REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2010 • ANO IV • ISSN 2623-1177
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O risco de desindustrialização no Brasil pós-crise

É quase um consenso a idéia de que o Brasil superou bem a crise mundial desencadeada em agosto de 2008. De fato, os resultados macroeconômicos em 2009 foram bastante razoáveis, o que leva a crer que o governo não fará nenhuma mudança radical na atual política econômica. Por outro lado, a balança comercial, que na última década vem produzindo superávits decisivos para a consolidação dos chamados “fundamentos da economia”, começa a pender perigosamente para o lado das importações. Isto vem ocorrendo em função, principalmente, da política de juros altos e câmbio flutuante, devastadora para a competitividade da indústria nacional, especialmente nos segmentos de produtos intermediários de alto valor agregado, como as indústrias química e de bens de capital. Até quando poderemos nos apoiar na demanda de commodities da China para alavancar nosso crescimento? Nesta reportagem, FACTO apresenta a opinião de analistas, empresários e executivos sobre a estratégia adotada pelo governo brasileiro para reagir à crise e sobre o que pode ser feito para abortar o iminente processo de desindustrialização do País.

Política monetária versus política industrial

A pretexto de manter a inflação sob controle e evitar superaquecimento da economia, o governo tem insistido numa política de câmbio e de juros que solapa as bases do desenvolvimento industrial, especialmente nos segmentos de insumos de alto valor agregado, que são grandes responsáveis pelo crescente déficit da nossa balança comercial. Os analistas econômicos mais afeitos à ideia do desenvolvimento autônomo veem nessa política uma ameaça real ao futuro do Brasil, enquanto aqueles de tendência neoliberal tendem a minimizar seus efeitos negativos sobre a atividade industrial e reiterar que o controle da inflação é prioritário.

Na primeira categoria destaca-se o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, conselheiro da FIESP, diretor do Centro Internacional Celso Furtado de Desenvolvimento e autor do livro Desnacionalização. Numa avaliação do atual cenário, que se convencionou chamar “pós-crise”, ele elogia a atual política econômica brasileira em diversos aspectos, como a manutenção de um nível confortável de reservas cambiais, o estímulo ao mercado interno, a postura ativa dos bancos públicos na sustentação do crédito e as medidas de renúncia fiscal. Por outro lado, critica vigorosamente a política de juros altos e câmbio flutuante, que faz do País, no cenário atual, um “alvo preferencial de especulação” e pode comprometer seriamente o desenvolvimento industrial e o equilíbrio da balança comercial.

O balanço internacional entre juros e câmbio teve seu eixo deslocado neste último ano. Lacerda destaca que “dentre as medidas adotadas pelos países centrais para combater os efeitos da crise, houve uma redução drástica das taxas de juros. Comparativamente aos níveis vigentes no período pré-crise, o Reino Unido cortou a sua taxa de juros em 90%, os EUA em 83%, o Japão em 80% e a União Européia em 76%”. Segundo ele, isto fez com que os juros nominais praticados chegassem a um nível próximo de zero e os juros reais, que excluem a inflação corrente, se tornassem negativos.

“Essa redução de juros diminuiu o custo de oportunidade do capital, incentivando o consumo, a produção e, em tese, o investimento. Digo ’em tese’ porque o investimento produtivo só reage mesmo quando há uma clara percepção de retomada da demanda e as empresas estejam próximas de esgotar o uso da capacidade de produção já instalada. Em se tratando dos países citados, estas condições estão ainda longe de ocorrer”.

Os juros baixos nos EUA, associados à debilidade dos balanços fiscal e de pagamentos, têm provocado uma desvalorização do dólar relativamente à maioria das moedas dos demais países, observa o economista. “A exceção é a China, que mantém uma política cambial de atrelar a sua moeda ao dólar norte-americano, evitando a sua apreciação de forma a não perder competitividade no mercado global”.

Lacerda explica que, ao mesmo tempo em que taxas de juros baixas servem de fomento à atividade produtiva, elas também induzem à busca de alternativas de rentabilidade nas aplicações financeiras. “Esse processo acaba estimulando as operações carry trade, ou a tomada de recursos a juros muito baixos nos países centrais para compra de ativos, inclusive moedas, principalmente nos países em desenvolvimento”. É nesse quadro que o Brasil se torna um alvo preferencial de especulação, “porque mantém taxas de juros básicos ainda elevadas (8,75% ao ano), o que, associado a uma certa passividade na política cambial, provoca forte influxo de capitais estrangeiros, estimulando a valorização do Real”.

