Entre as novas frentes de inovação tecnológica com grande
potencial de revolucionar a produção industrial, uma das mais
promissoras é a biotecnologia. Por sua quase ilimitada gama
de aplicações, em processos e produtos voltados para a saúde
humana e animal, meio ambiente, agropecuária, energia e
indústria de alimentos, a biotecnologia vem causando profundo
impacto na economia e na sociedade
Processos biotecnológicos vêm sendo utilizados
pelo homem há mais de 7 mil
anos, mas nos últimos 50 anos a descoberta
do DNA e de técnicas que permitem
a sua manipulação trouxe um
impulso extraordinário para a utilização
prática da biotecnologia.
A biotecnologia moderna está utilizando
conhecimentos de biologia, química, física,
engenharia, informática e tecnologia da
informação para desenvolver ferramentas e
produtos inovadores. Tanto a biotecnologia
tradicional quanto a biotecnologia moderna
compartilham o mesmo fundamento: o uso
de organismos vivos. A diferença fundamental
é que a biotecnologia moderna consegue
modificar o DNA dos organismos vivos para
que eles tenham um comportamento otimizado
nas funções que exercem ou tenham a
capacidade de exercer funções específicas que
antes não tinham.
Através das técnicas da biotecnologia moderna
é possível a criação de medicamentos inovadores
para combate a doenças raras, novas
vacinas, redução de danos ambientais, maior
produtividade de alimentos, geração de energia
limpa, novas rotas de produção química e
melhoria em processos industriais, por exemplo.
Atualmente, existem mais de 250 produtos
biotecnológicos disponíveis para uso na área
da saúde, muitos utilizados em doenças antes
incuráveis. Há mais de duas dezenas de vacinas
que já são aplicadas extensivamente na
prevenção de doenças, o que ajudou a reduzir
drasticamente a mortalidade infantil. Produtos
para o diagnóstico precoce do câncer
ajudam a reduzir a mortalidade desta doença
e o uso de medicamentos anticancerígenos
desenvolvidos por processos biotecnológicos
tem aumentado as taxas de sobrevida.
Mais de 13,3 milhões de agricultores em todo
o mundo usam a biotecnologia agrícola para
aumentar a produtividade, evitar danos causados
por insetos e pragas e reduzir o impacto
da agricultura sobre o meio ambiente. Estima-
se que o valor atual da produção agrícola
obtida a partir de sementes geneticamente
modificadas exceda a 14 bilhões de dólares.
Somente nos Estados Unidos cerca de 50
biorrefinarias estão sendo construídas para
testar e refinar tecnologias para a produção
de biocombustíveis e produtos químicos obtidos
a partir de açúcares provenientes da manipulação
de biomassa, o que pode auxiliar na
redução de emissões de gases de efeito estufa.
Há um grande esforço na pesquisa de novas
enzimas ou aperfeiçoamento de enzimas
existentes para a conversão de materiais celulósicos
em açúcares, o que aumentaria drasticamente
a quantidade de matéria-prima
fermentável obtida a partir de resíduos como
palha, aparas de madeira etc.
Algumas cepas microbianas foram desenvolvidas
para eficientemente converter glicerina
em etanol, ácido succínico, propanodióis, ou
lactatos. Atualmente, não mais do que 5% da
produção de químicos no mundo depende da
biotecnologia, havendo um enorme campo
a ser explorado para substituir matérias não
renováveis por outras oriundas de biomassa.
Plásticos biodegradáveis como o Ácido Poliacético
(PLA) e os derivados do Polihidroxialcanoato
(PHA) podem ter um efeito considerável
na redução do uso de outros plásticos,
não biodegradáveis.
O uso de enzimas industriais na indústria de papel e celulose
tem propiciado uma sensível redução no consumo
de energia e de cloro, com significativos ganhos econômicos.
Também na indústria têxtil o uso de enzimas, muitas
delas biotecnologicamente modificadas, tem trazido uma
redução sensível no uso de produtos químicos, reduzindo
drasticamente os efeitos negativos sobre o meio ambiente
e os custos de combate à poluição.
Em função de sua vasta biodiversidade e de sua enorme
capacidade de geração de biomassa, o Brasil tem um valioso
potencial para o uso da biotecnologia em todas as áreas
industriais acima comentadas.
