REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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Colonização, industrialização e globalização
//Editorial

Colonização, industrialização e globalização

Uma incipiente industrialização de ferro e algodão surgida no século XVIII, no Brasil, desagradava a Corte Portuguesa devido à concorrência que emergia ao comércio de Portugal e pelas preocupações quanto à autonomia financeira que poderia levar a uma independência política. Nesse cenário, em 1785, Maria I, rainha de Portugal, a título de proteger a cultura, a lavoura e a exploração de minerais em nosso país, determinou por alvará o fechamento de fábricas, manufaturas e teares que operavam no Brasil.

O período negro dessa proibição da atividade industrial brasileira começou a ser questionado com a chegada da família real portuguesa ao nosso país, em 1808, já que a sede da coroa se transferira para o Brasil sem prazo para retorno, devido ao avanço napoleônico na metrópole, sendo assim necessário produzir pólvora e armamentos para sua defesa.

Em decorrência dessa nova situação, em abril de 1809 – exatos duzentos atrás – o então príncipe regente editou um novo alvará anulando o édito de Maria I, ao tempo em que instituiu o sistema de patentes industriais no Brasil, numa cesta de incentivos para o desenvolvimento da indústria local. Esse marco histórico foi comemorado pela Escola de Magistratura do Rio de Janeiro e pela Escola da Advocacia-Geral da União, em seminário realizado nos dias 28 e 29 de abril. O édito do príncipe regente em realidade lançou os fundamentos de uma política industrial para o País que, ainda hoje, são bastante atuais, tendo como “pontos fortes” os seguintes destaques:

 Isenções fiscais para a indústria: isenção de direitos alfandegários na importação de matérias-primas destinadas às manufaturas brasileiras, bem como dos tributos de exportação incidentes nos produtos daí decorrentes.

 Uso do Poder de Compra do Estado para incentivar a produção local: proibição de comprar manufaturas estrangeiras para suprir necessidades públicas, caso haja fabricação no Brasil.

 Subsídios às indústrias em dificuldades financeiras: financiamento gratuito em favor das manufaturas brasileiras que necessitarem socorro financeiro, a partir de dotações orçamentárias específicas da Loteria Nacional do Estado.

 Patentes: privilégio exclusivo para a comercialização, por quatorze anos, no mercado brasileiro dos inventos de produtos que forem registrados na Real Junta de Comércio e fabricados no Brasil.

O alvará do príncipe regente, ao prescrever uma política pública voltada para a industrialização do Brasil, foi influenciado pelo Relatório sobre Manufaturas de Alexander Hamilton que havia sido apresentado ao Congresso dos Estados Unidos em 1791. Hamilton defendia que somente através da industrialização poderia ocorrer a transformação dos Estados Unidos em uma nação que assegurasse o suprimento de suas necessidades essenciais. Os ensinamentos de Hamilton podem ser sintetizados na célebre sentença: “a importação de bens manufaturados, invariavelmente, priva de sua riqueza os povos meramente agrícolas; a independência e a segurança de um país estão intimamente ligadas à prosperidade das manufaturas locais”.

A nova fase da evolução industrial brasileira, partindo do alvará do príncipe regente, focou o setor agroexportador – especialmente café que representava 70% das exportações brasileiras, mais carne e têxteis. O Brasil, ao permanecer como país essencialmente agrícola – sem buscar a fabricação de manufaturas como ensinava Hamilton – perdeu o compasso histórico do desenvolvimento econômico com os Estados Unidos a partir de então.

A implantação de uma relevante indústria manufatureira no Brasil somente foi iniciada pela Revolução de 1930 com Getúlio Vargas, ao afastar do poder as oligarquias do sudeste brasileiro que essencialmente representavam interesses do agronegócio regional. A política nacional industrializante de Vargas visou a implantação da indústria de base e a produção de energia, amparadas pelo capitalismo do Estado.

Com Juscelino, nos anos 50, foi iniciado o ciclo de internacionalização da economia brasileira, mas sem abandonar o apoio estatal – que foi inclusive ampliado durante o período militar. O Conselho de Desenvolvimento Industrial, comandado por Paulo Belotti e Severo Gomes, nos anos 70 desenvolveu um modelo tripartite para o investimento privado apoiado pelo Estado para a implantação da petroquímica – Petroquisa, empresa privada nacional e estrangeira – que resultou na criação de um parque produtivo internacionalmente importante.

A partir dos anos 80, com Reagan nos Estados Unidos e Tatcher na Inglaterra, foi iniciado o período da globalização das economias, na forma definida em 1989 como o Consenso de Washington, que resultou na criação, em 1995, da Organização Mundial do Comércio (OMC), organismo internacional destinado a gerenciar os acordos que compõem o sistema multilateral de comércio.