Mesmo reconhecendo que a alíquota de 2% de IOF (Imposto de Operações Financeiras) instituída em outubro passado serviu para inibir um pouco os influxos especulativos, Lacerda afirma que a política monetária vigente é muito arriscada. “O grande problema é que, com a mesma velocidade que o capital ingressa, provocando mais valorização do Real, poderá sair a qualquer momento, gerando a desvalorização pronunciada de ativos e provocando o efeito contrário na moeda”. Contudo, ele permanece otimista e confiante no aprendizado alcançado pelo Brasil com esta última crise, que serviu para testar a nossa capacidade de reação e quebrar paradigmas.

A primeira lição é que a qualidade da inserção externa é determinante para a melhora dos indicadores de vulnerabilidade e de solvência externa. Segundo Lacerda, somente países com baixo grau de exposição do seu balanço de pagamentos, como o Brasil, tiveram autonomia para redefinir suas políticas econômicas domésticas. “A despeito das críticas que destacavam o custo fiscal da acumulação de reservas cambiais, elas foram e têm sido fundamentais para evitar maior volatilidade da economia”. A segunda lição é a de que um mercado interno robusto faz diferença quando há desaquecimento na economia global. “O mercado doméstico, que no caso brasileiro responde por 85% do valor agregado, representa um importante ativo. Todos os países dotados de um mercado interno relevante e em expansão, como os países em desenvolvimento, tiveram um amortecedor para o colapso do comércio internacional”.

A terceira lição ensina a importância de um país ter bancos públicos para agir contraciclicamente e oferecer crédito e financiamento para a economia. “O BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal, assim como alguns bancos estaduais, fizeram um decisivo contraponto à contração do mercado de crédito privado”, elogia Lacerda. A quarta lição foi dada não pelo governo, mas pelas empresas brasileiras que, “vacinadas contra crises, não se deixaram levar pela precipitação. Ao mesmo tempo em que promoveram ajustes de curto prazo, elas não perderam o foco estratégico de longo prazo. Isto fez com que mantivessem basicamente os seus planos de investimento, embora inevitavelmente tivessem que ajustar os desembolsos”.

A quinta lição é focada na questão tributária. “Foi possível ampliar a demanda de bens duráveis com a redução da tributação por unidade” – assinala Lacerda. “O que devemos levar mais em conta é a elasticidade da demanda em face dessa redução. Isto vale também para outros tipos de bens, cuja demanda poderia ser estimulada, inclusive como fator distributivo de renda: alimentos, bebidas, calçados, vestuário etc. Não haveria prejuízo para a arrecadação tributária, uma vez que o volume seria aumentado”. A sexta lição se refere à importância de melhorar a eficácia dos gastos públicos correntes e aumentar os investimentos em infraestrutura econômica e social, de forma a balizar e multiplicar os investimentos privados.

A sétima e a oitava lições são as mais difíceis, porque concernem, na opinião de Lacerda, a erros cometidos na esfera da política monetária: os juros elevados e o câmbio flutuante, combinados, funcionaram como uma receita para a desindustrialização do País. “O BC agiu no início da crise de forma equivocada e na contramão do mundo, elevando os juros básicos, e depois relutou em reduzí-los porque estava olhando o inimigo errado – uma hipotética pressão inflacionária de demanda. Hoje isso parece loucura, mas quem se der ao trabalho de ler as atas das reuniões do Copom do final do ano passado vai se deparar com essa questão. O cenário do próximo ano, com a forte retomada prevista, vai nos dar uma nova oportunidade – ou de repetir o erro ou de avançar e testar novos limites para o tal juro de equilíbrio”.

