REVISTA FACTO
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Jul-Set 2015 • ANO IX • ISSN 2623-1177
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//Matéria Política

REPENSAR A POLÍTICA INDUSTRIAL UMA TAREFA PARA TEMPOS DE CRISE

A contínua elevação do déficit comercial da indústria nacional de química fina, associado ao presente cenário de crise política e econômica, exige uma reflexão em profundidade sobre as causas e possíveis soluções para o problema da desindustrialização em setores industriais de alto valor agregado. A crônica dependência da importação de insumos estratégicos neutralizou os ganhos competitivos que a indústria local poderia auferir com a alta do dólar. O sentimento predominante na indústria é o de que instrumentos de política industrial concebidos para apoiar este ou aquele segmento específico já não são suficientes. As vantagens propiciadas pelas políticas públicas de fomento têm sido tragadas por um ambiente adverso, quase hostil ao crescimento industrial.

Em artigo publicado na revista Carta Capital de 12 de agosto sobre o processo de desindustrialização, o economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo comentou que “a falsa inserção competitiva da economia brasileira está cobrando o seu preço”. Ele afirma que o Brasil percorreu o caminho inverso dos asiáticos, que abriram a economia para as importações redutoras de custos. “A abertura asiática estava comprometida com os ganhos de produtividade voltados para o aumento das exportações. As relações importações/ exportações faziam parte das políticas industriais, ou seja, do projeto que combinava o avanço das grandes empresas nacionais nos mercados globais e a proteção do mercado interno. As importações não tinham o objetivo de abastecer o consumo das populações. Estas se beneficiaram, sim, dos ganhos de produtividade e da diferenciação da estrutura produtiva assentada em elevadas taxas de investimento”.

Um rigoroso ajuste fiscal, combinado com outras medidas potencialmente recessivas, é o preço que a economia brasileira paga hoje pelo caminho trilhado nas últimas duas décadas. Haveria alternativas mais brandas? Talvez não. “O ajuste fiscal é doloroso, mas necessário” , afirma o presidente do laboratório Cristália, Ogari Pacheco. “Sem o reequilíbrio das contas públicas, o País não conseguirá trilhar novamente o caminho do crescimento sustentável. Mas, como todo remédio, há efeitos colaterais. A redução dos gastos públicos e a elevação da taxa de juros, com o objetivo de reduzir a inflação, trazem recessão, que esperamos não seja muito longa”.

OBSTÁCULOS ESTRUTURAIS


Entre empresários e executivos da indústria prevalece o sentimento de que produzir no Brasil é um eterno remar contra a maré. Em que pesem políticas específicas de apoio a este ou aquele setor, ou períodos de câmbio favorável como o que vivemos hoje, o ambiente de negócios para a indústria é adverso. Isso decorre de fatores estruturais – macroeconômicos, socioculturais etc. – e também de uma certa inércia da máquina pública, ainda contaminada por práticas herdadas da política econômica neoliberal dos anos 1990.

Segundo Peter Martin Andersen, presidente do grupo Centroflora, até mesmo as barreiras erguidas pelo governo com o objetivo de estimular a produção local funcionam de forma precária. “As barreiras que o Brasil criou nos últimos anos teoricamente protegem a indústria nacional por um curto espaço de tempo, mas a médio e longo prazo elas trabalham exatamente ao contrário. Trata-se de uma proteção entre aspas, que basicamente faz as empresas pararem no tempo quanto à inovação, quanto à agressividade comercial e a competitividade”.

A falta de avanços na questão tributária é um sério obstáculo, na opinião do empresário. “É preciso tornar saudável o ambiente – e eu incluo a carga tributária como parte desse ambiente – para que possamos derrubar as barreiras e de fato ter o País inserido no comércio mundial. É fundamental, nesse contexto, redesenhar o tamanho do Estado brasileiro. Se ele não reduzir seus gastos, não adianta nada reduzir a carga tributária, porque o déficit irá crescer”.

