Os investimentos em inovação tecnológica no setor de química fina no mundo estão migrando aceleradamente para áreas de ponta, como biotecnologia e nanotecnologia, hoje dominadas pelos países desenvolvidos. Embora a pesquisa brasileira nessas áreas esteja avançando, temos fragilidades na conexão entre produção científica, desenvolvimento tecnológico e industrial que nos colocam em situação de franca desvantagem. As políticas públicas e regulamentos brasileiros nessa área também avançam com algumas dificuldades, inerentes a todo processo de aprendizado autônomo. Copiar o marco regulatório sanitário dos países desenvolvidos, pura e simplesmente, neste momento significaria entregar de bandeja essa promissora fatia do nosso mercado interno aos grandes players mundiais, especialmente no cobiçado segmento dos biofármacos. Nesta reportagem, empresários, autoridades e especialistas discutem alternativas estratégicas para aproveitar oportunidades e contornar as barreiras que se apresentam para a inovação tecnológica nos diversos setores da química fina.
Nano e biotecnologia: as novas frentes
É unânime entre as empresas e entidades envolvidas com a química fina a opinião de que os investimentos em inovação serão cada vez mais direcionados para a biotecnologia. Segundo Ogari Pacheco, presidente do Conselho Diretor da Cristália Produtos Químicos Farmacêuticos, essa nova plataforma tecnológica se divide em dois campos principais: bioconversão e engenharia metabólica. A bioconversão consiste na substituição de catalisadores químicos por catalisadores biológicos (enzimas), em um ou mais passos da via de síntese de compostos que apresentam isomeria ótica, de forma a se obter apenas uma das formas isoméricas, pela especificidade da catálise enzimática. Nesse caso as enzimas poderão ser produzidas pela biotecnologia moderna, normalmente por microrganismos recombinantes. A engenharia metabólica, por sua vez, permite interferir no metabolismo de uma espécie biológica visando aumentar a produção de um determinado composto de interesse ou mesmo programar geneticamente a síntese de um novo composto.
O Brasil tem procurado atualizar-se tecnologicamente em projetos nessa área. Akira Homma, presidente do Conselho Político e Estratégico de Bio-Manguinhos, lembra que a pesquisa de Anticorpos Monoclonais para uso terapêutico já é uma realidade no País, especialmente pelo interesse de grandes laboratórios. “Além desta, outras que têm recebido investimentos são as de novas rotas biotecnológicas para produção de vacinas conhecidas – por exemplo, a vacina contra influenza, que em poucos anos será um produto recombinante produzido em células ou bactérias; e também contra o câncer”.
O sistema brasileiro de propriedade industrial impõe alguns freios ao desenvolvimento comercial da biotecnologia. Trata-se da restrição legal ao patenteamento de matéria viva, um tema altamente controverso, inclusive dentro do próprio governo. Para Luiz Antonio Barreto de Castro, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, o Brasil está perdendo oportunidades preciosas de se posicionar como um player mundial em biotecnologia, e particularmente na área da saúde. “Na área da agricultura, o patenteamento pela Embrapa tem avançado porque organismos geneticamente modificados (restritos a bactérias) podem ser patenteados. Plantas, por sua vez, são protegidas por um sistema sui generis: o sistema UPOV, que, ao contrário do sistema de patentes, permite a proteção de cultivares mesmo que não constituam inovação, desde que a cultivar seja nova e estável. Portanto a proteção intelectual nas aplicações agrícolas não encontra restrições maiores. Já na área da saúde, há uma forte reação contrária ao patenteamento de biofármacos. O problema é que não há possibilidade de trânsito na área biofarmacêutica internacional, sem respeito à patente como um instrumento de propriedade intelectual”. Por outro lado, Castro reconhece que a questão é complexa e que o patenteamento em biotecnologia, particularmente na área de fármacos, ainda não é um problema resolvido globalmente. “Há muitas controvérsias e um quadro de crise no setor farmacêutico: gasta-se cada vez mais em pesquisa e desenvolvimento para o patenteamento de um número cada vez menor de moléculas farmacologicamente ativas”.