Lacerda não vê grandes riscos de superaquecimento da economia brasileira. “Estamos retomando os níveis de atividade pré-crise. Há capacidade ociosa na indústria, que também vem retomando gradualmente os seus investimentos. Elevar os juros nos próximos meses poderá abortar esse processo. Ao contrário, deveríamos sinalizar com uma continuidade da redução dos juros reais, para estimular o investimento produtivo e incrementar os investimentos públicos em infraestrutura”.
Quanto à sobrevalorização do Real, Lacerda afirma que a política cambial brasileira sempre foi concebida para um contexto de escassez de divisas, e não para a abundância, que é o que temos hoje. “Os defensores do regime de câmbio flutuante nos moldes em que é aplicado no Brasil argumentam que o sistema se autoajusta, em função dos fluxos de capitais. Mas é justamente isto que se deve evitar, porque, se a valorização cambial é perniciosa para a atividade produtiva, levando à sua inviabilização, da mesma forma a excessiva volatilidade da moeda gera uma grande incerteza que inviabiliza o cálculo econômico e, portanto, as decisões envolvendo investimentos na produção. A deflação rápida de ativos também trava os mercados de crédito e financiamento, com efeitos danosos sobre o nível de atividade”.

A nona lição diz respeito à importância da credibilidade e capacidade de comunicação do governo. “O papel do presidente Lula, destacando a importância de que as empresas mantivessem seus investimentos e o nível de emprego e que os consumidores sustentassem a demanda, foi fundamental para a continuidade das atividades”, aplaude Lacerda. E a décima lição, de caráter mais geral, é a quebra de paradigmas. “O cenário internacional e doméstico exige a revisão de paradigmas que impõem pseudolimites para a redução das taxas de juros reais, do PIB potencial e de muitos outros indicadores. Qualquer previsão sobre potencial de crescimento e possíveis pressões de preços deve levar em conta as condições de eliminação da ociosidade da indústria local”.

Lacerda adverte que, embora o mercado interno seja um ativo importante para o crescimento, especialmente no quadro atual, em que a demanda internacional ainda é fraca, “seria um equívoco deduzir daí que o Brasil pode descuidar do seu comércio externo”. E é nesse contexto que a sustentabilidade do desenvolvimento industrial surge como um fator decisivo. “Devido ao fator câmbio, mas também à ausência de políticas eficazes de incremento das exportações, há uma piora da qualidade da exportação e uma deterioração do superávit comercial, que caiu de US$ 46 bilhões em 2006 para US$ 25 bilhões em 2009”. Nesse contexto, ele recomenda que o governo se antecipe aos problemas e tome medidas para corrigir a distorção de câmbio e juros no Brasil. “O melhor que temos a fazer é agir preventivamente. Além de buscar o aperfeiçoamento da política macroeconômica – fiscal, monetária e, principalmente, cambial – temos que implementar políticas de competitividade (industrial, comercial e de inovação) que estimulem o valor agregado local e fomentem exportações de qualidade”.

Para os analistas econômicos que defendem a manutenção da atual política cambial, o controle da inflação deve continuar sendo a prioridade máxima do governo. Representante desse grupo, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi ministro das Comunicações e presidente do BNDES no governo FHC, credita o bom desempenho do Brasil na superação dos primeiros efeitos da crise em grande parte ao comportamento do consumidor. “O consumidor brasileiro não entrou em pânico após a quebra do banco Lehman Brothers, como aconteceu com os bancos, o mercado e as empresas. Continuou a consumir na mesma intensidade de antes da crise. A explicação deste comportamento meio zen é muito simples: a maior parte do consumo no Brasil está concentrada nas classes B,C e mais recentemente também na D. Ora, estes brasileiros não acompanham com profundidade os acontecimentos no mercado financeiro internacional, centro nervoso da crise que vivemos. Como sua renda estava preservada, não houve descontinuidade nas suas decisões de consumo”.

Assim como Lacerda, Mendonça de Barros entende que o comportamento dos bancos públicos, que respondem por 33% do mercado de crédito no Brasil, foi decisivo para estabilizar e tranquilizar o mercado. “Ao ocuparem o espaço deixado pelas instituições privadas, eles evitaram que um vazio de crédito afetasse o consumidor e as empresas”. Por outro lado, em sua opinião, como na de outros analistas que privilegiam o mercado financeiro em detrimento do desenvolvimento industrial, a alta dos juros nada tem a ver com os problemas enfrentados pela indústria.

“Vamos separar as duas questões: de um lado uma eventual alta dos juros, na medida em que o Banco Central veja no aquecimento atual da economia o risco de não se manter a inflação ancorada. Do outro, o risco que um aumento dos juros pode trazer para a indústria brasileira. Nos dois casos minha opinião é que uma política adequada de juros não compromete necessariamente a indústria brasileira. A estabilidade da inflação e a existência de uma moeda confiável são condições necessárias para que o Brasil tenha uma indústria forte e competitiva” – afirma o economista.

