REVISTA FACTO
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Mai-Jun 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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200 anos de Propriedade Industrial no Brasil

Os 200 anos da instituição jurídica da propriedade industrial no Brasil foram devidamente comemorados com a realização de dois seminários sobre o tema. O primeiro, realizado no Rio de Janeiro sob a coordenação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, Advocacia Geral da União – AGU e Escola de Magistratura Regional Federal da 2ª Região – Emarf, realizou-se nos dias 27 e 28 de abril. O segundo, promovido pelo Ministério das Relações Exteriores – MRE, Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI e INPI aconteceu em Brasília nos dias 29 e 30 do mesmo mês.

Se o seminário no Rio de Janeiro teve seu foco principal na situação interna brasileira, em Brasília, a presença de um dos vice-diretores da OMPI e a participação de representantes do MRE induziram o destaque para alguns aspectos do sistema internacional de proteção à propriedade intelectual e sua eficácia, considerada a situação do desenvolvimento comparado das nações do mundo.

Interessante destacar que o Alvará de 28 de abril de 1809 fez mais, bem mais do que simplesmente inserir no ordenamento jurídico brasileiro a proteção às invenções. Na verdade o Alvará representou o estabelecimento de uma verdadeira política industrial para o Brasil, privilegiando a fabricação local através da redução de impostos, direcionando compras governamentais para produtos locais em detrimento dos importados e favorecendo a importação de matérias primas. Neste contexto, a concessão de privilégios aos inventores foi apenas mais uma das medidas em favor da industrialização do Brasil tomadas por D. Pedro. Uma sábia lição.

Os textos a seguir resumem os pronunciamentos feitos ao longo dos dois eventos.

Seminário “200 Anos de Propriedade Industrial no Brasil:

Implicações Jurídicas, Econômicas e Sociais” (Justiça Federal-RJ)

Cláudia Chamas  Pesquisadora da Fiocruz e Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Publicas, Estratégias e Desenvolvimento (UFRJ-Fiocruz)

Márcia Maria Nunes de Barros  Juíza Federal Titular da 37ª Vara Federal e Presidente da Comissão de Direito da Propriedade Intelectual da EMARF – Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região

Vânia Maria Pacheco Lindoso  Coordenadora Jurídica de Contencioso e Procuradora Federal em exercício no Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI

Os 200 anos da introdução do Alvará de 28 de abril de 1809 ensejam reflexões sobre a trajetória da propriedade industrial no Brasil e os seus efeitos nos campos jurídico, social e econômico. Recuperar os caminhos históricos das “leis de patentes” é tarefa de grande relevância para a atualidade, marcada pela retomada política de projetos que enfatizam a necessidade dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e capacidade industrial, possibilitando a dinamização dos empregos locais de alta qualificação.

Em face da data de grande simbolismo não somente para os especialistas em propriedade industrial, mas para a coletividade, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a Escola da Magistratura Regional Federal da 2ª Região (Emarf), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Advocacia-Geral da União (AGU) organizaram um debate que permitiu a participação de diversos segmentos da sociedade. O Seminário “200 Anos de Propriedade Industrial no Brasil: Implicações Jurídicas, Econômicas e Sociais” teve lugar no Auditório da Justiça Federal, no Rio de Janeiro, nos dias 27 e 28 de abril de 2009. Para palestrar, foram convidados diversos especialistas do Governo e representantes de empresas e entidades empresariais do setor químico-farmacêutico. Ajudando a atingir o objetivo estabelecido, esteve presente uma audiência bem diversificada – acadêmicos, magistrados, membros do Governo e da indústria, advogados, estudantes, entre outros.

Paulo César Morais do Espírito Santo, presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, estruturou a mesa de abertura composta por: Maria Aparecida Stalliviere Neves, chefe de Gabinete da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Marcos da Silva Couto, procurador-chefe da Procuradoria Regional Federal da 2ª Região da AGU, Maria Helena Cisne, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2a Região e diretora geral da Escola de Magistratura Federal da 2ª Região, Jorge de Paula Costa Ávila, presidente do INPI, Carlos Augusto Gabrois Gadelha, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, e Luiz Carlos Vanderley de Lima, coordenador de Propriedade Intelectual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O painel “O Papel do Estado na Definição de um Arcabouço Legal em Propriedade Industrial: Desenvolvimento Tecnológico, Econômico e Social do Brasil” contou com dois palestrantes de honra, a saber: Roberto Jaguaribe, embaixador e subsecretário Geral de Assuntos Políticos II do Ministério das Relações Exteriores, e Luiz Paulo Teixeira Ferreira, deputado federal (PT-SP).

Jaguaribe esclareceu que houve um deliberado esforço de mistificação da propriedade industrial, por exemplo posicionando-a como um direito divino. O objetivo principal não pode ser perdido de vista. A propriedade industrial é um meio para a capacitação tecnológica e industrial. Trata-se de um problema sistêmico, pois isoladamente a propriedade industrial não resolve os propósitos de desenvolvimento.