A política de inovação, segundo Andersen, não tem força para se contrapor à maré. “Teoricamente temos um processo no Brasil que fomenta inovação, via Finep, Fapesp etc., mas na prática esses instrumentos funcionam de forma pouco ágil para acompanhar o ritmo de inovação que ocorre no mundo. Há também uma trava cultural. Temos fraca cultura de inovação no Brasil, nossa cultura é de mercado”.

O presidente da Globe Química, Jean Daniel Peter, também aponta como um grave empecilho a carga tributária brasileira, “uma das mais altas do mundo. Nossa indústria paga em torno de 45% do seu faturamento em impostos e taxas”. Mas, assim como Andersen, assinala a relevância dos fatores de ordem cultural. “O problema básico da indústria no Brasil é a falta de competitividade, e competividade é uma combinação de cultura e política. Afora isso, temos o problema da educação fundamental, que é um processo de longo prazo. Todos esses são processos são de longo prazo. A desindustrialização está ocorrendo, e vai continuar, porque a indústria nacional só tem competitividade no momento em que pode contar com alguma vantagem excepcional – por exemplo, uma barreira qualquer contra o produto importado”.

Dificuldades de escala e de logística de modo geral, embora também comprometam a competitividade industrial, constituem hoje questões secundárias, segundo o presidente da Globe. “Esses problemas podem ser resolvidos tecnicamente, mas eles por si só não vão resolver os problemas da indústria. Sou bastante pessimista em relação à reversão do processo de desindustrialização do Brasil no curto e no médio prazo. Chegamos a um ponto em que o governo não tem mais como ajudar artificialmente alguns setores industriais, como fez o último governo Dilma. E o modelo expansionista baseado no consumo de produtos importados através de financiamento barato para a sociedade está esgotado também. Sinceramente, não estou otimista com relação à capacidade do atual governo de fazer um plano consistente que resolva o problema essencial do País, que é equilibrar as contas públicas”.

“TEMOS DE CONVIVER COM UMA BUROCRACIA INFERNAL. NO BRASIL, PARA CADA PESSOA OCUPADA EM ATIVIDADE PRODUTIVA HÁ DIVERSAS OUTRAS ENVOLVIDAS COM BUROCRACIA – REGULATÓRIO, ADMINISTRAÇÃO, RECURSOS HUMANOS, CONTABILIDADE ETC. COMPARANDO COM OS EUA, TEMOS QUATRO VEZES MAIS PROFISSIONAIS DE STAFF PARA CADA PROFISSIONAL PRODUTIVO” JEAN PETER

O cenário macroeconômico está no centro das preocupações de Poliana Silva, diretora do Laboratório Simões. “O modelo de crescimento pautado no consumo das famílias, que funcionou para mitigar os efeitos da crise de 2008/2009, está exaurido. Temos uma demanda doméstica sem qualquer força de reação. A inflação se aproxima de dois dígitos e corrói o poder de compra dos brasileiros. Só no primeiro trimestre de 2015 foram mais de 300 mil vagas fechadas em todo o Brasil”. Em sua opinião a retração do emprego formal é especialmente preocupante, “pois resulta diretamente na queda da confiança do consumidor, o que leva à redução do consumo. Ou seja, os impactos recessivos da elevação dos juros vão se desdobrar até meados de 2016”.

Poliana Silva não vislumbra chances de retomada do crescimento do PIB brasileiro no curto prazo e, assim como os demais entrevistados, entende que isto se deve a uma gama de fatores estruturais e não apenas conjunturais. “Gargalos de infraestrutura dificultam e encarecem o escoamento da produção; a alta e complexa carga tributária, assim como a burocracia excessiva, deixam o ambiente de negócios no Brasil tortuoso. E, para piorar esse cenário, não há incentivos ao investimento, principalmente de longo prazo”.

Para Sérgio Frangioni, CEO da Blanver, não há como negar o mérito das políticas que antecederam o atual cenário de crise. “Durante as últimas décadas, com o controle da inflação e os programas sociais, principalmente, houve um processo de inclusão social muito importante. O resultado foi o aumento do consumo e da renda em todos os segmentos. Porém, o aumento do consumo foi mais rápido que a reação do nosso governo com relação aos problemas de infraestrutura, custo financeiro e estrutura tributária, o que fez com que nossa indústria perdesse competitividade. Isto beneficiou os países asiáticos, que têm políticas de exportação muito agressivas, justamente ao contrário da nossa, que sempre privilegiou a importação por baixo preço”.