O Brasil é um grande usuário de produtos biotecnológicos,
especialmente nos setores farmacêutico e do agronegócio.
Nos últimos quatro anos cada vez mais surgem
novas drogas para o combate à moléstias graves, e vem
surgindo mundialmente o crescimento de culturas geneticamente
modificadas. Somente em 2012 esse mercado
ampliou em 21% a área plantada com sementes transgênicas
– soja, milho e algodão, basicamente.
Na pesquisa tecnológica e na produção industrial, ainda
não temos posição de destaque no mundo. Entretanto, a
riqueza de oportunidades nessa área já fez deslanchar um
grande número de projetos envolvendo tanto o governo
quanto o setor produtivo e a comunidade acadêmica. Nesta
reportagem apresentamos algumas dessas iniciativas,
bem como os problemas enfrentados pelas empresas que
se aventuram no caminho da inovação biotecnológica.
Biofármacos: burocracia persiste, mas
produção avança
A grande maioria das inovações em medicamentos deve-
-se, atualmente, à biotecnologia. No Brasil, embora o governo
mantenha políticas de incentivo à inovação tecnológica,
seja por meio de benefícios fiscais ou preferência
em compras públicas, a elevada demanda de tempo para
registro de novos produtos ainda é um grande obstáculo.
Hoje, uma nova droga pode levar de um ano e meio a dois
anos para ser analisada e liberada pela Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Segundo Dante Alario, presidente técnico científico do
laboratório farmacêutico Biolab, “lamentavelmente ainda
há gente acreditando que o Brasil possa prescindir de
inovação. Pensam que, com apenas uma lista de poucos
medicamentos, se resolveria o problema da assistência
farmacêutica no País, sem necessidade de investir na incerta
inovação. Essas ideias, e outras mais, fazem com que
os discursos sobre inovação, embora sejam vibrantes, não
passem disso. Não se ousa nada além de discursos. Daí
para frente é um buraco negro”.
Dante lembra que há um antigo pleito da indústria farmacêutica
junto à Anvisa no sentido de se criar uma fila
especial para os produtos com inovação desenvolvida no
Brasil, ou até de fora de nossas fronteiras mas que sejam
registrados por empresas genuinamente nacionais. “A Anvisa
alegava que não dispunha de profissionais em número
suficiente para realizar tal proposta. Isto está sendo sanado
com a contratação de mais pessoas. Mas é fundamental
que tais profissionais recebam preparação diferenciada e
não tenham seus pensamentos contaminados pelas questões
que mencionei. Creio que esta poderia ser uma solução
para reduzir o tempo de espera em fila para análise de
processos de produtos com inovação”.
A Lei da Inovação e a Lei do Bem instituíram benefícios
e incentivos destinados a encorajar as indústrias
a investirem em produtos inovadores, tais como: cooperação
envolvendo empresas nacionais, Instituições
Científicas e Tecnológicas (ICTs) e organizações de
direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades
de pesquisa e desenvolvimento, com o objetivo de
gerar produtos e processos inovadores; regulamentação
da participação das ICTs públicas em projetos de cooperação,
normatizando-se aspectos como propriedade
intelectual e transferência de tecnologia; e estímulo à
inovação nas empresas, particularmente com a concessão
de subvenção econômica.
O presidente da Biolab reconhece esse esforço do governo.
“Primeiramente eu diria que a Lei do Bem foi um
salto positivo para quem, até então, não tinha qualquer
incentivo. Foi uma batalha sofrida, pois até o último momento
áreas governamentais tentaram restringir os incentivos,
indo no sentido contrário ao que o Governo apontava
como sua vontade. De qualquer forma, hoje temos algo
mais para quem faz inovação no Brasil”.
Na área pública, prevalece um clima de otimismo em relação
às perspectivas de produção de biofármacos genuinamente
nacionais. O laboratório público Bio-Manguinhos
vem se fortalecendo em termos tecnológicos e avança
em novos empreendimentos, como o Centro Integrado
de Protótipos, Biofármacos e Reativos para Diagnósticos(CIPBR),
que possibilitará ampliar sua atuação no sistema
brasileiro de pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde.
