REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Estratégias asiáticas

Esta na moda falar dos BRICS’s, de suas semelhanças na magnitude de território, população e recursos naturais como fatores importantes para alavancar seu desenvolvimento. Talvez seja oportuno falar algo sobre as estratégias que estão usando para empregar estes fatores, estratégias nas quais as diferenças são mais marcantes que as semelhanças.

A Rússia não tem um padrão definido. Depois do colapso do regime de planejamento central, suas possibilidades de desenvolvimento estão muito amparadas no seu potencial exportador de energia, petróleo e gás. A Índia apostou na sua capacitação científica para se qualificar como prestador de serviços, sobretudo na área de TI, e produtor/exportador em áreas de alto conteúdo tecnológico, como medicamentos, por exemplo.

A China parece seguir um caminho já trilhado antes por Coréia e Japão, entre os “tigres” asiáticos, uma estratégia de desenvolvimento mais global, mais ambiciosa. A partir da década de oitenta, pôs fim na malfadada Revolução Cultural e caminhou paulatinamente para uma economia de mercado, adotando um modelo exportador calcado na importação de tecnologia e no uso de sua mão-de-obra abundante e barata. Apesar de problemas em alguns setores, o sucesso geral foi notável. Em duas décadas, a economia chinesa passou a ser considerada um dos motores do desenvolvimento global, seja como um voraz comprador de matérias-primas, seja como um agressivo vendedor de produtos industrializados.

Já no inicio da década de 90, um pouco sob pressão dos países desenvolvidos, começou a adequar seu marco regulatório, adotando um sistema de patentes, por exemplo, a fim de garantir o fluxo de tecnologia externa de que necessitava. Nos primeiros anos deste século, aderiu à OMC como membro pleno, o que lhe garantiu o acesso não discriminado aos mercados mundiais. Ao longo de todo este período investiu pesadamente na educação científica e tecnológica e foi gradativamente melhorando a qualidade geral de sua produção, introduzindo padrões de produção e controle baseados em modelos ocidentais.

O sucesso do modelo exportador, traduzido na elevação continua do PIB em taxas elevadas, por anos a fio, trouxe como consequência a elevação do poder de compra da população chinesa. O crescimento do poder de compra de uma população de mais de 1,3 bilhão de pessoas, ainda que longe dos padrões individuais do Ocidente, colocou o mercado interno chinês como variável importante para a estratégia de desenvolvimento e o governo central não ficou indiferente a isto. A partir de 2006 uma nova estratégia de desenvolvimento começa a se delinear, à Política de Inovação e Desenvolvimento Autóctone – PIDA. Esta política vem sendo implantada como uma resposta ao temor do governo chinês de que sua economia ficasse limitada pela dependência de tecnologia externa e pela predominância de marcas estrangeiras.

O objetivo da Pida é preparar o país para se desenvolver com seus próprios recursos, estimulando a geração interna de tecnologias e produtos e processos inovadores, exatamente como fizeram Coréia e Japão, duas décadas antes.

A principal alavanca da Pida é o poder de compra do estado.

O governo chinês dará preferência aos produtos fabricados na China por empresas que tenham os direitos de propriedade industrial na China e que tenham marcas registradas originalmente na China e este é o principal elemento de estímulo à inovação.

Adicionalmente, o governo chinês preparou listas de produtos em que tem interesse em adquirir, garantindo um mercado inicial para as empresas que se dispuserem a inovar. A maioria dos produtos incluídos nessas listas é de alta tecnologia e tem uma componente estratégica muito clara: os produtos estão voltados para as necessidades e tendências do futuro.

Em 2010, o conjunto de leis e regulamentos parece ter ganhado forma final com a emissão da Lei de Compras do Estado, a ser seguida por todos os níveis de governo – central, provinciais e municipais, sem exceção.

Por essa legislação, produtos chineses terão uma margem de preferência de até dez por cento sobre os importados quando o critério for apenas preço. Quando outros critérios forem previstos, uma preferência adicional de até oito por cento pode ser utilizada.

Novidades? Na verdade não. Usar o poder de compra do estado para alavancar o desenvolvimento, preservando o mercado interno para a produção local é política já usada por diversos países ao longo da história, inclusive no Ocidente. Os americanos têm o Buy American Act desde a década de 30 e usam largamente encomendas governamentais, sobretudo pelo Ministério da Defesa, para alavancar o desenvolvimento de tecnologias em que estejam estrategicamente interessados.

Aqui no Brasil também ensaiamos usar o poder de compra do estado para alavancar o desenvolvimento. Para nós as novidades do programa chinês talvez estejam limitadas à abrangência e à coesão, pontos em que o nosso desempenho é lamentável. Lá há um órgão de coordenação central, todos os níveis de governo devem seguir as determinações legais e os ministérios do planejamento e das finanças são peças importantes da engrenagem, lado a lado com os ministérios da ciência e tecnologia, da indústria e comércio, da informação etc. e tal. Este é o modelo a imitar para se ter a eficácia que se deseja.

Marcos Oliveira
Marcos Oliveira
Membro do Conselho Consultivo da ABIFINA.
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