“COMO O AMBIENTE AGRÍCOLA EM QUE NÓS TRABALHAMOS É MUITO DINÂMICO, UMA TECNOLOGIA DESENVOLVIDA HOJE PARA DETERMINADO USO OU COMBATE A UMA PRAGA IMPORTANTE PODE DEIXAR DE SER ÚTIL OU CONVENIENTE AO LONGO DO TEMPO” LUÍS HENRIQUE RAHMEIER

A conjuntura cambial, que vinha sendo apontada como um dos maiores obstáculos à competitividade da indústria brasileira no período de real apreciado, hoje é interpretada de forma diferente pelo setor empresarial. Peter Andersen entende que o câmbio tem sido mais um fator de insegurança entre outros que afetam a indústria. “Não importa se o dólar vai estar a R$ 2, R$ 3 ou R$ 4. Eu precisaria saber como ele vai estar daqui a um ano, e isto é imprevisível”. Sérgio Frangioni, por sua vez, embora reconheça que a atual relação entre o real e o dólar contribui para injetar algum ânimo na indústria, entende que o câmbio ampliou sua influência sobre os resultados da economia brasileira. “Por muitos anos dizia-se que a alta do dólar era favorável à exportação, mas, devido à contínua importação de bens de consumo, a taxa de câmbio passou a determinar até mesmo a competitividade da indústria nacional no mercado interno”.

BUROCRACIA E REGULAÇÃO: BARREIRAS INVERTIDA

Dentro do ambiente adverso que empresários e executivos apontam como freio ao desenvolvimento da indústria, o peso da burocracia e a injustiça regulatória se destacam como tópicos de grande relevância. Sérgio Frangioni afirma que, além da excessiva carga tributária, a complexidade do sistema brasileiro de impostos demanda um elevado nível de controle e burocracia em nossas indústrias, o que onera ainda mais o custo das operações. “Temos de conviver com uma burocracia infernal”, reitera Jean Peter. “No Brasil, para cada pessoa ocupada em atividade produtiva há diversas outras envolvidas com burocracia – regulatório, administração, recursos humanos, contabilidade etc. Comparando com os EUA, temos quatro vezes mais profissionais de staff para cada profissional produtivo”.

A desigualdade de tratamento regulatório entre o produto fabricado no Brasil e o importado, que também se traduz numa desigualdade ao nível burocrático, é uma das causas do agravamento do déficit comercial brasileiro na área da química fina. Segundo o presidente da Globe, “hoje quase toda a matéria-prima (98% em volume) utilizada na fabricação nacional de medicamentos genéricos é importada da Ásia – principalmente da China e da Índia. Muitos desses produtos não estão sujeitos ao mesmo sistema regulatório que controla nossa indústria”.

A indústria nacional não postula nenhum tipo de flexibilização das normas sanitárias, mas tão somente tratamento isonômico em relação aos concorrentes estrangeiros. “O relaxamento regulatório do Brasil faz com que muitos fornecedores estrangeiros não cumpram exigências que nós, produtores nacionais, somos obrigados a cumprir”, sublinha Jean Peter. “Isto cria dois problemas: dá uma vantagem competitiva tremenda para o exportador estrangeiro e implica um risco sanitário considerável para o consumidor brasileiro”.

A falta de isonomia regulatória também se confirma no segmento agroquímico e mina a competitividade da indústria agroquímica nacional. Para Jurandir Paccini Neto, presidente da OuroFino Agrociência, as fábricas instaladas no Brasil sofrem rigorosas inspeções da Anvisa e dos demais órgãos reguladores, enquanto que os produtos importados prontos para uso não passam por nenhum tipo de inspeção – o que pode, inclusive, trazer riscos à agricultura, tanto sanitários, quanto ambientais.

