REVISTA FACTO
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Out-Dez 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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//Artigo

UM VETO SEM SENTIDO

É claro que não é essa a consciência do Poder Público Federal. A falta de sentido do veto merece correção pelos meios que a Constituição reserva às correções de erros e omissões do Estado Brasileiro.

O uso do poder de compra do Estado brasileiro para incentivar a geração e disseminação de tecnologia vem sendo, faz algum tempo, um dos instrumentos mais importantes para a inovação. Pelo volume de recursos envolvidos, e pela possibilidade de centrar o foco da ação estatal em propósitos específicos, a compra pública em muito supera a eficácia de outros instrumentos para o mesmo fim, como a propriedade intelectual, o financiamento à inovação, as subvenções públicas e a articulação entre ICTs e empresas que resulta das Leis de Inovação.

Um dos meios mais vigorosos da compra pública tem sido a chamada Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), no âmbito do Ministério da Saúde. Instituída inicialmente através de atos administrativos de terceiro ou quarto nível hierárquico, as PDPs acabaram ganhando uma existência pragmática que em muito supera sua natureza formal.

Uma série de iniciativas dotadas de coerência histórica e institucional levou à formulação das PDPs:

i) pela Política Nacional de Medicamentos (Portaria MS nº 3.916/1998), foi determinado, desde 1998, que o Estado brasileiro cuidasse da propagação das tecnologias relativas à produção de medicamentos, especialmente os essenciais (diretriz 3.5);

ii) pela Política Nacional de Assistência Farmacêutica (Resolução nº 338/2004 do Conselho Nacional de Saúde), um dos objetivos principais da ação pública no setor seria o desenvolvimento industrial e tecnológico (artigo 1º, II), com ênfase na habilitação e incremento da atuação dos laboratórios públicos (artigo 2º, VI);

iii) pela Política Nacional de Promoção da Saúde (Portaria MS nº 687/2006), um dos objetivos do Ministério passou a ser a cooperação na área da saúde (item XII);

iv) pelo Programa Nacional de Fomento a` Produção Pública e Inovação no Complexo da Saúde (Portaria MS nº 374/2008), se priorizou a revitalização dos laboratórios públicos (artigo 2º), com o consequente incremento da produção interna de produtos para a saúde de substancial relevância para o Sistema Único de Saúde (artigo 3º, I “a” e II “a”);

v) pelo Programa Nacional para Qualificação, Produção e Inovação em Equipamentos e Materiais de uso em Saúde no Complexo Industrial da Saúde (Portaria MS nº 375/2008), os Laboratórios Públicos foram indicados como os meios de promover a “redução da defasagem tecnológica existente e o desenvolvimento econômico, científico e tecnológico do País” (artigo 2º);

vi) pela Política Nacional de Gestão de Tecnologias em Saúde (Portaria MS nº 2.690/2009), se enfatizou a incorporação de processos tecnológicos nos serviços de saúde (artigo 3º, I); e

vii) pelo Plano Brasil Maior (Decreto nº 7.540/2011), foi intensificado o “esforço tecnológico e de inovação das empresas nacionais”.

viii) Em abril do ano de 2012, foi editada a Portaria MS nº 837/2012 com a previsão das “diretrizes e os critérios para o estabelecimento das Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP)”, i.e., dos contratos de transferência de tecnologia de produtos estratégicos para a seara da saúde e conforme necessidade do SUS.

ix) Em dezembro de 2012, a Lei nº 8.666/1993 foi modificada, com a inclusão de um novo inciso (o XXXII) no artigo 24, prevendo uma forma de contratar com dispensa de licitação para as aquisições de tecnologia de produtos estratégicos, no âmbito do Sistema Único de Saúde.

x) Finalmente, em 12 de novembro de 2014, foi assinada pelo ministro Arthur Chioro a Portaria nº 2.531, que deu ampla normatização às PDPs.