Segundo seu diretor Artur Couto, Bio-Manguinhos trabalha,
hoje, com diferentes plataformas no campo da
biotecnologia, em certos casos recorrendo a parcerias de
desenvolvimento conjunto ou de transferência de tecnologia:
culturas de células eucarióticas, que são utilizadas
no desenvolvimento e produção de vacinas, biofármacos
e insumos para reativos de diagnóstico; fermentação de
procariotos e eucariotos inferiores (leveduras), também
utilizados no desenvolvimento e produção de vacinas,
biofármacos e insumos para reativos para diagnóstico;
desenvolvimento e produção de anticorpos monoclonais;
manipulação genética de células e microorganismos, entre
outros. Tais plataformas possibilitam o desenvolvimento
de produtos como o biofármaco Alfaepoetina, as vacinas
Haemophilus influenzae b (Hib) (que utiliza fermentação
bacteriana e conjugação química), e meningocócica sorotipos
A e C. A partir do cultivo de células eucarióticas, Bio-
-Manguinhos obtém as vacinas contra caxumba, sarampo,
rotavírus, varicela e rubéola.
O cultivo de células vegetais também é uma plataforma
inovadora que está sendo explorada por Bio-Manguinhos.
O Instituto tem investido na obtenção de vacinas de subunidade
recombinante, com baixo índice de reações ou
eventos adversos. O acordo com a empresa norte-americana
de biologia molecular Fraunhofer, por exemplo, prevê
o compartilhamento no desenvolvimento do processo de
produção e purificação de uma proteína do vírus da febre
amarela na plataforma de expressão transiente em tabaco.
O Centro Integrado de Protótipos, Biofármacos e Reativos
para Diagnóstico (CIPBR) é um moderno empreendimento
que suprirá uma lacuna na cadeia de inovação do País,
informa Couto. “Nele serão produzidos insumos
como a Alfaepoetina (indicada contra anemia grave e
outras doenças) e o antiviral Alfainterferona 2b, além de
reativos para diagnóstico laboratorial de diferentes doenças.
Abrigará, também, a primeira planta de protótipos do
Brasil, destinada ao aumento de escala de produtos desenvolvidos
em bancada e à fabricação de lotes experimentais
e lotes-piloto para estudos clínicos”. O projeto
conta com investimentos do BNDES e do Ministério da
Saúde, e permitirá ao País incorporar tecnologias inéditas,
ampliando a capacitação tecnológica e a produção de insumos
estratégicos no território nacional.
Bio-Rio: um empreendimento ousado
O Polo Bio-Rio foi criado em 1988, e é um empreendimento
que se dedica à pesquisa, desenvolvimento ou engenharia
de produtos relacionados à biotecnologia e áreas
afins. São aceitos projetos nas áreas de saúde humana e
animal, farmacêutica, cosméticos, meio ambiente, biodiversidade,
agroindústria, alimentos/nutrição e energia.
Segundo o presidente da Fundação, deputado Márcio
Fortes, o governo federal vem adotando ações eficazes
para acelerar a produção científica e, recentemente, “no
contexto da política de fortalecimento dos setores considerados
prioritários, criou o Fundo de Biotecnologia, que
disponibilizará os recursos necessários para que novas tecnologias
encontrem possibilidades concretas de aplicação
no mercado”.
As empresas industriais instaladas no Polo compõem um
mosaico de atividades variadas, dentre elas: Ambio (estações
de tratamento de esgoto), Baktron Microbiologia
(prestação de serviços de controle de qualidade físico-química
e microbiológica de produtos), Bioderm (cosméticos),
Chron Epigen (medicamentos à base de proteínas
recombinantes), Cryopraxis (banco de sangue de cordão
umbilical autólogo), Silvestre Labs (medicamentos tópicos
anti-infecciosos e cicatrizantes), Cellpraxis (medicina regenerativa e terapia celular),
Pharmapraxis (kits biossimilares,
farmacogenômica e sistemas, rotas alternativas de
biotecnologia e biomoléculas), Equifarma (equivalência
farmacêutica), Engene Tech (kits diagnóstico), Hygéia
Biotech (testes clínicos e pré-clínicos), Grupo M&N (homeopatia,
alopatia, florais, fitoterapia e cosmética), Ecofibra
(substrato agrícola), GCT Bio (bioprocessos), EDB
(biopolímeros), e Usina Verde (processamento e destinação
de resíduos urbanos, industriais e da saúde).
