REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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Sem indústria de ponta seremos sempre subdesenvolvidos
//Editorial

Sem indústria de ponta seremos sempre subdesenvolvidos

Para o Brasil dispor de uma indústria forte em segmentos de maior intensidade tecnológica, objetivo estratégico perseguido pelos países emergentes que crescem a elevadas taxas e sem subordinação às nações do primeiro mundo, é necessário se discutir uma política nacional para o câmbio.

Até aqui, por conta de um comportamento errático do câmbio, não atrelado aos superiores interesses nacionais, o país não conseguiu avançar na consolidação de segmentos da indústria com maior intensidade tecnológica. Fruto de decisões políticas equivocadas, até mesmo deliberadamente, o comportamento do câmbio foi determinante na definição do perfil da nossa indústria nas últimas duas décadas.    

A bem da verdade, com a perda de eficácia do modelo de substituição de importações nos anos oitenta, a economia brasileira passou a sofrer contínuo processo de desindustrialização, que se acentuou fortemente nos anos 90 em decorrência da política econômica adotada no país, com pouca ou nenhuma preocupação com o setor produtivo, em particular com a indústria e nesta, em especial, com os seus segmentos de ponta.

O resultado não poderia ser outro: o peso da indústria no PIB caiu fortemente. Dados divulgados pelo IPEA, por exemplo, mostram que, entre 1981 e 2008, a participação da indústria no PIB brasileiro caiu de 44,31% para 27,34%.
Essa política econômica ganhou contornos finais com o lançamento do Plano Real que tinha a política cambial como uma de suas principais âncoras. Com efeito, calcada na forte valorização do real em relação ao dólar – vale lembrar que o real nasceu valendo mais que o dólar – a política cambial foi de grande importância para a estabilização da economia. Todavia, o que era para ser transitório passou a ser permanente, a ponto dessa política vir a se tornar a maior responsável pela aceleração do processo da desindustrialização do país.  

Como era esperado, uma das resultantes dessa política foi a queda na taxa de investimento. No período em questão, ela caiu de 24,45% (1981) para 19,91 % (2008). Em que pese os defensores da desvalorização do dólar frente ao real alardearem que essa desvalorização baratearia a aquisição de máquinas e equipamentos do exterior – o que permitiria o aumento da competitividade da indústria nacional – a indústria brasileira não investiu como deveria.

Todavia, a resultante mais importante dessa política foi a mudança no perfil da indústria nacional. Esta, antes tida como diversificada, passou a ser de commodities industriais. Na realidade, as indústrias fabricantes de produtos com maior valor agregado foram, paulatinamente, sendo fechadas e as que sobreviveram enfrentam enormes dificuldades, como é o caso das indústrias da área da química fina. E com a permanente valorização do real foi jogada por terra a possibilidade de segmentos da indústria nacional com maior intensidade tecnológica virem a ter uma forte presença econômica no país. A mudança, em 1999, do regime cambial para o de câmbio flutuante, não impediu uma nova onda de valorização do real.

Dados divulgados?pelo IEDI sobre o saldo comercial da indústria no período de 2004 a 2009 (nesse ano, os dados se referem ao acumulado de janeiro a setembro) mostram que, em 2004, foi de US$17,09 bilhões e, em 2009, negativo em US$4,83 bilhões. Ao desagregar esse saldo segundo a intensidade tecnológica dos produtos, sobressai que os setores de alta/média e alta tecnologia apresentaram um elevado crescimento do déficit comercial no período em consideração – o déficit do segmento de média/alta tecnologia aumentou de US$2,07 bilhões, em 2004, para US$19,19 bilhões, em 2009,?e o déficit do segmento de alta tecnologia de US$5,58 bilhões,?em 2004, para US$12,65 bilhões, em 2009.

Assim, com base nos dados do IPEA e IEDI, fica claro o continuado processo de desindustrialização brasileira que, além de causar uma redução nos investimentos, levou a um crescente déficit comercial da indústria nacional, sobretudo nos segmentos que fabricam produtos com maior densidade tecnológica.
Esse cenário hoje já é caracterizado por economistas brasileiros como típicos da “doença holandesa” – expressiva valorização da moeda holandesa, o antigo Florin, resultado do enriquecimento com o petróleo, que praticamente destruiu a indústria da Holanda.  Em nosso país a excessiva valorização do real e sua permanente instabilidade impedem o crescimento da indústria fabricante de bens de maior intensidade tecnológica. Por certo, essa doença não atingiu os segmentos de commodities industriais, cuja dinâmica é ditada pelos preços internacionais.
Ao não ter presença relevante nos segmentos industriais de maior densidade tecnológica o país apresenta um baixo índice de inovação; o balanço de pagamentos fica na dependência dos aumentos dos preços internacionais das commodities e a geração de empregos qualificados patina. A mudança desse cenário certamente exigirá a adoção de medidas imediatas, ainda em 2010.
Entre essas medidas que vem sendo sugeridas por economistas de renome, como Mauro Arruda que se destaca pela sua realista visão do setor industrial, estaria a instituição de um sistema de metas de câmbio, à semelhança do que se faz em termos de metas de inflação. Esse sistema estabeleceria intervalos de variação do câmbio. Exigiria intervenções do Banco Central para manter o câmbio no intervalo definido, que poderia ser revisto anualmente e toda vez que se fizer necessário. Um sistema como esse evitaria o que há de ruim no regime de câmbio flutuante, pelo menos como vem sendo aplicado no Brasil, isto é, a impossibilidade das empresas poderem planejar com alguma segurança suas exportações e importações. Assim, com um câmbio competitivo ou, na melhor das hipóteses, o mais neutro possível, e flutuando com margens razoáveis de segurança, as indústrias de maior intensidade tecnológica poderão florescer e ganhar corpo.

