Após dois anos de conversações entre o setor regulado e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o órgão publicou, no dia 7 de dezembro, alterações na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 58/2013 – agora RDC 53/2015. A norma disciplina como identificar produtos de degradação existentes em medicamentos com substâncias ativas sintéticas e semissintéticas. A RDC 58 havia sido publicada em 2013, mas com efeitos apenas a partir de dezembro de 2015, quando todos os produtos já deveriam estar adequados. Para a ABIFINA, que trabalhou desde o início no tema, o grande ganho da republicação é oferecer às empresas maior flexibilidade nos prazos para se adequarem à RDC (veja o quadro).
A mudança evitou que muitos medicamentos não conseguissem renovar seus registros e fossem retirados do mercado, uma vez que os produtores precisavam de mais tempo e investimentos para realizar os testes exigidos. O novo cronograma foi estabelecido pela Anvisa separando os produtos por classe, a partir de subsídios oferecidos por entidades representativas da indústria.
A ABIFINA, com participação de empresas associadas, desenvolveu um extenso e detalhado trabalho técnico, pontuando o quantitativo de produtos que deveriam se adequar até 2020, o valor a ser investido em equipamentos, as dificuldades de contratação de equipes especializadas, além de barreiras técnicas nos testes. A entidade atuou conjuntamente com a Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Nacionais (Alanac) e o Grupo FarmaBrasil.
Outro ponto atendido é que a nova norma atualiza e harmoniza as terminologias utilizadas, a fim de evitar a realização de testes de degradação desnecessários. Sobre a publicação do guia de produtos de degradação (a partir da Consulta Pública 68/2014), a Anvisa não deu previsão.
Outro ponto atendido é que a nova norma atualiza e harmoniza as terminologias utilizadas, a fim de evitar a realização de testes de degradação desnecessários. Sobre a publicação do guia de produtos de degradação (a partir da Consulta Pública 68/2014), a Anvisa não deu previsão.
Pela norma, todo novo pedido de registro ou renovação de registro deve ser acompanhado de estudos de degradação forçada. São testes que verificam a estabilidade de fármacos e de medicamentos sob condições extremas, como luz, temperatura, umidade. Eles buscam identificar os chamados “produtos de degradação” – impurezas resultantes de alterações químicas –, permitindo garantir a eficácia do medicamento.
O presidente da ABIFINA, Ogari Pacheco, participou de audiência convocada pelo ministro da Saúde, Marcelo Castro, acompanhado da Diretoria Colegiada da Anvisa. O encontro reuniu no dia 23 de novembro, em Brasília, as principais entidades dos setores farmoquímico, farmacêutico e biofarmacêutico nacionais. Também participaram o vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães, e o diretor de Relações Institucionais, Odilon Costa.
NANOTECNOLOGIA SERÁ DESTAQUE NA PAUTA DE 2016
Apesar do consenso na indústria e no governo de ser área portadora de futuro, a nanotecnologia ainda está engatinhando no Brasil – mas a boa notícia é que o mesmo acontece em todo o mundo. Justamente para entender as oportunidades para a indústria nacional e estruturar um plano de trabalho na área, a ABIFINA iniciou as atividades de seu Comitê Nano, formado por profissionais da Gerência Técnica da entidade, empresas associadas e representantes do governo.
Segundo dados apresentados na primeira reunião, no fim de setembro, por Anna Tempesta, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), cerca de 200 indústrias brasileiras trabalham com nanotecnologia, porém a maioria apenas compra essas tecnologias. Portanto, o problema está no desenvolvimento tecnológico nacional, apesar do maior número de pesquisas acadêmicas na área.
