REVISTA FACTO
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Jul-Set 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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O PPH E A INDÚSTRIA NACIONAL
//Artigo

O PPH E A INDÚSTRIA NACIONAL

“If we did not have a patent system, it would be irresponsible, on the basis of our present knowledge of its economic consequences, to recommend instituting one. But since we have had a patent system for a long time, it would be irresponsible, on the basis of our present knowledge, to recommend abolishing it” Fritz Machlup (1958), economista austríaco-norte-americano que, em 1962, concebeu o conceito de “sociedade da informação”¹

Uma das leituras da reflexão de Machlup contida na epígrafe é a de que, em matéria de patentes, nem tão pouco, nem demais. Notícias sobre a importante visita da presidenta Dilma Rousseff aos Estados Unidos da América dão conta de uma possível adesão do Brasil, em caráter bilateral, ao denominado Patent Prosecution Highway (PPH). Essa iniciativa foi proposta originalmente pelo Japão aos Estados Unidos em 2006 e foi abraçada e ampliada pelos norte-americanos. Seu objetivo é o compartilhamento de exame de patentes entre os órgãos responsáveis pela propriedade intelectual (PI) nos países que a ela aderirem. O entendimento Brasil/EUA está expresso na declaração conjunta assinada entre os governos dos dois países: “os escritórios de patentes dos dois governos pretendem iniciar atividades de cooperação, após a data de assinatura desta Declaração Conjunta, incluindo a implementação de um programa-piloto de compartilhamento de exame de patentes, mutuamente benéfico, que facilitará o exame de pedidos de patentes que são depositados normalmente nos Estados Unidos e no Brasil”.

1. POR QUE O COMPARTILHAMENTO?

Segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), em 2013, foram globalmente depositados 2,6 milhões de pedidos de patentes, um crescimento de 9% em relação ao ano anterior. Destes, 81% foram feitos a cinco escritórios nacionais, em ordem decrescente – China, Estados Unidos, Japão, República da Coreia e União Europeia2. Pode-se ainda acrescentar que a maior parte dos depósitos nesses escritórios foi feita por residentes dos países respectivos. A globalização financeira e o crescimento da utilização de tecnologias de base científica no metabolismo industrial têm sido responsáveis pelo grande crescimento dos pedidos de depósito. Embora haja alguma controvérsia a respeito, isso pode, potencialmente, estar gerando novos e melhores produtos nos mercados. Entretanto, e aqui não há controvérsia, vem criando dificuldades para os escritórios, sendo a mais importante delas a gestão do tempo de análise para uma decisão final sobre uma patente. Em consequência, têm sido gerados grandes estoques de patentes não examinadas em prazos compatíveis com a dinâmica industrial (backlog). No nosso INPI, o backlog passa de 185 mil pedidos não examinados e o tempo médio para produtos de saúde está acima de 12 anos. Num cenário como esse, a ideia genérica de compartilhar exames parece tentadora. O PPH busca esse objetivo.

2. O QUE É O PPH

Muitos escritórios nacionais dispõem de regras que, por razões especificadas, permitem que um pedido de patente seja examinado antecipadamente, sem respeitar a ordem cronológica do depósito. Por exemplo, o INPI possui uma norma que permite o exame antecipado de pedidos de patente relativos a produtos importantes para o SUS e a operacionalização da mesma encontra-se atualmente em discussão no âmbito do Ministério da Saúde. Em outra vertente, a OMPI há muito estimula mecanismos de cooperação entre escritórios, entre os quais o mais conhecido é o Patent Cooperation Treaty (PCT), que é uma espécie de “patente internacional”. O PPH amplia esse mecanismo de cooperação, segundo regras que especifica. A mais geral estabelece que o primeiro escritório que examinar uma patente, a pedido do solicitante da mesma, pode enviar o seu exame para que outro escritório nacional o aproveite e faça um “exame antecipado” da mesma. Hoje, o PPH possui três variantes, cujos detalhes escapam ao escopo deste texto, mas que ampliam mais e mais a cooperação. Detalhes sobre os modelos podem ser encontrados no artigo de Musskopf e outros intitulado “Como Funciona o PPH”3. São eles: o PPH, o PPH-PCT e o Mottainai, que entraram em vigor nessa ordem.

3. OS POTENCIAIS PROBLEMAS POSTOS PELO PPH

A despeito da simplicidade e da clareza de sua justificativa, o PPH pode vir a alterar de modo importante as políticas nacionais de PI, e as duas principais preocupações a seu respeito residem (1) na potencial perda da soberania dos escritórios dos países que venham a aderir à iniciativa e (2) nos impactos decorrentes das assimetrias internacionais em termos de tecnologia e inovação industriais. Nações possuem políticas de PI distintas, a despeito da adesão a tratados internacionais homogeneizadores (o TRIPS é um deles). Essas políticas regulam as práticas de exame de patentes que, ainda que sustentadas em sólida base técnica, geram “culturas” institucionais distintas, subordinadas àquelas políticas nacionais. Estas, por sua vez, são (ou deveriam ser) tributárias da posição relativa do país quanto ao desenvolvimento industrial, à ciência, à tecnologia e à capacidade de inovar. Não resta dúvida de que, no plano global, existe uma enorme assimetria entre nações nesses campos. Os 81% de patentes depositadas em 2013 em escritórios de cinco países altamente desenvolvidos e industrializados demonstram cabalmente este fato. Daí que, na grande maioria das vezes, o primeiro exame terá sido realizado num desses cinco escritórios e, em consequência, os escritórios dos outros países aderentes ao PPH tenderão a realizar os seus exames segundo a “cultura” institucional e segundo uma ordem de prioridade que podem não ser as orientadoras de suas políticas nacionais. É bem verdade que o escritório que recebe o exame anteriormente realizado não é obrigado a seguir as considerações e conclusões do dossiê recebido. Entretanto, a tentação de economizar tempo e recursos será irresistível em escritórios como, por exemplo, o nosso INPI, assoberbado de trabalho e com enormes insuficiências de pessoal e condições laborais por vezes precárias.