É evidente que um sistema de metas de câmbio precisa estar inserido numa política econômica mais comprometida com o desenvolvimento do país. Nessa perspectiva, a política monetária, ainda que seja independente da política cambial que se vislumbra, deve ser tocada com equilíbrio. Para tanto não deve se curvar a determinados interesses. Preocupa o fato de certos atores do mercado estarem sinalizando, insistentemente, que será inevitável o aumento, em 2010, da taxa de juros para 11% ou até mais, como forma de manter o controle sobre a inflação. Se isso acontecer, haverá pressão para a valorização do câmbio e queda do investimento.

Em reforço à medida de metas de câmbio, não se deve descartar a aplicação, sempre que necessária, de política fiscal. Um bom exemplo de política fiscal foi a empregada pelo Ministério da Fazenda, em 2009, para diminuir a entrada de recursos especulativos em nosso mercado de capitais.

Também em reforço às metas de câmbio, seria a criação de fundo soberano, como fizeram países com reservas cambiais expressivas. A Noruega, apenas para citar um país rico em petróleo, como forma de evitar a “doença holandesa”, criou seu fundo soberano.

Essas seriam algumas das possíveis medidas para trazer o valor do real para patamares que incentive a criação e o fortalecimento de indústrias de maior intensidade tecnológica.

A presente valorização do real não deve diminuir o interesse de levar adiante essas medidas. É esperado que o real se desvalorize bem no decorrer de 2010, seja por conta dos crescentes déficits em transações correntes e na balança comercial, seja por conta da própria valorização do dólar. Isto será benéfico para a indústria nacional, mas não será suficiente para o desenvolvimento dos segmentos de maior intensidade tecnológica. Sem o mínimo de estabilidade, o câmbio flutuando de maneira desordenada e dentro de enormes intervalos, não haverá investimentos nesses segmentos e os que forem feitos serão tímidos e, portanto, não virão acompanhados de investimentos em inovação.      

É claro que a política cambial apontada contribuirá e muito para a mudança no perfil da indústria brasileira, fazendo com que ela deixe de ser uma indústria, apenas, de commodities.  Todavia, ela precisará contar com o reforço de outras políticas, como a industrial.

Assim, por exemplo, de forma a reverter décadas de perdas substanciais que sofreram as indústrias de maior intensidade tecnológica, o governo federal deveria implantar rapidamente uma alteração na Lei de Licitações com o objetivo de permitir o uso do poder de compra do Estado, direcionando as compras públicas prioritariamente para os produtos fabricados no Brasil. A Petrobrás, após entendimento realizado com o TCU, operacionaliza ações nesse sentido, tendo criado um cadastro próprio de fornecedores exclusivos, dos quais em muitos casos é exigida a fabricação no país, especialmente de componentes estratégicos para suas atividades e que requeiram rastreabilidade permanente de seus processos produtivos.

Ainda em termos de política industrial, deveria o governo federal estender para segmentos estratégicos, como o do complexo industrial da saúde, o marco regulatório estabelecido para as parcerias público-privadas na área de infraestrutura.

Indiscutivelmente, o Brasil pode-se orgulhar de atravessar um período de grande estabilidade macroeconômica, assegurada pelo acúmulo de reservas cambiais que se aproximam de US$240 bilhões. Este é o momento para realizar mudanças, de forma a superar os sintomas da “doença holandesa”. Não é possível um país ter uma economia forte, com renda per capita elevada e boa distribuição de renda, sendo, apenas, um grande produtor de “commodities”. 

Para voltarmos a ter uma indústria diversificada, com forte presença em segmentos de maior intensidade tecnológica, o país precisará contar com uma política cambial mais favorável ao setor produtivo, com taxas de câmbio que incentivem o investimento, inclusive em inovação, bem como efetivamente usar políticas industriais.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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