O secretário de Inovação do MDIC, Francelino Grando, adota uma postura cautelosa frente a esse tema e afirma que o sistema de propriedade industrial “deve ser pensado em função dos interesses nacionais de desenvolvimento tecnológico e socio-econômico, da participação brasileira no comércio internacional de bens intelectuais e do significado da propriedade industrial no binômio proteção/acesso à tecnologia”. Nesse contexto, em sua opinião o anseio pelo desenvolvimento de uma área tecnológica específica, como é o caso da biotecnologia, “não deve ser visto como condição suficiente para a alteração do sistema de propriedade industrial – com destaque para o patentário. Em verdade, continua nítida a carência de maior amadurecimento desse debate”.
Grando pondera que uma tomada de decisão no sentido de alterar o sistema legal para favorecer a base biotecnológica precisa se apoiar em argumentos sólidos, especialmente no que concerne ao seu viés comercial. “O Brasil, como membro da OMC, não tem a opção de desconhecer voluntariosamente o mercado global e precisa estar ciente de que os concorrentes internacionais aproveitarão todos os espaços relativos à proteção patentária. Assim, se não forem devidamente explorados pela indústria de base tecnológica nacional, esses espaços podem se transformar em obstáculos ao pretendido desenvolvimento. A esse respeito, sempre é de bom alvitre recordar a atuação passada daqueles que hoje defendem fortemente sua pauta exportadora de bens intelectuais e como eles construíram essa posição”, adverte o secretário, aludindo à atual fragilidade da biotecnologia genuinamente nacional em face da concorrência estrangeira.
A controvérsia procede. Se o Brasil facilitar o patenteamento de sua biodiversidade estará subtraindo oportunidades de desenvolvimento local em biotecnologia, na medida em que outros países terão mais velocidade na geração de pedidos de patente. Isto não é mera especulação, é um fato. O próprio secretário do MCT citou artigo publicado recentemente na revista Science dando conta de que 50% das moléculas em fase de testes clínicos destinadas à indústria farmacêutica no mundo têm como base produtos naturais. E certamente um percentual insignificante dessas moléculas está sendo pesquisado no Brasil.
A nanotecnologia é outra fronteira tecnológica que já está realizando seu potencial de gerar inovações na área da saúde. Segundo Dante Alario Júnior, presidente Técnico Científico da Biolab-Sanus Farmacêutica, “medicamentos com conteúdo ativo nanotecnológico podem ter seus efeitos adversos reduzidos, sua dosagem diminuída, maior penetração na pele, maior estabilidade, menor alergenicidade, liberação prolongada – enfim, uma gama enorme de benefícios para o consumidor final e também para os médicos que os prescrevem”. Luiz Barreto de Castro acrescenta que a nanotecnologia tem feito progressos expressivos na área de diagnóstico e, aliada à terapêutica e à farmacêutica, já resultou numa série de nanomedicamentos aprovados, com diversas aplicações, desde atividades antibacterianas até tratamentos de câncer e de desordens metabólicas do sistema nervoso central. “Outro aporte desse tipo de tecnologia na área da saúde é a terapia regenerativa de órgãos e tecidos que, associada às células-tronco, permitirá ‘construí-los’ in loco ou in vitro. Para tanto, nanofibras podem ser utilizadas como moldes tridimensionais para o crescimento das células”.
O futuro promissor dos biofármacos
“Os biofármacos são hoje considerados a principal janela tecnológica e produtiva da indústria farmacêutica em nível mundial”, afirma Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. “Por um lado, isso decorre do esgotamento das possibilidades de novas moléculas realmente inovadoras pelas rotas de síntese convencionais. Por outro, da explosão do conhecimento fundamental no campo da biologia molecular e do desenvolvimento das biotecnologias. Para o Brasil, acresce a isso a possibilidade de entrarmos numa competição na qual a distância que nos separa das nações-líderes mundiais é menor do que a observada no terreno da síntese química. Até certo ponto, pode ainda nos favorecer a riqueza e a diversidade dos biomas brasileiros”.