Um outro aspecto do ambiente de negócios que, na opinião de Paccini, tem sido decisivo para manter a indústria agroquímica nacional deficitária e dependente de importações é a injustiça tributária. “Diferentemente de outros setores da indústria química, o setor de agroquímicos está instalado no País. Acontece que as fábricas não produzem aqui porque, em muitos casos, o imposto de importação do produto acabado é zero e o imposto de importação da matéria-prima para esse mesmo produto chega a 12% – uma decisão equivocada, tomada dez anos atrás, que levou à desindustrialização do setor”.

Se o defensivo agrícola está sendo importado pronto não é porque falta indústria ou recursos financeiros, mas porque há uma desvantagem tributária para a produção local, argumenta Paccini. “Até dez anos atrás, a importação de produto agroquímico pronto, acabado, era insignificante. Quase 100% da formulação, assim como algo entre 30% a 40% da síntese de ingredientes ativos, eram realizados no Brasil. Hoje, praticamente não temos mais síntese de ingredientes ativos e a importação de produtos formulados saltou de quase zero para 35% do mercado. Isto causou no ano passado um déficit na balança comercial brasileira de US$ 7,5 bilhões”. Então, segundo o presidente da OuroFino, nas áreas tributária e regulatória temos dois pesos e duas medidas colocando o produto nacional em desvantagem frente ao importado. “Em consequência desses problemas temos, além de um déficit comercial significativo, retração do emprego e da arrecadação de impostos na indústria nacional”.

Para Luís Henrique Rahmeier, diretor de Desenvolvimento de Produto e Registro da Nufarm, a desindustrialização no segmento agroquímico decorre da persistente ineficiência da burocracia estatal, especialmente na área regulatória. “A indústria continua se ressentindo da falta de um marco regulatório mais ágil e previsível, que facilite a obtenção de registros e licenças. É muito difícil trabalhar num ambiente em que os investimentos em inovação e na expansão de instalações ficam sujeitos a processos de aprovação quase sempre demorados – cinco a sete anos. Como o ambiente agrícola em que nós trabalhamos é muito dinâmico, uma tecnologia desenvolvida hoje para determinado uso ou combate a uma praga importante pode deixar de ser útil ou conveniente no decorrer desse prazo”.

Rahmeier lamenta a perda de oportunidades decorrente desse ambiente desfavorável. “O mercado agroquímico brasileiro é hoje o maior do mundo. Nos últimos três ou quatro anos, cresceu dois dígitos ao ano, e mais que dobrou nos últimos cinco anos. Mas, ao contrário do que seria a tendência natural do desenvolvimento econômico, cada vez mais importamos e deixamos de produzir localmente esses insumos indispensáveis ao agronegócio. A capacidade produtiva interna se reduziu e as importações de produto pronto, formulado, vêm aumentando consistentemente ano a ano”.

COMO VIRAR O JOGO

O fato é que a indústria brasileira está perdendo feio para a concorrência internacional, e a alta do dólar não passa de um alívio transitório. É preciso virar esse jogo. Para isso será necessário incutir na máquina pública um senso de corresponsabilidade para com a sobrevivência da indústria local. O momento é mais do que oportuno para uma reflexão, por parte dos órgãos regulatórios, acerca do seu papel na reversão do processo de desindustrialização que ameaça corroer as bases da economia brasileira.

“Acredito que, apesar da retração econômica e do aumento de juros, o agronegócio em geral vai continuar pujante, porque existe uma demanda mundial por alimentos, por commodities agrícolas, que vai continuar se sustentando, talvez com pequenos ajustes”, avalia Luís Rahmeier. “Esta é uma boa oportunidade para se promover a reindustrialização do Brasil. Minha sugestão consiste na adoção, em curto prazo, de medidas desburocratizantes infralegais, que dispensem mexer em leis e decretos e requeiram apenas vontade política para operacionalizar melhor o que já existe”.

“O AUMENTO DA COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA NACIONAL REQUER UMA REFORMA TRIBUTÁRIA QUE SIMPLIFIQUE A COMPLEXA SISTEMÁTICA DE IMPOSTOS VIGENTE, TORNANDO-A MAIS JUSTA, PRESERVANDO AS EMPRESAS EFETIVAMENTE PRODUTORAS. ISTO PRESERVARIA RECURSOS QUE PODERIAM SER INVESTIDOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO” OGARI PACHECO.

