que ao sair da atual crise – porque isso ocorrerá, mais cedo ou mais tarde, com importantes e certamente graves consequências – consiga o País ainda estar bem posicionado no contexto econômico global. De qualquer forma, não tenham dúvidas de que iremos pagar, por um longo tempo, pesados “dízimos” para nos mantermos em razoáveis patamares nos campos científico, tecnológico, econômico e social, e com possibilidades de ainda podermos anular significativos avanços alcançados até agora duramente conseguidos em todas essas áreas.

E, pelo exposto, espero que se justifiquem algumas considerações como as que se seguirão, que entendo melhor classificadas como alertas, mas que dizem respeito aos possíveis desdobramentos da crise sobre as indústrias farmoquímicas e farmacêuticas nacionais.

Há décadas sabemos da histórica dependência brasileira do fornecimento externo de importantes insumos para essas indústrias.

Entre as várias razões para uma maior atenção quanto aos riscos dessa dependência, podemos destacar, apenas como exemplos, dois que todos sabemos importantes por suas consequências:

– A importação de IFAs e de intermediários químicos

Ao longo dos últimos anos, várias empresas nacionais atuantes em farmoquímica encerraram suas atividades. Algumas das remanescentes diminuíram suas atividades, encerrando a produção de determinados produtos, e apenas mantendo a produção de outros, por vezes em menor escala. É importante lembrar que essas empresas são importantes para a sustentação das atividades de muitas companhias nacionais que atuam somente como farmacêuticas. As causas que resultaram para essa atual situação são muitas, sendo impossível – ou até desnecessário, neste momento – relacioná-las no espaço deste artigo.

– A importação de medicamentos acabados ou semiacabados

O aumento do acesso a medicamentos por uma grande parte da população, particularmente aquela assistida pelo Estado, sob a responsabilidade, direta ou indireta, do Ministério da Saúde, tem significativa importância nos gastos do governo. Os impactos da importação de um número significativo dos produtos acabados e semiacabados têm sido importantes e crescentes, e essa situação é agravada porque não há uma alternativa de produção nacional no curto espaço de tempo, até porque muitos deles são produzidos por tecnologias não dominadas pelas indústrias nacionais. Não podemos esquecer que os gastos com essas importações já vinham impactando seriamente o orçamento do MS, e a depreciação de nossa moeda vai agravar, e muito, a situação já existente.

Particularmente, é necessário destacar que o número de doenças crônico-degenerativas cresce em decorrência de uma maior expectativa de vida e muitos brasileiros já padecem de enfermidades com essas características. Os medicamentos utilizados no tratamento dessas doenças – entre as quais se encontra o câncer – são, em sua quase totalidade, importados e de alto valor unitário.

Tal demanda para medicamentos importados, nas taxas crescentes em que vem ocorrendo, embora preocupante para o governo com relação a seus gastos, sinaliza, há muito tempo, condições de mercado extremamente favoráveis para as empresas externas fornecedoras desses produtos ao Brasil.

Se continuarmos em visita a momentos da história brasileira nesse campo, veremos que, em raros momentos dos últimos 50 anos, tivemos algumas condições de viabilizar a criação, em particular, de um desejado número de empresas farmoquímicas.

Embora algumas ações do Estado ao longo desses anos tenham alcançado resultados positivos, por razões mais diversas objetivos mais ambiciosos ficaram inconclusos, e o resultado é a nossa atual fragilidade, particularmente na farmoquímica. Se tivéssemos alcançado muitos dos objetivos inicialmente pretendidos, talvez estivéssemos hoje em melhores condições para enfrentarmos a atual e grave situação.

Parte de nosso fracasso pode ser atribuído, lamentavelmente, à nossa incompetência de aproveitar algumas das oportunidades existentes em épocas mais favoráveis, e acabando por desperdiçá-las, muitas das vezes, de forma quase ingênua. Estamos sempre muito autoconfiantes, acreditando termos o melhor diagnóstico setorial, e as estratégias e táticas mais adequadas para eliminarmos alguns dos problemas considerados mais importantes, ou minimizamos ao máximo seus efeitos, o que sempre tem acabado em fracasso, pelo menos parcial. Isso se deve, em meu entendimento, a frequentemente nos esquecermos que, para as estratégias e táticas por nós formuladas, as indústrias estrangeiras conseguem ter defesas/respostas mais rápidas e capazes de anular os nossos lentos avanços.