Segundo Ogari Pacheco, da Cristália, entre as numerosas oportunidades que esse novo campo oferece algumas merecem destaque. “Como diversas proteínas com atividade terapêutica produzidas por engenharia genética/fermentação tiveram suas patentes expiradas recentemente, ou virão a expirar nos próximos anos, alguns desses importantes produtos, como hormônios e anticorpos monoclonais terapêuticos, devem ter suas tecnologias de produção aqui desenvolvidas. Isto resultará no domínio de toda a plataforma de produção industrial, a partir do que o setor produtivo nacional estará apto a inovar também nessa área da biotecnologia moderna. Esse cenário deve ser favorecido estreitando-se a colaboração com os ICTs (Institutos de Ciência e Tecnologia), que em nosso País detêm grande parte da capacidade de pesquisa inovadora”.
Aproveitando a vantagem comparativa conferida pela grande biodiversidade brasileira, outra oportunidade que se apresenta, segundo Pacheco, é o desenvolvimento de novos fármacos a partir dos estudos realizados com extratos ou moléculas bioativas naturais, bem como de seus derivados produzidos por modificações químicas. “Outra ainda, derivada desta, é o amplo espaço para pesquisa, desenvolvimento e inovação na área de biofármacos para o tratamento das doenças negligenciadas, tema de grande importância para o Brasil. Por exemplo, doenças como malária, tuberculose, hanseníase, leishmaniose e Chagas poderiam ter seu tratamento desenvolvido a partir de compostos descobertos em bibliotecas da biodiversidade brasileira”.
O aproveitamento de todo esse potencial dependerá, no entanto, de ajustes finos nas políticas públicas de forma a compatibilizar conhecimento científico, desenvolvimento tecnológico, ação regulatória, mecanismos de apoio à indústria e estratégias comerciais. Reinaldo Guimarães dá um panorama dos obstáculos que se antepõem à inovação na área de biofármacos:
“A barreira mais importante talvez seja o mito da inovação radical. Em quase 100% dos casos vamos começar e permanecer por muito tempo copiando, como, aliás, fizeram quase todos os países que hoje condenam a cópia. A segunda barreira, vizinha a essa, é a atitude de colocar a inovação no altar e subestimar a importância de fortalecer a capacidade produtiva. A terceira diz respeito ao mercado dos biofármacos, que deve crescer em ritmo maior do que o chinês. Na fatia pública do mercado será essencial sustentar por bastante tempo as parcerias e promover reformas importantes nas regras para compras governamentais na saúde, que ainda hoje são escravas do modelo instituído pela abertura comercial irresponsável dos anos 90. Na fatia maior, do mercado privado, a principal barreira se situa na política de propriedade intelectual, caso ela continue protegendo e estendendo os monopólios sob o argumento de ‘estimular a inovação’ e de ‘afastar a insegurança jurídica’. A quarta barreira diz respeito ao marco regulatório para o registro de biofármacos. A extensão dos critérios utilizados na química de síntese para os biofármacos, em particular para as macromoléculas, resultará em intermináveis e intransponíveis monopólios. Felizmente, a Anvisa está propondo um marco regulatório estabelecido em outras bases, hoje em fase de consulta pública, capaz de estimular a produção autóctone. Os empresários brasileiros devem participar do debate com vistas a aperfeiçoá-lo”.