Para Jean Peter, trata-se de sensibilizar o poder público quanto à relevância da isonomia regulatória, ou seja, de aplicar ao fornecedor estrangeiro as mesmas exigências e o mesmo rigor na fiscalização que se praticam aqui, seja no plano sanitário ou ambiental. “Sei que não é fácil, a Anvisa alega que não tem pessoal para fiscalizar as empresas no exterior, mas é importante”. O presidente da Globe vai além e insiste na adoção de um procedimento que, embora não seja novidade e conte com boa receptividade dentro do governo, até hoje não foi implantado. “Novos registros de produtos feitos no País deveriam ter prioridade na Anvisa, especialmente quando se trata da inclusão de um fornecedor nacional. Hoje, o registro de um produto leva de três a cinco anos. Sendo esse produto fabricado com matéria-prima nacional, poderia haver um fast track. Nós temos um produto, uma planta industrial, temos o cliente que quer comprar, e faz um ano e meio que estamos aguardando o direito de vender esse produto. Assim fica difícil”.

Outra medida de apoio à reindustrialização, especificamente no segmento farmacêutico, é a renovação das PDPs. Na visão de Jean Peter, elas produziram um grande efeito, que agora está se esvaziando. “O GCIS/Ministério da Saúde está se tornando mais um centro burocrático do que um centro de desenvolvimento setorial. Se houve abusos, que se resolvam os abusos e não se prejudique quem quer trabalhar. Temos esse hábito, que é uma herança cultural da Europa do sul, de fundamentar demais as políticas públicas em regulamentos e leis, como se tudo isso eliminasse os riscos de desvios de recursos. Ao contrário, o excesso de regulamento tende a substituir o julgamento e a inteligência dos gestores e dá espaço para pessoas desonestas se aproveitarem desses regulamentos justamente para tirar vantagens pessoais”.

Na opinião de Poliana Silva o cenário macroeconômico precisa se estabilizar antes de quaisquer medidas de cunho setorial. “O ajuste fiscal tem que se concluir, depois se faz uma agenda de competitividade para indústria. O desafio do atual governo é fazer a economia crescer com juros altos em um ambiente externo de lenta recuperação e estagnação da demanda interna. É imprescindível criar condições para um recuo estrutural da taxa de juros e um aumento sustentável do PIB – um ajuste fiscal que combine redução dos gastos correntes com um programa de venda de ativos”.

“GARGALOS DE INFRAESTRUTURA DIFICULTAM E ENCARECEM O ESCOAMENTO DA PRODUÇÃO; A ALTA E COMPLEXA CARGA TRIBUTÁRIA, ASSIM COMO A BUROCRACIA EXCESSIVA, DEIXAM O AMBIENTE DE NEGÓCIOS NO BRASIL TORTUOSO. E PARA PIORAR ESSE CENÁRIO NÃO HÁ INCENTIVOS AO INVESTIMENTO, PRINCIPALMENTE DE LONGO PRAZO” POLIANA SILVA.

Passada a fase de ajuste fiscal, prossegue a diretora do Laboratório Simões, “será preciso implantar uma agenda de aumento da competitividade da indústria brasileira, o que significa reduzir custos sistêmicos, diminuir a burocracia e elevar a produtividade. Os instrumentos tradicionais de política industrial não dão conta desse desafio, nem são capazes de superar os atuais entraves à competitividade no médio prazo. Por isso, é de suma importância estimular investimentos privados por meio das Parcerias Público-Privadas. Assim, teremos um ambiente de maior previsibilidade quanto ao retorno dos investimentos de longo prazo”.

O segmento agroquímico tem a desvantagem de não contar com parcerias envolvendo o governo, mas, por outro lado, tem a grande vantagem de um mercado consumidor pujante, pouco afetado pela crise. Para Jurandir Paccini, a medida imediata e urgente é a correção – ou melhor, inversão – da escala tributária no caso dos defensivos agrícolas, de forma a se tributar preferencialmente o produto acabado e não a matéria-prima. Outra medida seria a priorização pelos órgãos regulatórios, a exemplo do que pleiteia a indústria farmacêutica, dos registros de produtos a serem fabricados no País. “Tais medidas não expressam somente a minha opinião particular”, explica Paccini. “Elas constam de um estudo muito bem conduzido pelo BNDES a pedido da Casa Civil da Presidência da República, que aponta esse caminho para resolver o problema da indústria de agroquímicos instalada no País e reverter o tremendo déficit na balança comercial”.