Bioinovar: interação universidadeempresa
Uma iniciativa concebida inteiramente na academia com
o propósito de integrar pesquisas na área de biotecnologia
em articulação com a indústria é o Polo Bioinovar, criado
oficialmente em 2012. Localizado no Centro de Ciências
da Saúde da UFRJ, ele reúne uma série de laboratórios
que trabalham em rede tendo como foco principal a biotecnologia
e a pesquisa focada na transferência do conhecimento
para o setor produtivo. Segundo Alane Beatriz Vermelho,
coordenadora do Laboratório Proteases de
Microrganismos do Instituto de Microbiologia Paulo de
Góes, “o objetivo é fechar um ciclo em que o conhecimento,
produtos, processos e serviços originados na Bioinovar
retornem para a sociedade através da interação com o setor
produtivo”.
Além da pesquisa acadêmica clássica e da formação de recursos
humanos, esclarece a pesquisadora, a universidade
atualmente interage com as empresas usando diferentes
propostas e modelos. “A Bioinovar emprega uma plataforma
bem diferente dos parques tecnológicos e incubadoras,
prestando serviços de P&D para empresas da área de
bioenergia, cosméticos e agropecuária, que estabeleceram
parcerias com a Bioinovar e que estão em franco desenvolvimento”.
Neste modelo a empresa pode investir em P& D com gastos
muito menores do que se fosse montar suas próprias
unidades de pesquisa e/ou novas linhas, explica Alane
Vermelho. “Isto representa uma vantagem tecnológica e
econômica nos custos de novos processos e no melhoramento
daqueles já existentes. Esta possibilidade pode
fortalecer a pesquisa em biotecnologia na área industrial,
tendo como parceiras as universidades, proposta esta que
se encaixa perfeitamente na meta prioritária do governo
de fomentar a inovação no país estimulando uma maior
participação das universidades”.
Ao pequeno grupo de pesquisadores que iniciaram a Bioinovar
foram agregados outros laboratórios e pesquisadores
que acreditaram na proposta. No presente momento
a Bioinovar está mobilizada para ampliar sua área física
de modo a atender a demanda para o desenvolvimento de
processos em escala semi-piloto. A pesquisadora comemora:
“Temos a aprovação de todas as instâncias acadêmicas e
da reitoria para a construção, em uma área cedida pela Universidade,
de um prédio para o polo de biotecnologia. E
temos contado sempre com a colaboração da prof. Angela Uller, uma das fundadoras da Coppe e atual coordenadora
do Criar/UFRJ, para elaborar a estrutura da Bioinovar”.
Basicamente, o Polo Bioinovar compreende quatro amplas
áreas de atuação: microbiologia ambiental e biotecnologia
do petróleo; biocombustíveis; biofármacos e dispositivos
médicos; biocatálise, bioprodutos e bioenergia.
Alane Vermelho salienta que a existência de um centro
de excelência que possibilite a validação dos novos
candidatos a fármacos e determine seus mecanismos de
ação é de vital importância para a indústria nacional. “A
unidade de biocatálise, bioprodutos e bioenergia, da qual
sou coordenadora com a colaboração de Davis Ferreira,
Angelo Samir, Rodrigo Nascimento e Maria Helena Silva,
tem pesquisas em andamento junto a empresas para
desenvolvimento de cosméticos, aditivos de ração animal
e melhorias em processos de produção de biomassa para
o setor energético”.
Uma preocupação da Bioinovar é sempre estimular nos
alunos o espírito empreendedor na área de biotecnologia,
afirma a pesquisadora. “Por isso, em parceria com a agência
de inovação da UFRJ, temos procurado viabilizar novos
cursos, a exemplo da escola do empreendedorismo. A
Empresa Júnior de Biotecnologia Antônio Paes de Carvalho,
um projeto de Daniela Uziel Rozental, está em pleno
desenvolvimento”.