No que concerne a estratégias competitivas, o secretário do MS também enxerga alguns desafios importantes para o Brasil. “No plano mundial, a ‘big farma’ foi buscar conhecimento e ideias nas pequenas e médias empresas biotecnológicas, muitas delas spin-offs de universidades e institutos de pesquisa. Mas a busca de competência produtiva em rotas biotecnológicas se deu por meio da compra de empresas fabricantes de vacinas. O fato é que no nosso ambiente as primeiras são ainda escassas e os produtores de vacinas são públicos. Superar a escassez implica em ampliar e flexibilizar as linhas de financiamento/subvenção já existentes (Finep e BNDES, principalmente), bem como sustentá-las por bastante tempo. Contornar o segundo aspecto implica em abraçar as políticas de parcerias público-privadas que várias entidades governamentais, com o Ministério da Saúde à frente, vêm propondo”, explica Reinaldo Guimarães.
Carlos Alberto Melo, diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Aché Laboratórios, concorda com o secretário do MS quanto à postura cooperativa que a agência reguladora tem adotado, mas entende que a legislação em vigor impossibilita o desenvolvimento da indústria nacional de biofármacos, o que pode influenciar negativamente o processo regulatório. “Existe o perigo de a Anvisa copiar leis feitas sob medida para outros países. Se assim for, a nova regulamentação irá deixar as coisas como estão, ou mesmo piorá-las. Mas sabemos que existe muito boa disposição das autoridades e estamos confiantes que, em poucos meses, poderemos começar a trabalhar com biotecnologia farmacêutica de alto nível no Brasil, sob o controle de uma regulamentação moderna e eficaz”.
Mas há outros problemas na área regulatória que precisam ser enfrentados. Segundo Luiz Barreto de Castro, o processo que vai da coleta de material biológico até a licença para sua manipulação em laboratório está emperrado desde que, há dez anos, o controle passou para as mãos do CGEM, um Conselho sediado no Ministério do Meio Ambiente. “A coleta é autorizada pelo Ibama, mas se no seu laboratório o cientista quiser pesquisar moléculas do organismo coletado ele não pode, a não ser que consiga outra autorização do Instituto Chico Mendes, criado pela ministra Marina Silva. Nenhuma das duas instituições tem competência em ciência e tecnologia, e os institutos acadêmicos não raramente esperam até quatro anos por autorizações”. Castro ressalta que o CGEM agora está sendo processado pelo Ministério Público por improbidade administrativa, acusado de facilitar a biopirataria em favor de uma ONG internacional que, segundo o MP, teria coletado indevidamente plantas da biodiversidade brasileira. “Sem lei que regule o acesso à biodiversidade sob o controle do MCT, como já foi no passado, será impossível avançarmos em biofármacos”.
Avanços e deficiências das políticas públicas
Por ser uma atividade que envolve risco empresarial, mesmo quando não se processa em área de fronteira tecnológica, a inovação demanda um ambiente propício em termos de políticas públicas. E nesse quesito, apesar de expressivos avanços, especialmente no setor de saúde, o Brasil ainda deixa a desejar. Nicolau Pires Lages, diretor-superintendente da Nortec Química, sugere ajustes na política de inovação, como o direcionamento das subvenções econômicas preferencialmente para as empresas, “local onde, em função da competitividade, as inovações realmente ocorrem”. Outra sugestão é a ampliação das encomendas tecnológicas, “que ainda estão funcionando de forma muito tímida. Esta medida é muito importante porque expõe a tecnologia recém desenvolvida ao mercado, propiciando o seu aprimoramento”, afirma Lages.
Mas isto não basta. O diretor da Nortec afirma que os órgãos de fomento precisam “entender melhor como funciona a empresa; ter mais agilidade; não medir o desenvolvimento tecnológico pelo número de patentes e não esperar resultados significativos a curto prazo, pois o processo do desenvolvimento tecnológico de um país é algo que só se concretiza em médio e longo prazo”. Antonio Salustiano Machado, sócio-fundador da Quiral Química, amplia esse argumento para exortar os órgãos nacionais de fomento a compartilharem um pouco mais o risco da inovação. “Na área de fármacos e medicamentos os recursos, se de fato existem como se tem noticiado, devem estar sendo direcionados às empresas detentoras de sólido patrimônio. Não há instrumentos de risco ou outros que possam facilitar o acesso das pequenas e médias empresas a esses recursos. Para elas, as portas são por demais estreitas e o acesso não está claramente sistematizado”.