Os desafios identificados no Comitê e que devem ser a linha de atuação da ABIFINA começam na definição de padrões de referência para o que é um produto nano – o tamanho da partícula, formato e características físico-químicas. Mesmo que houvesse um conceito brasileiro, faltaria definir normas de Boas Práticas Fabricação e certificar laboratórios para realizarem os exames nanométricos, de análise de risco e nanotoxicológicos, como detalhou Cleila Pimenta, da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
Segundo ela, já há uma série de ações mundiais para padronização de normas em nanotecnologia. O Brasil aderiu recentemente ao projeto europeu NanoReg, que trata da regulação internacional na área. Também nesse sentido, o Comitê Consultivo em Nanotecnologia (formado por vários órgãos e empresas) recomendou, para o período de 2015 a 2018, uma pesquisa regulatória para evitar insegurança jurídica.
Esse último trabalho foi motivado pelo projeto de lei (PL) 5133/2013, que trata da rotulagem de produtos com nanotecnologia, e o PL 6741/2013, que trata da política nacional de nanotecnologia. No primeiro, o receio é que cause alarmismo entre os consumidores devido à falta de informação sobre o que é nanotecnologia. No segundo, pesquisadores teriam que pedir autorização para trabalhar na área, o que atravancaria as pesquisas.
Para aprofundar o entendimento do cenário no Brasil, a ABIFINA participou em novembro do 2º Ciclo de Diálogos de Nanotecnologia da ABDI e de visita ao Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). A instituição de 66 anos possui o Labnano, que recebe demanda de pesquisadores e de empresas, podendo produzir nanopartículas e dispositivos. O CBPF possui um equipamento, único no País, capaz de produzir nanomateriais e medi-los.
Levantamento da ABDI revela que as tendências da nanotecnologia são nas áreas de terapia, diagnóstico e regeneração tecidual (nanobiomateriais). No Brasil, os setores mais expressivos são farmácia e medicina (18%); nanomateriais e nanopartículas (16%); cosméticos (12%); produtos químicos (9%) e biotecnologia (9%). O governo considera que a energia deveria entrar nesse rol.
A partir das informações coletadas nas reuniões e eventos, a ABIFINA está montando a agenda de trabalho do Comitê Nano para 2016.
PRODUTO BIOLÓGICO É TEMA DE GRUPO DE TRABALHO
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que os negócios em biotecnologia devem contribuir com 2,7% do PIB dos países do grupo em 2030, principalmente por meio de produtos industriais para a saúde e o agronegócio. No entanto, a OCDE aponta que regulamentações mal desenhadas podem prejudicar o desenvolvimento industrial da biotecnologia. Para tratar desta agenda, a ABIFINA criou o Grupo de Trabalho Técnico (GTT) de Biológicos.
“A ABIFINA entende ser necessário simplificar o registro em situações específicas, como as dos biológicos de menor complexidade. Ao mesmo tempo, a segurança em saúde deve ser garantida. São medidas que estimulariam o conhecimento científico-tecnológico e a produção nacionais, além de oferecer à população opções mais acessíveis de tratamento, ao permitir a entrada de novos concorrentes no mercado”, analisa a analista técnica da ABIFINA Marina Moreira.
Os produtos biológicos constituem medicamentos de alta tecnologia. São produzidos a partir da cultura de células vivas, como bactérias e fungos, usados principalmente para tratamento de doenças crônicas e agudas, como câncer e esclerose múltipla.
Além do benefício ao paciente, os medicamentos produzidos por rota biotecnológica têm importância estratégica nas políticas de saúde pública. Considerando que os produtos biológicos representam 32% da despesa do governo com medicamentos, a produção nacional pode ser uma grande aliada para garantir o abastecimento e reduzir custos por meio dos biossimilares.
O primeiro produto biológico tido como biossimilar totalmente fabricado no Brasil obteve seu registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nos moldes da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 55/2010 (via da comparabilidade) em outubro deste ano. O produto foi aprovado para reduzir a duração da neutropenia e incidência da neutropenia febril em pacientes com neoplasias nãomielóides tratados com quimioterapia.
