REVISTA FACTO
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Abr-Jun 2014 • ANO VIII • ISSN 2623-1177
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A BATALHA CONTRA O ARTIGO 40 DA LPI
//Entrevista Denis Borges Barbosa

A BATALHA CONTRA O ARTIGO 40 DA LPI

Motivo de interpretações divergentes e discussões acaloradas, o artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial é motivo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) iniciada pela ABIFINA no Supremo Tribunal Federal (STF). O consultor jurídico da entidade, Denis Borges Barbosa, explica os fundamentos da ação contra o dispositivo, que estende o prazo das patentes em função de atrasos na concessão do registro. Segundo o advogado, a ABIFINA deve se mobilizar para a extinção do artigo 40, pois “o direito de competir e levar melhores preços e condições para o público é um dever cívico”.

Do que trata o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial brasileira?

Tal dispositivo assegura um prazo mínimo de vigência após a concessão às patentes cujo retardo na concessão dependa exclusivamente da inércia do INPI. Esse prazo é de dez anos para patentes de invenção e sete para modelos de utilidade.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela ABIFINA (ADI 5.061) no Supremo Tribunal Federal propõe a extinção do parágrafo único do artigo 40. Quais os fundamentos conceituais dessa ação?

O título de uma palestra recente que fiz no INPI descreve o fundamento jurídico principal da Adin: “Despertando em cima do mercado”. Segundo o art. 37 da Constituição, a União é responsável pelos atrasos que incorrer. Se um depositante perder alguma coisa pela ineficiência do Estado, vai buscar na Justiça a sua perda. O Estado é o responsável, e a eficiência não é só uma meta, é um princípio essencial do mesmo art. 37.

O dispositivo em questão infringe essa regra, que é jurídica, moral e até de hombridade. O art. 40 diz: “olha, se eu, Estado, for ineficiente, quem vai pagar é o concorrente que vai ter de se manter afastado do mercado por uma patente maior do que todas as demais no mundo”. Isso não é só inconstitucional: é obsceno.

Como interpreta o argumento da compensação temporal da patente em contrapartida aos atrasos do INPI?

A compensação se deve exatamente à morosidade, e o mecanismo é perverso por isso. Com a compensação, o prazo de proteção se prolonga: quanto mais inerte, mais protegido o titular da patente, especialmente se tem meios e imagem de mercado que impeçam os concorrentes de disputar sua fatia potencial de exclusividade. Assim, cria-se um conflito de interesses perverso e desigual (o depositante poderoso ganha com o atraso), que favorece àqueles que têm poder econômico para afastar concorrentes mesmo perante uma patente não concedida, e desestimula e ridiculariza o empresário e o inventor que precisa de sua patente para ser acreditado e protegido.

Excluídos dispositivos impostos em acordos bilaterais ou plurilaterais de comércio, há algum outro país em que a legislação sobre patentes contemple algo similar?

No estudo que incluí como subsídio à Ação de Inconstitucionalidade apresentada em agosto de 2013 no STF, lê-se que os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em geral, não prorrogam patentes em virtude de atraso na concessão. Apenas os Estados Unidos têm um sistema extremamente contido, que estatisticamente não chega nem perto do efeito da legislação brasileira vigente.

Há argumentos de que a ABIFINA, por ser uma entidade representativa de um segmento industrial, não teria legitimidade e amparo legal para liderar essa ação. Qual é o seu ponto de vista sobre essa interpretação?

A ABIFINA reúne empresas do setor, que têm, como todas as empresas similares no resto do mundo, o direito e o dever de competir sempre que um produto antes patenteado entra em domínio público. Esse é um dever cívico, que resulta do princípio da liberdade de iniciativa. O direito de competir e levar melhores preços e condições para o público é um dever cívico. Se as empresas da ABIFINA, em vez de lutarem pelo fim dessa inconstitucionalidade, chegassem a um acordo pacífico de convivência com todos seus competidores, prolongando efetivamente o prazo das patentes mesmo sem lei, iriam todas para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), senão para a cadeia.

Quem aponta ilegitimidade na ação da ABIFINA em prol do mercado e da competição não acredita nos pressupostos do nosso sistema econômico, está com saudades do muro de Berlim, ou está com muita carência de umas chibatadas do Cade no seu lombo.