Na opinião de Edson Kleiber de Castilho, diretor-superintendente da Fábrica Carioca de Catalisadores (FCC), um pouco mais de cooperação entre os agentes públicos também seria recomendável. “Os órgãos de fomento e as universidades públicas poderiam atuar de forma pró-ativa, indo em busca das empresas e criando um processo de mão dupla. A diminuição da burocracia para obtenção do fomento certamente ajudaria. A criação e ampla divulgação de bases de ‘solution providers’ das universidades para as empresas também seria muito bem-vinda. As universidades deveriam ter como meta um percentual mínimo de pesquisa aplicada, reduzindo proporcionalmente o percentual de pesquisa pura, para melhor aproveitar o potencial de sinergia em parcerias com empresas de alta tecnologia”.
Nelson Fernandes, diretor-superintendente da NPA, empresa de P&D em insumos para química fina, defende mecanismos que sinalizem de forma mais imediata à indústria que o País apóia a pesquisa tecnológica. “O objetivo de todo processo de inovação tecnológica é atender alguma necessidade ou oportunidade existente no mercado. Os órgãos de fomento estaduais e federais, através de seus programas de incentivo, contribuem para a criação de centros geradores de conhecimento dentro das empresas. No entanto, faltam ainda amplas políticas públicas capazes de dar agilidade e desburocratizar o apoio à inovação. Isto poderia ser feito na forma de benefícios fiscais, desonerando as indústrias da taxação de impostos de importação de equipamentos, materiais e matérias-primas empregados nos processos de pesquisa e desenvolvimento”.
Outro que aposta em instrumentos de mercado para estimular a inovação na sua especialidade – os fitoterápicos – é Benjamin Gilbert, pesquisador do Laboratório de Química de Produtos Naturais de Farmanguinhos. Ele sugere medidas que beneficiem diretamente o produto nacional como, por exemplo, o MS autorizar oficialmente a compra, por prefeituras, secretarias de saúde estaduais e hospitais ou serviços federais, de medicamentos fitoterápicos aprovados pela Anvisa, e dar visibilidade a essa iniciativa por meio de uma campanha favorecendo a nacionalização de compras em todo o ambiente governamental. Esse favorecimento, segundo Gilbert, poderia ser concedido na esfera fiscal, mediante isenção de impostos que incidem sobre a circulação e venda de medicamentos importados.
Peter Andersen, presidente do Grupo Centroflora, concorda que políticas públicas articuladas em prol da substituição de importações seriam importantes para estimular a inovação nacional. Na área de fitoterápicos há um problema adicional, de cunho regulatório, que em sua opinião pode afetar os investimentos em inovação: o princípio do conhecimento tradicional associado a patrimônio biológico, que se encontra em processo de regulamentação em todo o mundo. Segundo Andersen, a falta de regulamentação no País do conhecimento tradicional difuso, coletivo e endêmico tem gerado insegurança jurídica, inibindo diversos projetos de inovação em fitoterápicos. “Além disto, o Brasil precisa estar atento à regulamentação internacional, já que a maior parte dos produtos fitoterápicos consumidos no País advém de plantas exóticas com uso tradicional”.
Segundo Luis Henrique Rahmeier, diretor de Desenvolvimento e Registro da Nufarm, no segmento agroquímico não existem políticas públicas específicas para estimular os investimentos em inovação. Ele defende a mudança desse quadro. “Considerando que a atividade agrícola é uma fonte importante de divisas para o País; que o Brasil é a maior fronteira agrícola expansível em nível global; e que os insumos necessários para esta atividade têm importância vital (estimativas mundialmente aceitas indicam que a ausência de controle de pragas e doenças através de defensivos reduziria a produtividade em 40%), seria fundamental que o setor fosse encarado como prioridade de governo com vistas a alcançar independência estratégica” – leia-se, tecnologia própria.