Pleitos à Anvisa – O GTT realizou quatro reuniões entre abril e novembro, em que definiu uma lista de pleitos para ser encaminhada à Anvisa. Uma pauta prioritária, neste primeiro momento, é a formulação de subsídios para a Anvisa criar uma normativa para os medicamentos biológicos de menor complexidade, visando simplificar o registro. Esta demanda veio da própria Anvisa quando o gerente-geral de Produtos Biológicos, Sangue, Tecidos, Células e Órgãos (GGPBS) da agência, Marcelo Moreira, visitou a ABIFINA em janeiro de 2015.
A grande questão é chegar a um consenso sobre o conceito de produto biológico de menor complexidade. Afinal, por definição os medicamentos biológicos se constituem de moléculas grandes e complexas, formadas por milhares de átomos. Elas têm maior instabilidade, podendo sofrer alterações facilmente. Para se manter as devidas características, segurança e eficácia do medicamento, o processo produtivo deve ser rigoroso e controlado.
Após as discussões, o GTT concluiu que devem ser considerados biológicos de menor complexidade os medicamentos com natureza molecular relativamente mais simples, portanto mais estáveis e passíveis de análise por metodologias usuais. “Esses produtos têm peculiaridades em relação às questões de qualidade e de estudos clínicos, o que diminuiria os custos e permitiria liberá-los para o mercado mais cedo”, explica Marina.
Considerando o risco sanitário, a Anvisa elaborou uma lista preliminar dos produtos que seriam enquadrados como biológicos de menor complexidade. A ABIFINA também está elaborando uma lista para apresentar à agência, a partir dos critérios propostos pelo GTT. Outra questão a ser tratada pelo grupo de trabalho são as possíveis adequações de produtos já registrados pela RDC 55/2010.
As outras pautas incluídas no pleito da ABIFINA à Anvisa são as situações de empresas que não conseguem renovar seus produtos nos moldes da RDC 49/2011 (requisitos para alterações e inclusões pós-registro dos produtos biológicos), a possível classificação de produtos considerados de “amplo histórico de uso” e a discussão mundial sobre as denominações para biossimilares.
PATENTES DO SETOR DE SAÚDE DEVEM EQUILIBRAR INTERESSES PÚBLICO E COMERCIAL
Em um momento em que países que abrigam sedes de multinacionais da indústria farmacêutica procuram enrijecer o regime de patentes com acordos tais como o Patent Prosecution Highway (PPH) e o Trans-Pacific Partnership (TPP), é fundamental para o setor se mobilizar na defesa de uma visão de propriedade intelectual que vise ao equilíbrio do interesse público em relação ao interesse comercial. Essa é a posição do 2º vice-presidente da ABIFINA, Reinaldo Guimarães. “No setor de medicamentos – que tem um impacto grande em direitos fundamentais constitucionais, como o direito à vida e à saúde – há uma tensão muito grande entre esses dois interesses e é preciso equilibrá-los”, afirma.
No início de novembro, Guimarães participou do seminário “Declaração sobre a proteção por meio de patentes”, organizado pela Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf), o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), a Sociedade Max Planck e o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). O evento leva o nome de um documento lançado em 2014 pelo Instituto Max Planck para Inovação e Competição, que teve como objetivo identificar os espaços legais existentes no Acordo TRIPs que permitam aos legisladores dos Estados soberanos implementarem um “sistema de patentes que melhor se adeque às suas capacidades tecnológicas”, estimulando a inovação.
“Esse documento é um contraponto em relação a uma investida global patrocinada pelas multinacionais farmacêuticas, que buscam um aprofundamento do regime de patentes. [A declaração] É uma iniciativa importante, que deve ser divulgada ao máximo”, afirma Guimarães. Para o 2º vice-presidente da ABIFINA, o debate sobre a necessidade de se valorizar o interesse público no regime de patentes em medicamentos e outros produtos de saúde ainda é muito desigual, mesmo sendo antigo. “Hoje em dia a gente vê inclusive órgãos governamentais, que deveriam defender a indústria nacional e o interesse público, no caso da saúde e da defesa da vida, entrando nesse jogo de radicalizar o regime de patentes”, complementa.