INPI: um passo à frente
As inovações nacionais na área da biotecnologia deverão
ser beneficiadas a partir de uma recente iniciativa do Instituto
Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Trata-
-se do Programa Piloto Patentes Verdes, iniciado em abril
de 2012, que visa acelerar o exame dos pedidos de patentes
enquadrados nas categorias de energias alternativas
(hidrelétrica, eólica e solar), transporte, conservação
de energia, gerenciamento de resíduos e agricultura. A
intenção é que os pedidos submetidos e aprovados neste
programa obtenham decisão em cerca de dois anos. Hoje,um pedido de patente leva em média cinco anos e quatro
meses para ser analisado. Até o ano passado esse processo
levava até sete anos.
Com essa iniciativa, o INPI não só acelera decisões em
matéria de pedidos de patentes de invenção, como também
possibilita a identificação de novas tecnologias que
possam ser rapidamente usadas pela sociedade, estimulando
o seu licenciamento e incentivando a inovação no
País. Além disso, contribui ativamente para a redução da
poluição e de outros impactos ambientais negativos.
Segundo Patricia Carvalho dos Reis, coordenadora do
grupo de trabalho do INPI encarregado de implantar o
Programa, a estratégia consiste em incentivar o desenvolvimento
das tecnologias voltadas para o meio ambiente
porque os inventores dessas tecnologias podem ter uma
resposta muito mais rápida do INPI com relação à proteção
dos seus inventos. “A invenção já protegida tem maiorvalor agregado que um pedido de patente aguardando
para ser examinado, e assim a tecnologia desenvolvida poderá
chegar mais rápido à sociedade. Nesta etapa do Programa
Piloto, somente pedidos de depósito de inventores
nacionais ou signatários da Convenção de União de Paris,
que recebem tratamento igual ao de residentes no Brasil,
podem participar”.
Em relação ao desenvolvimento específico da biotecnologia
no Brasil, explica Reis, o Programa tem o mesmo propósito
de incentivar o desenvolvimento tecnológico, pois
a biotecnologia está presente em várias categorias de tecnologias
verdes aceitas no Programa Piloto. “A biotecnologia
é fundamental na criação de biocombustíveis a partir
de organismos geneticamente modificados, em processos
alternativos de tratamento de resíduos e no controle de
poluição – por exemplo, no sequestro e armazenamento
de carbono – e, especialmente, no desenvolvimento de
pesticidas alternativos e outros insumos para melhoria do
solo e da produção agrícola”.
O Programa Piloto englobará os 500 primeiros pedidos
validados pela comissão técnica do INPI como patentes
verdes, com prioridade para a categoria das chamadas tecnologias
limpas. A definição baseou-se em metodologias
de institutos de patentes dos Estados Unidos, Austrália
e Reino Unido, que já priorizam a análise de tecnologias
limpas há alguns anos. Mas houve uma adaptação para o
cenário brasileiro, à luz da atual conjuntura internacional.
Foi decidida, por exemplo, a exclusão das tecnologias
nucleares, por influência do acidente na usina nuclear de
Fukushima, no Japão, atingida por um terremoto e um tsunami em março de 2011. A maioria dos pedidos de tecnologias
limpas nacionais se refere à produção de energia
alternativa e redução de resíduos.
O conjunto de estratégias definido pelo INPI para obter
uma drástica redução no tempo de análise dos pedidos de
patentes verdes inclui a eliminação do tempo de sigilo de
18 meses estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial,
de 1996. As patentes verdes irão quebrar essa regra, desde
que o inventor autorize que a análise seja feita imediatamente
após o depósito. O mesmo procedimento é seguido
por escritórios nacionais de patentes de vários países
que priorizam as tecnologias limpas. No Reino Unido,
por exemplo, uma tecnologia desse tipo leva nove meses
para ser analisada. A Coreia do Sul, por sua vez, chegou
a liberar uma patente verde em 18 dias. O INPI também
espera aumentar o seu quadro de pareceristas para acelerar
o processo de análise. A expectativa é contratar 400 novos
profissionais até 2015.