De qualquer forma, na maior parte das vezes acabamos por não conseguir bons resultados quando as necessidades realmente se impõem, entre elas: o domínio de algumas tecnologias consideradas estratégicas para um país que pretende se destacar nos setores farmoquímico e farmacêutico. Quando conseguimos algum sucesso, sempre verificamos que já estamos outro passo atrás dos avanços tecnológicos desenvolvidos externamente, e tal situação resultará em novos problemas que teremos de enfrentar em futuro nem sempre muito distante.

Diversos trabalhos produzidos por pesquisadores especialistas no tema podem pormenorizar detalhes sobre o que vem ocorrendo historicamente nessa área, com avaliações mais precisas.

O que descrevo, de forma sumarizada, significa na realidade que: nunca estivemos devidamente preparados para levarmos avante, de forma realmente consistente, uma política industrial que permitisse um desenvolvimento sustentável dos setores farmoquímico e farmacêutico. Estas indústrias não são só importantes do ponto de vista econômico, elas são peças importantes no contexto da formulação de políticas de saúde de interesse da população brasileira e, como tal, estratégicas para a soberania nacional, mesmo que muitos não gostem dessa caracterização.

Nos últimos anos, embora tenhamos conseguido alguns poucos resultados decorrentes da implementação das recentes políticas industriais – é no plural mesmo, o que é lamentável –, esses resultados poderiam ter sido melhores.

No entanto, é sempre importante deixar bem estabelecido que uma das falhas frequentes, e que se apresentam de forma constante nas ações de nossas políticas setoriais, sejam elas industriais ou não, é a fantástica incapacidade nacional para a formação de um sistema em que os principais e diferentes atores que nele tenham algum papel, por menor que seja, atuem de maneira integrada e eficiente, criando uma sinergia que é absolutamente necessária para os resultados inicialmente pretendidos de serem alcançados.

Bom, mas e agora, o que pensar sobre o futuro?

É esperar que possamos sair dessas crises, com os menores danos possíveis e no menor horizonte de tempo.

Em meu entendimento, não teremos, no curto e médio prazo, condições de voltar a formular uma nova política industrial. E digo nova porque mesmo os frangalhos da que existiu – o tempo do verbo para mim está correto – não mais se adequarão às novas realidades, econômica e política, que emergirão dessa atual crise. Essa é a verdade.

As ações que aí estão, em quaisquer estágios/etapas de execução, continuarão na trajetória possível até que os programas que as viabilizaram sejam desmontados. Não tenham dúvidas.

Os formuladores da política econômica poderão ter, aparentemente, condições de, através de soluções que sejam favoráveis para acertar as contas públicas, equacionar o atendimento de algumas das necessidades mais urgentes de algumas áreas do governo, inclusive, como exemplo, as necessidades de recursos que possam dar continuidade/ sustentação às atividades da assistência farmacêutica garantida pelo Estado.

Muitos poderão perguntar: mas como garantirmos os custos de importação dos insumos e dos produtos acabados e semiacabados antes comentados?

Respondo com a argumentação – com a qual a essa altura dos acontecimentos tendo a concordar – feita em determinada oportunidade na ABIFINA por respeitado economista, que inclusive é estudioso das questões aqui abordadas: se tivermos uma balança comercial com bons e sustentáveis resultados de exportações de commodities brasileiras, como vínhamos alcançando até um passado recente, acrescidos das exportações de alguns poucos produtos manufaturados, agora com câmbio mais favorável, teremos uma possível sobra de receita “cambial”, suficiente para pagar nossas despesas decorrentes da dependência que temos na área da Saúde, e não precisaremos nos preocupar com essa coisa atrasada e, na maioria das vezes, rara de alcançar, que é a tal da soberania nacional.

Enfim, corremos o risco de que ganhe vulto o que foi preconizado em passado não tão remoto: “…a melhor política industrial é não ter política industrial”.

Gilberto Soares
Gilberto Soares
Diretor de Biotecnologia da ABIFINA.
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