Mesmo admitindo que o Brasil é um dos países industrializados com maiores taxas de juros, Mendonça de Barros argumenta que “isto não justifica deixar a inflação sair do controle. Os riscos de uma perda de competitividade da indústria brasileira – não gosto da palavra desindustrialização, por ser muito dramática – são mais complexos e extrapolam a questão dos juros altos. Eles estão associados à carga tributária, à falta de investimentos do governo na infraestrutura econômica e outras questões de natureza microeconômica”.

É notório que as questões tributárias e de infraestrutura afetam a indústria e as exportações, mas a combinação de juros altos e Real apreciado corrói a competitividade dos produtos brasileiros de maior valor agregado. É o caso da Itatex, fabricante de intermediários de síntese para a indústria química. Segundo seu presidente, Antonio Alonso Ribeiro, “a supervalorização do Real estimula importações indiscriminadas, impedindo o desenvolvimento do parque industrial brasileiro, gerando desemprego e reduzindo a arrecadação de impostos”. A atual política cambial, a seu ver, “só concorre para inviabilizar o crescimento e mesmo a sobrevivência de vários segmentos da atividade industrial. Estamos completamente vulneráveis à concorrência predatória, nos mercados interno e externo, de produtos fabricados em países que praticam uma política de desvalorização de suas moedas, como é o caso dos países asiáticos. Necessitamos urgentemente de uma política desenvolvimentista que contemple a exportação”. O presidente da Abinee, Humberto Barbato, acrescenta que o chamado câmbio de equilíbrio “deve assegurar razoável compensação pelos elevados custos tributários, de juros e trabalhistas que as nossas empresas suportam. O que se procura com uma taxa mais desvalorizada é a justa compensação para o impacto nefasto do ‘Custo Brasil”.

O advogado Durval de Noronha Goyos Jr, especialista em direito internacional, árbitro da OMC e da Comissão Internacional de Arbitragem Comercial da China, vai mais longe no seu diagnóstico e afirma que os juros elevados “contribuem para um endividamento público excessivo e desproporcional e minimizam a possibilidade de maior alavancagem da economia privada”. O Real apreciado, por sua vez, segundo ele “barateia as importações gerando um efeito real porém nefasto de controle da inflação. O verdadeiramente responsável e eficaz controle da inflação se faz com equilíbrio fiscal, e não com a ruína do setor produtivo nacional”.

O poder de alavancagem da inovação tecnológica

O conjunto de políticas públicas criadas para estimular o desenvolvimento industrial brasileiro não tem se mostrado eficaz como amortecedor do impacto destrutivo da atual política monetária. Algumas dessas políticas não chegaram a sair do papel, e outras foram desvirtuadas ou interpretadas desfavoravelmente à indústria pelos órgãos encarregados de implementá-las. Um exemplo é a política nacional de inovação tecnológica. Para Roberto Nicolsky, diretor geral da Protec, o atual marco legal de fomento à inovação tecnológica, consubstanciado na Lei de Inovação (artigos 19 e 20) e na Lei do Bem (Capítulo 3), “está atuando negativamente, dado que não repassa a totalidade dos recursos arrecadados na rubrica do FNDCT para que as indústrias se desenvolvam tecnologicamente. Assim, atua como um redistribuidor que toma recursos do setor produtivo e os transfere para o setor acadêmico, a pretexto de que este cumpra uma função inerente à atividade empresarial: a de gerar inovações”.