O anúncio da priorização das patentes verdes coincidiu
com a oficialização de uma parceria entre o INPI e o Escritório
Europeu de Patentes (EPO), com o objetivo de
facilitar o trânsito de informações entre os pedidos feitos
no Brasil e na Europa, inclusive por meio da tradução do
português ao inglês, e vice-versa, dos pedidos. O EPO, o
Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Unep),
o Centro Internacional para o Comércio e Desenvolvimento
Sustentável (ICTSD), e organizações do comércio
internacional como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OECD), a Câmara Internacional
de Comércio (ICC), Licensing Executives Society
International (Lesi), entre outras, estão à frente de um movimento internacional para a agilização dos processos
de concessão de patente a tecnologias verdes. Esse
esforço culminou com uma apresentação em Copenhagen
em dezembro de 2009 e uma classificação das tecnologias
verdes em junho de 2010.
Embrapa: o problema
do manejo agrícola
No contexto do agronegócio, a biotecnologia tem contribuído
para diversificar alternativas de combate a pragas
na lavoura e melhorar a produtividade. Por outro lado, ela
não deve ser vista como uma panaceia, capaz de resolver
todos os problemas, inclusive os decorrentes do uso inadequado
de defensivos químicos.
Na opinião do professor Fernando Valicente, pesquisador
do Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo
da Embrapa, a grande maioria dos produtores usa indiscriminadamente
defensivos agrícolas no controle de pragas.
“Há relatos de uso excessivo de defensivos químicos
em tomate, pimentão, milho, soja, morango e alface. Se o
produtor não tentar fazer um bom manejo de pragas e da
cultura, o fornecimento destes produtos para mercados e
supermercados pode ficar comprometido. Um exemplo é
o tomate. Hoje não se tem tomate de boa qualidade nos
supermercados brasileiros”.
De forma geral, observa o pesquisador, o Brasil faz uso
excessivo de produtos químicos. “Isto é um fator cultural.
O produtor não quer ver nenhum inseto na sua cultura. O
que pode e deve ser feito é uma educação dos produtores,
em cursos e outros tipos de treinamento. Há vários produtos
biológicos de boa qualidade no mercado. Existem
fungos já registrados para controle de pragas de insetos(Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae), bactéria
(Bacillus thuringiensis-Bt) e baculovirus (Baculovirus spodoptera).
A primeira biofábrica já está em fase final de
construção em Uberaba/MG, no âmbito do projeto Vitae
Rural/Embrapa Milho e Sorgo”.
Valicente destaca que a pesquisa com biopesticidas encontra-
se em plena expansão no Brasil. “Ao mesmo tempo
em que se tem um grande uso de sementes transgênicas,
há uma demanda crescente por biopesticidas para compor
o Manejo Integrado de Pragas (MIP). Isto é um fator importante
porque há vários produtores preocupados com o
meio ambiente, que procuram alternativas para o controle
de pragas. Isto pode ser devido ao alto preço dos produtos
químicos e das sementes transgênicas. No nosso laboratório
estamos trabalhando para melhorar formulações de
biopesticidas à base de Bt e Baculovirus. As formulações
básicas funcionam bem, garantem o controle da praga
alvo e resistem um bom tempo em prateleira. As pesquisas
atuais visam a uma melhoria das formulações e uma maior
extensão da sua viabilidade”.
Com relação ao uso de sementes geneticamente modificadas,
Valicente confirma que vem sendo adotado pela
grande maioria dos produtores brasileiros. Porém, acredita
que ainda não se implantou no País uma cultura suficientemente
responsável nessa área. “No caso específico do
milho Bt, é preciso que os produtores sejam cuidadosos
com novas tecnologias que dependem do cumprimento
de normas para garantir sua sobrevivência. Por exemplo:
quando se planta milho Bt é necessário fazer área de refúgio.
No Brasil esta prática é ignorada pela grande maioria
dos produtores, o que vem acarretando problemas em
relação ao aparecimento de pragas secundárias etc. Isto
é mau manejo. E não há tecnologia que se sustente sem
seguir normas”.
Três perguntas
Ogari Pacheco
Presidente do laboratório Cristália
Como o senhor vê a nova fase da biotecnologia?
O desenvolvimento tecnológico de diversas áreas de conhecimento
humano frequentemente não se dá de maneira linear. Ou seja, durante
muito tempo nosso conhecimento sobre síntese química era restrito.