De maneira geral, Rahmeier entende que os maiores obstáculos à inovação no País são “a pulverização dos trâmites burocráticos em diversos órgãos e os conflitos de interpretação das regulamentações entre eles, e até mesmo dentro de um mesmo órgão regulador, que causam uma dissipação de energia e uma insegurança tremendas, desestimulando investimentos em inovação. Por exemplo, a simples inclusão de um novo formulador em um produto já registrado leva atualmente de dois a três anos. Considerando que a agricultura é um processo natural, cíclico e dinâmico, esse tempo equivale a três safras. O que é necessário hoje daqui a três anos pode não fazer o menor sentido. Como uma empresa irá investir agora para só depois de três anos poder usufruir do investimento?”
O diretor da Nufarm afirma que, apesar dessas dificuldades, as empresas de produtos off-patent que têm estrutura física produtiva e capital humano no País “não são apenas ‘copiadoras’; elas têm equipes de desenvolvimento que ampliam a utilização dos produtos fora de patente e geram conhecimento novo sobre o comportamento dessas moléculas. Por isso merecem ser tratadas, não diria com maior complacência, mas com o respeito que a geração de massa crítica merece ter como ferramenta de desenvolvimento nacional, em contraste com aquelas empresas que exploram o mercado apenas de forma oportunista, sem compromisso de longo prazo”.
Por uma fila “verde-amarela”
Em face do seu caráter de novidade, as inovações em segmentos da química fina sujeitos a regulação sanitária sofrem mais do que os produtos conhecidos e testados em decorrência dos já citados problemas burocráticos e de lentidão nos trâmites de registro. Segundo Ogari Pacheco, “há dificuldades no processo de aprovação pela Anvisa e CEPs (Comitês de Ética em Pesquisa) dos protocolos de estudos, bem como no processo de análise para registro. É urgente o estabelecimento de uma análise prioritária dos pleitos relativos a protocolos de pesquisa pré-clínica e clínica e à análise de registro pela Anvisa”.
Pacheco sugere que se adote um mecanismo tipo ‘fast track’ para os projetos de origem nacional. E não só na Anvisa, mas também no INPI. “Mantidos os critérios internacionalmente aceitos de patenteabilidade, os pleitos de empresas nacionais nos campos da farmoquímica e biotecnologia deviam sofrer análise diferenciada quanto ao tempo. Criar-se-ia uma ‘fila verde-amarela’. Para citar um exemplo de como a lentidão burocrática prejudica a inovação nacional também na esfera das patentes, o presidente da Cristália lembrou que o Helleva, “primeira molécula sintética inteiramente desenvolvida no País, destinada ao tratamento de disfunção erétil, já recebeu patente nos EUA, Europa e Japão, entre outros países, e no Brasil ainda está em fase de estudos”.
Dante Alario reforça o pleito de que os produtos inovados sejam tirados da fila comum, argumentando que “a postura dos órgãos regulatórios brasileiros deveria ser de estímulo a quem pratica pesquisa, desenvolvimento e inovação no Brasil”. Akira Homma vai mais adiante e sugere que esses órgãos passem a ter um papel pró-ativo, “identificando e selecionando as linhas de inovação promissoras e de maior interesse para o País, e oferecendo informações privilegiadas que, sem ferir a legislação vigente, possam motivar os laboratórios a investir”. No seu entender, a Anvisa deveria colaborar com a indústria nos estágios iniciais da inovação de um produto, “indicando os caminhos a seguir para se conseguir o registro sem perda de tempo”.