A Lei do Bem, por sua vez, segundo Nicolsky, está cumprindo o seu papel. “Ainda que seja restrita às empresas grandes e médias, que apuram lucro real e já investem em inovação, pode elevar a taxa desse investimento e a sua velocidade, com benefícios para a economia. Ela produziria melhores resultados se a Receita Federal se empenhasse em dirimir a insegurança jurídica que ainda prevalece quanto à sua interpretação do Capítulo 3 da Lei”. A importância de uma política de inovação tecnológica bem ajustada à realidade e às necessidades do País se evidencia, afirma o diretor da Protec, quando observamos a evolução recente da balança comercial brasileira: “A exportação de commodities, que alcançou quase 70% da pauta em 2009, segundo levantamento da AEB, nos tornou reféns dos preços e, consequentemente, da demanda por commodities, cujo mercado internacional é sustentado principalmente pelas elevadas taxas de crescimento de economias orientais, notadamente da China. Temos, assim, um crescimento outorgado pela China, o que é extremamente arriscado, para dizer o mínimo. Por outro lado, o rápido crescimento do mercado interno, impulsionado pelo crédito e pelas transferências de renda, levou a indústria a atender uma demanda crescente sem meios e sem tempo para estruturar o domínio tecnológico sobre os processos. Isto tornou inevitável a importação de matérias-primas de maior valor agregado, de componentes e de bens de capital, o que acarretou uma vertiginosa expansão do déficit na balança comercial de manufaturas de média-alta e alta intensidade tecnológica, como eletrônicos, farmacêuticos, bens de capital e outros. O déficit nestes segmentos cresceu quatro vezes entre 2006 e 2008, chegando a US$ 51 bilhões”.

A saída para esse impasse, segundo Nicolsky, é “promover de forma corajosa e ousada a agregação de valor pela incorporação de inovações desenvolvidas pela própria indústria nacional de manufaturas. Isso tem sido dito nos discursos oficiais, mas na realidade ainda persiste um forte preconceito contra o necessário compartilhamento de risco entre Estado e empresas para que ocorra uma universalização do esforço inovador em todo o setor produtivo”.

A preocupação de Nicolsky é compartilhada pelo diretor da Nortec, Nicolau Lages. Ele afirma que o País está investindo em ciência, inovação e tecnologia, “mas ainda é muito pouco. Precisamos investir mais do que 1,3% do PIB, que é o patamar atual, passando para algo acima de 2%. Os investimentos em inovação e desenvolvimento de tecnologias devem ser alocados, preferencialmente, nas empresas, local onde a inovação brota como fruto do trabalho para atender a uma necessidade de mercado, mas que precisa de recursos para a sua implementação. Não adianta concentrar os investimentos nas academias, pois o conhecimento científico que não produz riqueza não tem valor”.

Por outro lado, Lages reconhece que mercado interno é tão importante quanto inovação para sustentar o crescimento. “Se o desenvolvimento científico e tecnológico é necessário para garantir ao Brasil um crescimento econômico sustentável, por si só ele não será suficiente sem o crescimento da demanda interna. Países considerados tecnologicamente desenvolvidos, mas que dependem de exportações, não têm sustentabilidade econômica e entram em recessão nas crises mundiais de mercado”.

O presidente técnico-científico da Biolab Sanus, Dante Alario Jr, outro empresário que destaca a importância de o governo continuar e aprimorar as políticas industrial e de inovação, reivindica que a implementação dessas políticas passe a envolver todas as instâncias do poder público. “A área regulatória deve transmitir confiança ao industrial, e não temor; ser clara e estar em absoluta consonância com o projeto do governo. Isto vale também para as agências financiadoras, que deveriam seguir o exemplo da ótima atuação do BNDES; vale para o INPI, a Câmara Reguladora de Preços (CMED) e todos os ministérios envolvidos”.

Dante reconhece que o Ministério da Saúde vem praticando algo solicitado há muito pela indústria, que é exercer seu poder de compra em favor do produto nacional. O que não pode acontecer, em sua opinião, “é esta política impor uma participação cada vez maior do Estado no setor privado. Penso que, em contrapartida à preferência nas compras governamentais, a indústria deve se comprometer a investir mais em pesquisa, desenvolvimento e inovação, que acredito ser o único modo sustentável de crescer”.

A área regulatória é uma preocupação generalizada da indústria farmoquímica. Segundo Mário França, consultor do laboratório ABL, “o que os produtores de insumos esperam é que os órgãos reguladores do País os tratem de forma isonômica com os produtores internacionais. Dois temas deveriam ser priorizados com ações claras, objetivas e de implementação rápida: a certificação da Anvisa, cujas exigências deveriam ser uniformes para os produtores nacionais e estrangeiros; e a isonomia fiscal nas compras públicas federais, estaduais e municipais, estabelecendo uma comparação de preços que leve em conta, para efeito compensatório, diferenças tributárias e incentivos fiscais concedidos no país de origem”.

Na verdade, praticamente todos os obstáculos que emperram o desenvolvimento industrial brasileiro já foram identificados pelo governo. O presidente da Abimo, Franco Palamolla, lembra que “o Brasil já tem a resposta para esses problemas: a implementação da Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), um programa lançado em 2008 que define ações para fortalecer toda a cadeia produtiva de 26 setores, incluindo o Complexo Industrial da Saúde, mas que ainda não saiu do papel”.