Daí surgiram os farmoquímicos e, relativamente em pouco tempo,
houve um boom no conhecimento da síntese de fármacos. Naquele
momento, quase não se falava em biotecnologia. Agora que a farmoquímica
está mais ou menos estabilizada, surge a biotecnologia com
grande atenção por parte da indústria. Mesmo com a onda dessa nova
tecnologia, o Cristália aposta na farmoquímica. Há quem diga que o
Brasil perdeu o bonde nesta área, mas isso é uma meia verdade. Na
farmoquímica, se produz commodities e nesse segmento de fato o País
não tem mais condições de competir. Mas conseguimos nos produtos
de maior valor agregado. Tanto que o Cristália produz um número
razoável de moléculas complexas para o mercado.
Como o mercado está se movimentando em relação
à biotecnologia?
A biotecnologia vinha acontecendo há muito
tempo nos países mais avançados do mundo,
mas no Brasil ficava restrita a centros
universitários e de pesquisa. Com a aproximação
do vencimento de algumas patentes,
apresentou-se uma oportunidade de exploração
desses produtos. A patente dura 20 anos,
então o mercado tem um gap tecnológico de
pelo menos 35 anos (contando o tempo do
desenvolvimento tecnológico). O movimento
de correr atrás da biotecnologia no setor
intensificou-se há apenas alguns meses no
Brasil. No caso do Cristália iniciamos os investimentos
em biotecnologia em 2005.
Que produtos estão na mira das empresas?
Os produtos que estão em vista são basicamente os anticorpos monoclonais.
E como este é um produto dispendioso, o grande comprador
é o governo. A parcela da população com condições de comprá-lo é
pequena. Em última análise, foi o governo, por meio de mecanismos
diversos, que identificou ser preciso fabricar tais produtos, devido ao
rombo no orçamento público. O Cristália, especificamente, está mais
avançado no processo de desenvolvimento e tem a única fábrica de biotecnologia
privada do País. Estávamos preocupados com esse tema há
algum tempo. Apesar disso, nossa biotecnologia tem apenas oito anos,
o que é muito pouco. Uma mostra do esforço de governo e empresas
na área foi a criação da Orygen Biotecnologia, formada por Cristália,
Eurofarma e Biolab. Quem estimulou a reunião destes laboratórios
nacionais foi o BNDES. Como o Cristália estava mais adiantado, resolvemos
usar nossa estrutura como base operacional inicial, enquanto
não construímos a fábrica da Orygen, que precisa ser muito maior.
Três perguntas
Luís Henrique Rahmeier
Diretor de Desenvolvimento de Produto
& Registro da Nufarm
A biotecnologia é uma aposta do setor de produtos
para agricultura?
De maneira bastante genérica, podemos dividir essa tecnologia
em duas frentes. Uma são as plantas geneticamente
modificadas, resistentes a herbicidas ou ao ataque de
insetos. Mais de 90% da soja cultivada no Brasil é geneticamente
modificada, e ainda temos algodão, milho, várias
culturas. A outra são os produtos de origem biológica,
como bacilos, bactérias e vírus, ou extratos de plantas e
enzimas que podem controlar certas pragas. Este segmento
também já existe, mas está entrando com mais força no
foco das empresas.
As empresas nacionais estão inovando na área?
A Nufarm, por exemplo, está avaliando parcerias com empresas
de biotecnologia em várias partes do mundo para
trazer novidades para o Brasil. Porém, a parte regulatória
precisa estar muito clara para que os projetos possam ser
desenvolvidos dentro de certa previsibilidade. O governo
está empenhado no assunto, implantando o fast track para
registro de biológicos. Mas trata-se de uma interlocução
complexa, porque envolve três ministérios: Saúde, Agricultura
e Meio Ambiente.
Como o ambiente macroeconômico pode impactar esse
novo mercado?
O preço das commodities tende a continuar valorizado,
mesmo com crise na Europa, o que dá capacidade ao agricultor
de investir. O aumento do poder aquisitivo nacional
também ajuda o mercado, pois as pessoas podem pagar
mais por produtos de maior valor agregado e dessa forma
haverá espaço para a adoção de novas tecnologias. As
maiores questões são um eventual agravamento da situação
europeia, que parece estar sob controle, e a queda
acentuada no preço dos produtos agrícolas, o que também
não parece ser o caso.