Outra premissa vetusta é a de que a esfera jurídica de um ente, seus contratos, suas titularidades tecnológicas e suas ações judiciais só gerariam efeitos entre as partes diretamente vinculadas. Nesta parêmia que trata o homem como uma ilha, o titular da patente previamente seleciona quem teria o interesse em disputar consigo determinado direito, não podendo ninguém – além do réu – judicialmente divergir.
Contudo, nota-se haver uma assimetria informacional profunda entre os titulares de patentes/pedidos e o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), além da disparidade que se reflete na quantidade de pessoal em cada polo e num desequilíbrio da realidade estrutural entre parte/privada vs. Estado, tão proporcional à disputa de Davi e Golias. Como exemplo da primeira hipótese, sublinhem-se as recentes táticas de ajuizar ações semelhantes com singelas mudanças no pedido, mas em foros diferentes, visando à manipulação e ao retardamento do domínio público e à fuga do judiciário especializado. Dentro da segunda característica, frise-se o desmantelamento da Procuradoria própria do INPI e a absorção do pretérito corpo jurídico com expertise em favor da generalização da Advocacia-Geral da União (AGU). Por fim, pertinente à terceira idiossincrasia, destaquem-se os investimentos maciços na contratação de pareceres de professores doutores de grandes instituições, defendendo, sempre, a atividade inventiva de qualquer depósito de patente perante o qualificado, porém atribulado, corpo técnico do INPI, que sofre administrativamente com o backlog. Desta forma, além de elitizado, o debate judicial na seara farmacêutica sempre é inaugurado com um handicap em desfavor do ente administrativo.
Ressalve-se que, de outro lado, o sistema judicial aos poucos se tornou sensibilizado de que há disputas em que os interesses em debate ultrapassam a esfera binomial do autor/réu, e que centros jurídicos outros são tão ou mais impactados por vindoura solução. No tocante às disputas sobre patentes farmacêuticas, além do polo autoral ser abrangido por inventor/titular, e o pólo réu acolher a autarquia responsável, há ainda que se considerar os legítimos interesses dos consumidor/paciente, dos outros entes públicos (municípios, estados, União) que compram (SUS) ou produzem (PDPs) medicamentos, além de, finalmente, a concorrência.
Neste quadrante ganha relevo o papel proeminente da ABIFINA, devidamente reconhecido pelo Ministério Público Federal, já que “dada sua representatividade, possui informações relevantes sobre determinada matéria, servindo de fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis ou controversos, ampliando, assim, a discussão antes da decisão judicial e permitindo que o juiz forme sua convicção com pleno conhecimento de todas as suas implicações ou repercussões” (Procurador da República Dr. Claudio Gheventer, AO 01323511120134025101, de 27/03/2014). O destinatário das intervenções amici curiae também reconhece a relevância da proatividade do Grupo de Apoio Jurídico (GAJ), frisando entender que “a admissão da ABIFINA na qualidade de terceiro interessado contribui de fato e de direito para a discussão de interesse público posta nos autos, qual seja, a possibilidade de extensão de prazo das patentes” (TRF-2, 2ª Turma Especializada, Des. Liliane Roriz, AC 200551015075171, 09/05/2008).
Por fim, na recente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela ABIFINA perante o Superior Tribunal Federal (STF), questionando a validade do art. 40, § único da Lei de Propriedade Intelectual (LPI), a Procuradoria Geral da República, no mérito, anuiu com a totalidade dos argumentos suscitados na petição inicial, tendo concluído que: “é profunda a incompatibilidade do art. 40, parágrafo único, da Lei 9.279/1996, com a Constituição da República. A norma objeto desta ação afronta postulados fundamentais do ordenamento constitucional, tais como o princípio da isonomia, a defesa do consumidor, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica, a responsabilidade objetiva do Estado, o princípio da eficiência e o princípio da duração razoável do processo” (PGR Dr. Rodrigo Janot, ADI 5061, 17/07/2014).
Deste modo, se há que se comemorar a conquista do espaço colaborativo (do prestígio) em virtude da postura proativa enveredada pela ABIFINA na última década, também há que se reconhecer que, a cada ano, os titulares de tecnologias inventam novos estratagemas para protrair a concorrência ou para se apropriar do escopo do domínio público. Por isso, o labor da ABIFINA é contínuo e incessante, tal como o famoso lema dos escotistas.