4. ESTARÁ O PPH ESTIMULANDO A CONCESSÃO DE PATENTES?

Patentes são um importante estímulo à inovação, mas certamente não tão importante quanto a concorrência. E excessos na política de patentes são certamente inibidores da concorrência. Em recente matéria sob a forma de um quase manifesto – “Time to fix patents” 4 –, a revista The Economist propõe a revisão (e mesmo a extinção) do regime de patentes tal qual se apresenta hoje em dia, por existirem evidências de que ele não só não estimula a inovação, como pode inibi-la. Não precisamos chegar a tanto, inclusive pelas dificuldades políticas de se implantar tal reforma como sugere a epígrafe deste texto. Entretanto, não parece haver qualquer dúvida de que o patenteamento além da conta (sejam patentes de má qualidade ou mais tempo de proteção) é um desestímulo à concorrência e, portanto, ao interesse público. No terreno dos produtos industriais de saúde, esse fato é claramente observável, com o aparecimento dos medicamentos genéricos que não são cobertos por patentes e são muito mais baratos. E, do ponto de vista das políticas de saúde, medicamentos mais baratos significam a ampliação do acesso das pessoas aos mesmos. Portanto, exageros na concessão de patentes como, por exemplo, a produtos que apresentam modificações mínimas em relação a moléculas já conhecidas ou sem atividade realmente inventiva (patentes de má qualidade) ou patentes vigentes por mais de vinte anos, seja qual for o motivo, terminam por inibir a concorrência e restringir o acesso a medicamentos. Levantamento realizado a partir de dados do portal do PPH para os Estados Unidos mostram que, entre janeiro e junho de 2013, as concessões de patentes por meio da rota do PPH foram de 86% para o PPH tradicional, 88% para o PCT-PPH e de apenas 53% para o conjunto de aplicações examinadas5.

5. O PPH E AS ASSIMETRIAS

Outro problema posto por uma adesão acrítica ao PPH diz respeito aos setores industriais envolvidos no acordo. Nos acordos feitos até hoje, a adesão cobre os exames de patentes de todas as áreas da indústria e isso, em nosso ponto de vista, deve ser mais um motivo de cautela. Se vamos negociar algo quanto ao PPH, devemos (1) sugerir áreas industriais específicas a serem incluídas e (2) selecionar áreas nas quais não haja grandes assimetrias em termos de pesquisa, desenvolvimento e inovação entre os países envolvidos. No Brasil, são poucas as áreas nas quais esse segundo critério prevalece. Num primeiro relance, a área de petróleo e gás poderia ser uma delas, haja vista as tecnologias desenvolvidas pela Petrobras em conjunto com universidades e institutos de pesquisa. Da mesma forma, alguns segmentos da área agropecuária talvez fossem elegíveis graças ao domínio de tecnologias pela Embrapa. Felizmente, informação alificada vinda do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) esclarece que os entendimentos entre o Brasil e os EUA no terreno do PPH vão se concretizar como um projeto-piloto, por dois anos, exclusivamente na área de petróleo e gás. Em situação 100% oposta a essa área, situa-se a cadeia de química fina em suas vertentes farmoquímica, agroquímica e farmacêutica, bem como a área da biotecnologia “vermelha”. Podemos, aliás, agregar a essas os demais segmentos do Complexo Industrial da Saúde. Nestes, as assimetrias são gigantescas e não fará qualquer sentido incluí-los nas tratativas relativas ao PPH.

Voltando à epígrafe deste texto, poderíamos imaginar que seria politicamente irresponsável abolir ou mesmo enfraquecer o sistema de patentes entre nós. Entretanto, talvez não seja responsável estendê-lo além do que já temos. E uma adesão acrítica ao PPH seria, por certo, uma extensão desse sistema que não atenderia aos interesses da indústria brasileira. É de certo modo tranquilizador saber que uma posição de cautela já foi manifestada pela presidenta Dilma Rousseff em 2011, quando houve um primeiro convite de adesão ao PPH, então sem as cautelas que, responsavelmente, o MDIC está tendo agora.

  1. Epígrafe retirada de Boldrin, M.; Levine, D. K. The Case Against Patents. Acessível em: http://www.economia.unipd.it/sites/decon.unipd.it/files/paper-seminario-24102013.pdf
  2. http://www.wipo.int/edocs/pubdocs/en/wipo_pub_941_2014.pdf
  3. Musskopf, B. et al. Como Funciona o Patent Prosecution Highway. Revista Economia & Tecnologia, vol.10, número 3, p. 55-79, jul/set 2014.
  4. http://www.economist.com/news/leaders/21660522-ideas-fuel-economy-todays-patent-systems-are-rotten-way-rewarding-them-time-fix
  5. Xiarui, D. Patent Prosecution Highway and its Application. China Inte
Reinaldo Guimarães
Reinaldo Guimarães
2º vice-presidente da ABIFINA.
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