Isso quanto à legitimidade no sentido político. Quanto à legitimidade processual, os requisitos são legais. Os requisitos são apurados pelo STF, e constituem fase vestibular do processo.

Os contrários à reivindicação da ADI argumentam que outros setores industriais seriam prejudicados sem o amparo do artigo 40. Qual o seu ponto de vista?

Todo mundo sofre com a ineficiência do Estado. Mas há aqueles que têm poder econômico para se aproveitar da ineficiência. Se um cliente de um escritório em Tocantins, detentor de uma tecnologia para descascar tronco, for afrontar um competidor com o protocolo do depósito da patente, vai ouvir risadas. O concorrente sabe que, até que saia a patente, ou o dono da patente já faliu, ou já faliu ele, ou a tecnologia mudou.

“OS PAÍSES DA OCDE, EM GERAL, NÃO PRORROGAM PATENTES EM VIRTUDE DE ATRASO NA CONCESSÃO”

Transportemos agora o caso para uma empresa poderosa, conhecida e longamente no mercado. Quando concedida, dez, 20 anos depois, a patente tem efeitos de indenização retroativa; e o titular poderoso tem ânimo e dinheiro para ir buscar até o último centavo do competidor que riria do depositante de Tocantins. Assim, o competidor não entra no mercado mesmo se patente não foi concedida.

O art. 40 atua com sinais trocados na proporção do poder econômico do depositante. Não é isonômico. A desigualdade não se apura só por setor, mas essencialmente segundo o poder do titular.

No meu estudo para o STF, listo e cito estudos ingleses que dão pleno suporte ao que estou dizendo. Uma patente com efeito retroativo afasta competidores. E esses estudos – pertinentes e imparciais para o caso brasileiro – ainda frisam que, quanto pior a patente, mais existe incentivo parar retardar o exame dos INPIs locais. Fica claro o conflito de interesses: os depositantes querem retardar ao máximo a denegação ou concessão restrita da patente.

Bom, é lógico que esse interesse perverso se multiplica quando – como no caso brasileiro – quanto mais retardar o exame, mais durar a patente.

Nestes anos todos que vige o art. 40, onde andaram os lobbies de grande depositantes para aumentar a equipe do INPI?

Onde estão as ações no Judiciário exigindo cumprimento do art. 37 da Constituição e das leis que estipulam prazo máximo para resposta do Estado? Tanta paciência e tanta resignação ou dão índices de aliança de interesses entre a ineficiência e as patentes cada vez mais longas, ou vão ser objeto de canonização pelo Vaticano em breve.

Como avalia as relações entre as tentativas atuais de radicalizar o regime de patentes (mecanismos TRIPS Plus) e o interesse público?

A História aponta que TRIPS se deve menos aos interesses estratégicos americanos e mais à militância elevada e competente de certos setores industriais daquele país. Esses setores, e os similares de outros países, têm interesse ediria mesmo legitimidade para defender seu ponto de vista. Interesses estratégicos nacionais e regionais de Estado também contam; e o naufrágio do acordo Acordo Comercial Anticontrafação (ACTA), rejeitado pelo sistema político europeu, mostra que até o povo tem lugar nessas discussões aparentemente abstratas.

“SE AS EMPRESAS DA ABIFINA, EM VEZ DE LUTAREM PELO FIM DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 40, CHEGASSEM A UM ACORDO PACÍFICO DE CONVIVÊNCIA COM SEUS COMPETIDORES, PROLONGANDO O PRAZO DAS PATENTES MESMO SEM LEI, IRIAM TODAS PARA O CADE, SENÃO PARA A CADEIA”

A História também tem indicado que, após radicalizações na defesa de interesses proprietários, moderações têm corrigido ou remendado os excessos. Vide a declaração de Doha, na qual eu mesmo custei a acreditar. A atuação da ABIFINA, defendendo os interesses de seus associados, tem significantes pontos de convergência com os interesses da saúde, da vida e da morte dos cidadãos. Não é verdade que, como disse Rossini, desmentindo-se em sua própria música, una vocepocofa.

A voz e a ação da ABIFINA fazem muito para o cidadão, ao mesmo tempo em que cuida de seus associados. É a mão visível de uma parcela do mercado, enlaçada com o interesse do público.

Denis Borges Barbosa
Denis Borges Barbosa
Advogado e consultor jurídico da ABIFINA.
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