Luís Rahmeier também se apoia nesse estudo do BNDES para afirmar que a alavancagem da indústria agroquímica nacional é bom negócio para o País. “É o segmento de maior potencial de crescimento dentro da indústria química, e está muito reprimido. Num mercado de aproximadamente US$ 11 bilhões, nós hoje importamos US$ 6 bilhões em matérias primas e produtos acabados, enquanto as indústrias aqui instaladas exportam apenas US$ 500 milhões. O potencial de crescimento é grande, o valor agregado dessas exportações e desses materiais é bastante significativo e a expansão seria de rápida implementação. Em pouco tempo – cinco ou seis anos – poderíamos ter uma plataforma bastante interessante para produção interna e exportação”.

O maior entrave, na opinião do diretor da Nufarm, seria a estabilização do marco regulatório de forma que as empresas possam sentir-se seguras para realizar investimentos. “A incerteza e a falta de consolidação do marco regulatório fazem com que as empresas tomem a decisão de esperar, mesmo quando têm produto já aprovado. Elas preferem importar o produto pronto para evitar o risco do investimento”.

A formação de tal ambiente contempla, sem dúvida, aspectos da política tributária. Para Ogari Pacheco, o aumento da competitividade da indústria nacional requer “uma reforma tributária que simplifique a complexa sistemática de impostos vigente, tornando-a mais justa, preservando as empresas efetivamente produtoras. Isto preservaria recursos que poderiam ser investidos em pesquisa e desenvolvimento”.

INJEÇÃO DE OTIMISMO

A constatação de que a crise econômica tem componentes estruturais e de que as dificuldades vividas hoje pelo País decorrem em parte de suas raízes culturais não chega a abater o ânimo de todos os empresários e executivos entrevistados. “Vejo muito pessimismo por aí, e pessimismo trava”, provoca Peter Andersen. “Existem formas de fazer diferente e melhor. Toda crise ensina, e isso deve nos levar a buscar soluções”.

Em sua opinião, a solução para os problemas apontados consiste na criação de um ambiente mais favorável à competitividade das indústrias. “A criação desse ambiente passa por capacitação de mão de obra, legislação trabalhista e por um sistema fiscal e regulatório mais inteligente. Um ambiente propício e a derrubada das barreiras farão com que a empresa brasileira fique mais exposta e cresça de maneira mais salutar, potencializando suas forças e desenvolvendo competência para enfrentar a competição internacional”.

Para Pedro Palmeira, chefe do Departamento de Produtos para Saúde do BNDES, a retomada do crescimento econômico brasileiro deve se dar a partir de um projeto de desenvolvimento que inclua a inovação e a produtividade no cerne das estratégias industriais. “Essa visão deve permear a elaboração das políticas públicas brasileiras. A história mostra que políticas industriais e de inovação precisam de resiliência e tempo para promoverem mudanças qualitativas na estrutura produtiva de um país”.

Palmeira assinala que a indústria farmacêutica vive uma trajetória de desenvolvimento positiva, mesmo no cenário de retração recente da economia brasileira. “O BNDES vem observando um cenário cada vez mais acirrado de concorrência no mercado, particularmente no segmento de genéricos. Essa constatação tem contribuído para impulsionar as empresas farmacêuticas nacionais na busca por posicionamentos competitivos baseados na diferenciação de produtos e no desenvolvimento de medicamentos de maior valor agregado”.