A PDP inclui medidas relativas a incentivos fiscais, de crédito, capital de risco e subvenção econômica; regulação técnica, econômica e concorrencial; uso do poder de compra do Estado; apoio técnico na certificação e metrologia, promoção comercial, propriedade intelectual, capacitação de recursos humanos e capacitação empresarial. Colocá-la em prática, afirma Palamolla, “posicionaria o Brasil na rota do crescimento inclusivo e sustentável, porque criaria condições favoráveis ao desenvolvimento das empresas nacionais e as prepararia para enfrentar um novo desafio que desponta: proteger os recursos naturais e ligar a base da natureza à economia do conhecimento.”

O grande impasse da PDP, na avaliação do presidente da Abimo, reside na falta de poder de articulação do governo para mobilizar todos os atores capazes de tornar viável a execução do projeto. “A PDP não deve ser encarada como uma política de governo para o setor produtivo, mas como uma política de Estado para o país. É preciso empreendê-la”.

Na visão do diretor de operações e inovações da Servatis, Luciano Romagnolli, o desenvolvimento sustentável do setor químico requer uma análise de competências* (análise swot), em seguida um plano estratégico para nortear as empresas do setor, ações concretas na área do crédito e do fomento à inovação e parcerias com universidades públicas, empresas de agronegócio e traders do setor. Esse conjunto de ações permitiria “aumentar a competitividade na cadeia desde a matéria-prima até o produto acabado”.

Os desafios da sustentabilidade

Se o Brasil corre o risco de desindustrialização, isto significa que não estamos implementando políticas econômicas sustentáveis. E os desafios relativos à sustentabilidade vão se tornando cada vez mais complexos, especialmente quando se trata da indústria química. Segundo Rodrigo Pinto, diretor da indústria de catalisadores FCC, “a noção de crescimento sustentável nasceu como contraponto à ideia de crescimento a qualquer preço, com suas já conhecidas consequências para o meio ambiente e para as gerações futuras. Apesar de ser um conceito mundial, é certamente mais aplicável a países em desenvolvimento como o Brasil, onde ainda há muito por fazer e o meio ambiente ainda se encontra em bom estado de conservação. No nosso caso, portanto, a pergunta que se coloca não é se devemos ou não crescer, mas sim como e em que áreas o Brasil deve estimular o crescimento”.

O diretor da FCC considera que, para um país como o Brasil, é fundamental estimular não apenas o desenvolvimento tecnológico como também a absorção de tecnologias de ponta em soluções limpas. No mercado da química e especialmente da química fina, ele acredita que é imprescindível e urgente criar formas de financiamento mais baratas para projetos baseados em tecnologias limpas e sustentáveis, “para que nós não tenhamos que repetir a história dos países já desenvolvidos, que dilapidaram seus recursos naturais e o meio ambiente para chegarem onde estão, e hoje se põem a nos dar lições de como devemos nos desenvolver”.

A Abiquim vem tentando propor políticas nessa direção. Em dezembro de 2009, lançou o Pacto Nacional da Indústria Química, que visa, entre outras coisas, estimular a “química verde” no País. Segundo Nelson Pereira dos Reis, presidente da entidade, esse documento recomenda ao governo medidas relacionadas, por exemplo, à disponibilidade de matérias-primas, sistema tributário, desoneração da cadeia produtiva, defesa da concorrência, investimentos em infraestrutura logística, facilitação de acesso ao crédito, financiamento à exportação e incentivos à inovação tecnológica. Em contrapartida, acrescenta Reis, “a indústria química brasileira se compromete a desenvolver e difundir padrões cada vez mais elevados de responsabilidade industrial, ambiental e empresarial”.

Antônio Werneck de Castro, presidente do Instituto Vital Brazil, lembra que o desenvolvimento sustentável se define como “um modelo econômico, político, social, cultural e ambiental equilibrado, que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades”. Nessa perspectiva, a sustentabilidade do desenvolvimento brasileiro está ameaçada, pois um país que se conforma à posição de mero produtor de commodities e deixa de aproveitar o mercado interno que tem para fortalecer sua indústria está legando às gerações futuras mais problemas do que soluções.

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