Em suma, o caminho que levou às PDPs supera em tempo e em lógica os governos mais recentes e suas linhas políticas ocasionais. Tem todo o cunho e vestimenta de uma política de Estado, que merece perpetuação e desenvolvimento.

Com todo esse pano de fundo e com a menção específica na Lei 8.666/2013, as PDPs atingiram um nível mínimo de legitimação institucional que lhes permita a manutenção como um instrumento de política pública de inovação e, especificamente, de inovação em saúde.

No plano doutrinário, as PDPs também já foram objeto de análise jurídica, em REGINA, Sergio (Org.), Parcerias Público-Privadas de Medicamentos (PDPs), Editora Fórum, 2013. A nossa análise em particular (A geração de tecnologia de fármacos e medicamentos através de mecanismos de compra estatal voltada a desenvolvimento de alternativas), que é parte desse livro, pode ser encontrada em http://www.denisbarbosa. addr.com/arquivos/200/economia/geracao_tecnologia_ farmacos.pdf.

É claro que uma iniciativa complexa e com intensa criatividade exigirá, tão logo quanto possível, uma normatização dedicada ao nível de lei ordinária. Esse é um objetivo que todo formulador de políticas públicas de inovação em saúde não pode deixar de perseguir. Neste sentido, a mais detalhada Portaria nº 2.531, de 2014, representa um blue print de um projeto legislativo – e como qualquer projeto básico, merece ser posto à prova para correção de seus múltiplos pontos sensíveis e defeitos.

Mas um aspecto que se mostrava relevantíssimo a curto prazo é o do funding das iniciativas de PDPs. Ao contrário do que ocorre já há muito com as Parcerias Público-Privadas, não há um instrumento legal que permita às participantes privadas das PDPs utilizarem a antecipação das receitas dos respectivos contratos como garantia para obtenção de financiamentos. 

Assim é que, por meio de proposta legislativa inserta no projeto de conversão da Medida Provisória 651, segundo proposta do deputado Lima Neto, foi aprovado pelo Congresso Nacional o seguinte dispositivo, que emendaria a Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004:

Art. 8º […] Parágrafo Único – O regime de garantias previsto pelo Art. 8º e incisos da Lei no 11.079, de 30 de dezembro de 2004, aplica-se às contratações em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, no âmbito da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de aquisição tecnológica.

Assim, aplicar-se-ia às PDPs o regime de garantias de recebíveis (e outras) previstas na Lei de Parcerias Público-Privadas. A conversão se deu através da Lei Ordinária nº 13.043/2014, publicada no DOU no dia 14/11/2014, na página 3, coluna 1; mas o dispositivo sobre PDPs foi vetado pela Presidente da República.

“O dispositivo ampliaria hipóteses de vinculação de receitas da União. Além disso, oneraria o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, destinando seus recursos para finalidades diversas daquelas que motivaram sua constituição”.

Tecnicamente, o que se disse é que, sem aumento do Fundo Garantidor, o suprimento de garantia superaria a relação atuarial anterior; mas o fluxo de recursos do Fundo depende, em análise última, do Orçamento da União a cada exercício. Assim, a lei de diretrizes orçamentárias e o Orçamento poderiam resolver qualquer problema atuarial. Da alegação tecnocrática, se revela a falta de vontade política ou de atenção para uma das mais significativas atuações do poder público federal.

Em outras palavras, os órgãos de planejamento da União não entenderam que os objetivos das PDPs, a inovação em saúde, entre outros fins ainda mais relevantes, estivessem no mesmo nível das outras parcerias públicas. Obras e serviços de engenharia estarão, aparentemente, em maior prestígio do que a vida e dignidade humana. A saúde financeira estática prevaleceria sobre os interesses cruciais do homem brasileiro.

É claro que não é essa a consciência do Poder Público Federal. A falta de sentido do veto merece correção pelos meios que a Constituição reserva às correções de erros e omissões do Estado Brasileiro.

Denis Borges Barbosa
Denis Borges Barbosa
Advogado e consultor jurídico da ABIFINA.
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