Segundo o executivo, três principais estratégias têm sido utilizadas pelas empresas e apoiadas pelo BNDES nesse processo: “a primeira é um grande esforço em torno da construção de um parque de biotecnologia no País, com investimentos previstos de R$ 1,5 bilhão nos próximos dois anos; a segunda é um aumento expressivo de projetos relacionados à inovação em medicamentos, que se podem ampliar com a edição do novo marco legal de acesso à biodiversidade brasileira; por fim, o terceiro movimento estratégico é o da internacionalização, para acesso a novos mercados, aproveitando-se o novo patamar da taxa de câmbio, e a competências tecnológicas não dominadas pelo País”.

Essa visão de longo prazo tem orientado o BNDES ao longo de doze anos de atuação na cadeia farmacêutica, independentemente das variações de curto prazo da economia, assevera Palmeira. “Ampliar a coordenação entre as principais variáveis de política pública para saúde – financiamento adequado, regulação favorável ao desenvolvimento e uso do poder de compra do Estado – parece ser o caminho para induzir a trajetória em direção a uma indústria mais inovadora e competitiva”.

Um exemplo de sucesso com base na inovação e na autonomia tecnológica é o da Cristália, que tem uma estimativa de crescimento nominal de 6% para este ano. Segundo Ogari Pacheco, a desvalorização do real em relação ao dólar teve menor impacto na operação da empresa, “pois nossa farmoquímica já produz cerca de 50% dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) necessários à fabricação de nossos medicamentos. Na outra ponta, os produtos brasileiros voltaram a ficar com preços mais competitivos no exterior e pretendemos incrementar nossas exportações de 6% para 10% do faturamento”.

Pacheco explica que, embora a recessão venha afetando bastante alguns setores da economia, a indústria farmacêutica vive uma situação diferente. “Por características específicas do setor farmacêutico, porque fornecemos produtos essenciais à vida, temos sofrido menos. Por mais dificuldade que tenhamos, existem coisas que não podem faltar, e os medicamentos estão entre elas.”

O presidente da Cristália lembra que “não é a primeira vez que nadamos contra a correnteza. Estamos nos preparando para aumentar as exportações já há algum tempo. Tal qual um plantio: você colhe depois de ter preparado e plantado adequadamente um terreno. Agora, justamente quando o cenário melhorou para exportar, estamos tendo a oportunidade e a felicidade de aumentar a exportação como consequência de um trabalho feito há vários anos, tanto de IFAs, quanto de produtos terminados”.

“TEORICAMENTE TEMOS UM PROCESSO NO BRASIL QUE FOMENTA INOVAÇÃO, VIA FINEP, FAPESP, ETC., MAS NA PRÁTICA ESSES INSTRUMENTOS FUNCIONAM DE FORMA POUCO ÁGIL PARA ACOMPANHAR O RITMO DE INOVAÇÃO QUE OCORRE NO MUNDO. HÁ TAMBÉM UMA TRAVA CULTURAL. TEMOS FRACA CULTURA DE INOVAÇÃO NO BRASIL, NOSSA CULTURA É DE MERCADO” PETER MARTIM ANDERSEN.

Para que o setor farmacêutico continue crescendo e se desenvolvendo será necessário, de acordo com o presidente da Cristália, implantar uma política industrial de médio e longo prazo. “As PDPs continuarão sendo importantes para os setores farmacêutico e farmoquímico. Quando o governo montou a política industrial para saúde, por meios das PDPs, os pilares principais eram a internalização do conhecimento e a verticalização da produção. É de suma importância que tais fundamentos sejam mantidos. Para o desenvolvimento do segmento, é necessária também uma política voltada à inovação, sempre em busca de ganhos terapêuticos para os pacientes”.

Sérgio Frangioni chama atenção para a atratividade do mercado brasileiro, independentemente da crise. “No passado recente era normal ver uma indústria ser construída em um paraíso fiscal, ou em um país/região que tivesse custo operacional mais baixo, como ocorreu, por exemplo, entre a comunidade Europeia e a Ásia. Hoje esta verdade não é absoluta. Um fator determinante para a construção de uma nova fábrica é o tamanho do mercado consumidor local. Nosso país tem vantagem competitiva com seus cerca de 200 milhões de habitantes. Portanto, a meu ver, governo, capital e trabalho devem unir forças para ganhar competitividade simultaneamente e assim criar as condições ideais de crescimento sustentado para o País”.

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