Para o advogado Newton Silveira, diretor geral do IBPI, não é só na política de patentes que se joga o futuro da indústria. Nesta entrevista ele recomenda vigilância também sobre a política de direito autoral, que em sua opinião vem se tornando uma frente privilegiada dos interesses das grandes corporações.
Em sua intervenção como debatedor, o Sr. comentou que os direitos de autor podem vir a se configurar como um perigo até maior do que as questões de patentes, quando se trata de abuso do direito de propriedade intelectual. De que forma isto poderá ocorrer?
Trata-se de uma eventual alteração na lei de direitos autorais brasileira. O problema é muito parecido com o que se discute aqui, que são as patentes versus o acesso à saúde. Serão os direitos autorais versus o direito de acesso à cultura e à informação. Tanto numa área quanto na outra, o mecanismo é constitucional. O acesso à saúde é um direito constitucionalmente garantido e o acesso à informação também. No campo dos diretos autorais é importante considerar a Internet, que tem livre circulação pelo mundo, em contraste com o que estamos vendo agora com as medidas de fronteiras, mas a tendência de se controlar a informação pelas grandes corporações é muito grande. É um perigo que me chama a atenção.
Esse tema tem alguma ligação com a proteção do software, certo? No Brasil o software é submetido à lei de direito autoral, e não de patentes.
Sim, a proteção é por direito autoral e agora por cinquenta anos, o que é um absurdo. TRIPS estabelece que o países membros deverão proteger os programas de computador como obras literárias, e as obras literárias, pela convenção de Viena, que também é acolhida por TRIPS, estabelece a proteção mínima por cinquenta anos. Não faz sentido proteger o software dessa maneira porque o software é um meio técnico, e não uma obra artística.
Se considerarmos que em praticamente todos os produtos e processos industriais há software embutido, isto de alguma forma afeta a propriedade industrial?
Sim e não. O software não é o conteúdo, é o meio de fazer circular o conhecimento. Mas evidentemente está havendo uma apropriação dos sistemas de software. Tanto nos Estados Unidos como na Europa a Microsoft é acusada correntemente de abuso de poder econômico, de retirar concorrentes do mercado, então esta é uma área crítica também.
O Sr. também comentou que a decisão sobre a inventividade de uma patente deve caber ao juiz, o que parece ser uma defesa da flexibilidade no nível das regras. Na sua opinião, não deveríamos ter critérios mais objetivos de aferição?
Tanto nossa lei interna quanto TRIPS estabelecem como condições de patenteabilidade a novidade na aplicação industrial e a atividade inventiva. É ao aspecto da atividade inventiva que eu me refiro, porque se trata de um critério subjetivo. Na verdade o juiz entra depois; eu estava falando de administração pública, e especificamente desse impasse na questão dos medicamentos. O INPI fica no Rio de Janeiro e está sujeito a certas influências muito complicadas. Então, é uma medida de segurança ter uma revisão da Anvisa. Eu defendo que o sistema deve ficar como está no sentido de que a Anvisa continue tendo o poder de vetar certas patentes na área farmacêutica. O INPI se revolta e diz: “não, nós somos a única autoridade que pode dizer se há ou não atividade inventiva.” Ora, a Anvisa também pode, e ela vê não um pedido de patente do ponto de vista abstrato, mas do ponto de vista real, com sangue, suor e lágrimas. Portanto, em certas áreas nos é permitido, inclusive por TRIPS, ter uma exigência maior de criatividade. Mas então caímos num impasse, temos duas autoridades com opiniões diferentes. Em que sentido deve ser decidido? No sentido de negar a patente, porque na dúvida temos o critério do interesse público. Aí é que entra o juiz. A empresa que teve a sua patente negada tem sempre a garantia constitucional de ir a juízo reclamar seus direitos. Caímos no ponto que o juiz Hughes assinalou: tenha ou não atividade inventiva, é o juiz que decide, e aí a coisa termina.
Que desfecho o Sr. espera para a presente discussão no STF sobre a constitucionalidade das patentes pipeline?
Nossa Constituição de 88, no inciso 29 do artigo quinto, estabelece que as patentes serão concedidas de acordo com o interesse social e o interesse do desenvolvimento econômico do país. O que vai acontecer ou não é uma decisão política do Supremo Tribunal, mas eu acho inválido o argumento construído em defesa dessas patentes, de que elas devem ser mantidas porque a falta de novidade não é um requisito constitucional. Se eu fosse julgar, julgaria que as patentes concedidas sob regime de pipeline são inválidas e que o pipeline é inconstitucional.
A Europa parece estar acordando para os abusos do direito de patente. Isto nos favorece?
Houve um relatório do governo britânico por volta de dez anos atrás, e isto foi mencionado aqui no encontro, o que demonstra que o acordo TRIPS, passados quinze anos, não produziu os efeitos benéficos que prometia. Está matando o doente; e o doente somos nós, não é o Primeiro Mundo. A Europa está focada no abuso do sistema de patentes em detrimento do sistema da concorrência. É típico da União Europeia, até pela sua característica de ser uma união de países, privilegiar com grande ênfase a concorrência, entre os países membros e entre as empresas que estão nesses países, de modo que a concorrência gere desenvolvimento. Eles têm um olhar muito atento pra qualquer distorção da concorrência.