Diferentemente dos países do leste asiático que adotaram uma postura mais cautelosa nesse cenário globalizante das economias, o Brasil realizou nos anos 90 uma imprudente abertura comercial, sem um mínimo de cuidados com a produção doméstica, nem mesmo respeitando os contratos que o Estado havia firmado com o setor produtivo nos anos 80.

Assim, a inepta abertura comercial realizada nos anos 90 seguindo o figurino neoliberal – “a melhor política industrial é não haver política industrial”, e à semelhança do alvará de Maria I que comandou o fechamento de indústrias no Brasil, teve como resultado o sucateamento de emergente indústria da química fina implantada no país entre 1984 e 1989, cujo desenvolvimento tecnológico e industrial havia sido alcançado pelo Brasil através de uma simples Portaria (PI 04/84). A Portaria, envolvida em forte vontade política do governo, serviu de modelo de política pública ao leste asiático que então apresentava um menor grau de desenvolvimento. Cinco anos após, infelizmente, o Brasil cedeu aos cânticos do Consenso de Washington, abrindo seu mercado de forma unilateral, do que resultou a canibalização de sua nascente indústria da química fina. Índia, Coréia e China que optaram por manter o modelo de industrialização desenhado (e desdenhado) pelo Brasil são hoje fabricantes e exportadores relevantes de medicamentos, fármacos e produtos agroquímicos.

Com a eleição de Lula, em 2002, surgiu a rediscussão do processo de abertura econômica ocorrida nos anos 90, sendo diagnosticados problemas e retomadas políticas públicas para apoiar o desenvolvimento do país, redirecionando ações do Estado, visando-se objetivos estratégicos nas áreas da saúde e tecnologias de ponta. Mas foi somente no segundo mandato que os diagnósticos feitos em fóruns de debates conduzidos ao longo do primeiro mandato, entre os setores público e privado, passaram a se transformar em medidas focadas naqueles tópicos em realidade já conhecidos desde duzentos anos atrás, como “pontos fortes” do alvará editado pelo Príncipe Regente: apoio à fabricação local via isenções tarifárias, financiamento subsidiado pelo Estado, uso do poder de compra do governo e da propriedade industrial num contexto de inovação tecnológica.

Assim como a petroquímica brasileira iniciou seu brilhante percurso, começam agora a serem forjadas as primeiras parcerias público-privadas na área da química fina, tendo por objetivo o atendimento de necessidades estratégicas da saúde pública. O governo central começa a incentivara formação de parcerias entre laboratórios oficiais e empresas privadas, acenando com a garantia do mercado público em contratos de fabricação plurianuais, visando o atendimento das demandas de produtos essenciais à saúde da população atendida pelo Sistema Único de Saúde.

Nesse cenário, já é sentida necessidade de mudança no marco regulatório dos maiores laboratórios oficiais operando no Brasil, com o objetivo de conferir às suas parcerias com indústrias a agilidade e a flexibilidade indispensáveis para operações industriais, como fez o governo nos anos 70 ao criar a Petroquisa. E, em adição, adotar contratos de gestão para orientar suas atividades, onde sejam buscados resultados operacionais e adequação de processos licitatórios para aquisições de matérias-primas às necessidades do sistema produtivo via cadastramento de fornecedores, segundo critérios técnicos e sanitários.

Por último, mas não menos importante, cabe ao governo federal transformar a prioridade conferida ao complexo industrial da saúde em medidas efetivas, visando a fabricação local de insumos e intermediários químicos necessários a esse complexo industrial. Isso pode ser viabilizado técnica e economicamente através da implantação, pela Petrobras, de unidades multi-propósito para a operação pelo sistema de bateladas, localizadas à jusante de refinarias ou petroquímicas, visando fabricar derivados de benzeno, tolueno e m-xileno.

Um projeto dessa natureza a ser desenvolvido pela Petrobras deveria partir de uma análise dos mercados internacional e nacional dos setores farmacêutico e de defensivos agrícolas, porque tais produtos partem das mesmas matérias primas, passando por duas dezenas de intermediários químicos que ainda não são fabricados no Brasil. Disponibilizar localmente tais intermediários ensejará o surgimento de uma expressiva demanda de outras especialidades da química fina, que hoje estão sendo importadas por falta de tais insumos e que resultam ao todo num déficit da balança comercial superior a oito bilhões de dólares/ano.

Na atual conjuntura de crise internacional, o Brasil tem tudo para emergir como uma nação de primeiro mundo nessa estratégica área. Com determinação e vontade política certamente chegaremos lá.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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