Em determinados nichos da química fina, como o de catalisadores para o craqueamento de petróleo, a pesquisa tecnológica vai de vento em popa, graças ao apoio direto de empresas como a Petrobras. Segundo Castilho, da FCC, a tecnologia nessa área é madura e dominada por um grupo seleto de fornecedores. “Nela, a inovação tem ocorrido de forma incremental. Mas existem desafios que podem revolucionar essa tecnologia como, por exemplo, a geração de catalisadores que favoreçam amplamente a produção de diesel em detrimento da gasolina e de produtos de menor peso molecular”.
Castilho esclarece que, por questões de sigilo industrial, o desenvolvimento tecnológico desses catalisadores tem se concentrado nos centros de pesquisa dos fabricantes e seus associados – no caso da FCC, a Albemarle Corporation, player mundial no segmento de catalisadores, e a Petrobras/Cenpes, ambos acionistas. Não obstante, por iniciativa conjunta do Cenpes e da UFRJ, está em construção um centro de pesquisa que será inaugurado ainda este ano com o objetivo de formar mestres e doutores em tecnologia de catalisadores.
Noutras áreas onde a concorrência é mais acirrada, como na pesquisa de biofármacos, os obstáculos ainda são apreciáveis. Falta estrutura para pesquisa pré-clínica e clínica no País e o processo para aprovação e validação de testes ainda é extremamente lento. Os laboratórios públicos também se queixam de carências para tocar seus projetos de P&D, que vão desde a indisponibilidade local de insumos para pesquisa, como matérias-primas e reagentes, até a falta de animais e equipamentos especiais. Akira Homma admite que essas queixas têm fundamento, mas está convicto de que há espaço para melhorias na gestão interna, especialmente no que tange ao planejamento e procedimentos gerenciais, que minimizariam alguns problemas. Já o problema da falta de animais de laboratório demanda, em sua opinião, “um projeto específico apoiado pelo governo federal que possibilite o investimento em infra-estrutura para o desenvolvimento e produção de animais de qualidade sanitária e genética”.
Políticas públicas eficazes, agilidade e pró-atividade dos órgãos reguladores e de registro da propriedade intelectual são condições necessárias, porém não suficientes para estimular a inovação tecnológica no País. Isto porque inovação é um processo cumulativo, contínuo, que produz resultados mais consistentes numa perspectiva de longo prazo. Para dar sustentabilidade a esse processo, Nelson Fernandes considera importante agregar outros elementos, como a montagem no País de uma estrutura de química de base. “Temos profunda carência na disponibilidade de matérias-primas produzidas localmente para atender de forma adequada esse processo. A indisponibilidade de materiais de partida, mesmo em quantidades mínimas para o início do desenvolvimento de testes, aliada a frequentes dificuldades de internalizar o produto no Brasil, provoca atrasos que inviabilizam o atendimento da demanda atual. A criação de um parque industrial de química de base no País é, portanto, uma condição fundamental para que esses processos se tornem eficientes e duradouros”.
Para Nicolau Lages o segredo da sustentabilidade está na conquista de mercado, daí sua aposta no conceito da encomenda tecnológica fomentada pelo Estado. “Nenhum desenvolvimento tecnológico de fabricação de um produto será duradouro se ele não conquistar o seu espaço no mercado – e é claro que para isto ele precisa já ter atingido um certo nível de eficiência. É nesta fase de conquista de mercado, onde a competição se estabelece, que o novo processo é otimizado sob todos os aspectos. Portanto, alcançar o mercado é o mais importante para que uma tecnologia recém desenvolvida possa se tornar suficientemente eficiente para ser duradoura”.
Como estabelecer uma cadeia sólida partindo do aproveitamento da nossa biodiversidade, passando pela criação de uma biotecnologia genuinamente nacional e atingindo o mercado sob forma de produtos que ampliem a base de empregos e renda para a população? Este é um grande desafio que se apresenta para as políticas públicas brasileiras nos próximos anos. Não será fácil superá-lo, pois medidas que aparentemente ajudam podem atrapalhar, dependendo do momento em que sejam tomadas. Mas, ao que tudo indica, o Brasil está caminhando no rumo certo.