Teixeira tornou compreensível o problema das patentes pipeline e a estratégia recente de extensão patentária (segundo uso, polimorfos, etc). Esclareceu sobre os projetos de lei presentes na Câmara que abordam o tema e ajustam a situação para a não-concessão de patentes triviais no Brasil. Elucidou as diversas posições dos órgãos governamentais.

A mesa “Propriedade Industrial e o Desenvolvimento Sócio-Econômico” foi presidida por Luis Felipe Salomão, Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Victor Albuquerque, procurador federal em exercício da Anvisa, explicou o desafio de ponderar um regime jurídico justo em um país como o Brasil. Esclareceu o desequilibro em relação ao volume de depósito de patentes não residentes em países de renda média. Demonstrou que, no Brasil, um sistema mais forte de PI não alavancou um sistema de inovação farmacêutica. Lembrou as flexibilidades contidas no Acordo Trips, que podem ser plenamente aproveitadas em prol dos objetivos da saúde, possibilitando evitar os excessos na proteção dos produtos que atravancam o acesso amplo a medicamentos.

James Housel, representante do Escritório Americano de Marcas e Patentes dos Estados Unidos, defendeu a propriedade industrial como um elemento para o desenvolvimento, desde que integrada a uma estrutura sócio-econômica, permitindo a geração de efeitos positivos para a sociedade.

Nos debates, Beto Vasconcelos, subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, focalizou que ainda não foi alcançada uma equação perfeita entre a proteção da propriedade industrial e o acesso ao conhecimento e à saúde. Roberto Reis, pesquisador da Fiocruz, fez referência ao necessário equilíbrio entre a proteção e o acesso que está distante do desejado. Várias técnicas e táticas estão sendo empregadas para dar vida extra à proteção já concedida, impedindo a substância de ganhar o domínio público. Alertou que assinatura de acordos bilaterais altera condições de proteção vis-à-vis as condições acertadas em nível multilateral.

André Fontes, desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, coordenou o painel “A Propriedade Industrial e o Interesse Público”.

Carlos Passarelli, assessor-chefe de Cooperação Internacional do Programa Nacional de DST/Aids, assinalou que a saúde pública tem primazia sobre o interesse privado. Para o contexto da Aids, o Estado brasileiro ofereceu respostas precoces. O cumprimento das políticas públicas vincula-se à fabricação nacional de medicamentos e aos cuidados com a redução da vulnerabilidade sobre os volumes substanciais de importação de princípios ativos de alto custo. A licença compulsória do Efavirenz se apoiou na falta de alternativas para o enfrentamento do elevado preço praticado pelo setor privado vis-a-vis a crescente demanda nacional. Os excessos na proteção da propriedade industrial não implicam, necessariamente, investimentos em produção local ou novos produtos no mercado. Passarelli fez recomendações: (i) não-concessão de patentes frívolas (segundo uso, etc); (ii) revisão das patentes concedidas pelo pipeline; (iii) fortalecimento da anuência previa; (iv) implementação das flexibilidades do Acordo Trips; e (v)  institucionalização da participação do movimento social em órgãos como o INPI.

Na consecução da propriedade industrial, merece ser vislumbrado o papel do destinatário do serviço público, que é o cidadão, adverte Antonio César Silva Mallet, procurador-chefe da Fiocruz. A propriedade industrial não é um fim em si mesma e o fim social do direito deve ser preservado. Neste caso, o acesso a saúde é garantia fundamental. O Acordo Trips é um tratado entre desiguais. Por outro lado, há aberturas – Trips, por exemplo, não define o que é invenção. A interpretação de Trips condizente com o ambiente do país poderia viabilizar a coibição da concessão de patentes frívolas. Não há razão para deixar de priorizar a fabricação local. No Brasil, vale destacar a presença fundamental do Judiciário e o papel de empoderamento do INPI na contextualização dos princípios estabelecidos por Trips, contornados pelas necessidades do cidadão. O sistema de patentes é instrumento de política industrial, justificando-se quando aplicado à realidade nacional e devendo governar a busca pela autonomia tecnológica.

Nos debates, Jorge Raimundo Filho, presidente do Conselho Consultivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA), questionou a existência de um conceito apropriado de interesse público. Esclareceu que, antes de 1996, não havia proteção patentária para medicamentos no Brasil. Manifestou que a lei precisa estar em linha com a inovação. Agasalhou a tese da proteção para o segundo uso médico em função dos custos em pesquisa, inclusive pesquisa clínica. Informou que a empresa farmacêutica multinacional já está investindo em pesquisa e desenvolvimento.

Odnir Finotti, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos – Pró-Genéricos, chamou a atenção para as barreiras que vêm sendo colocadas no período final das patentes pipeline e que podem ser prejudiciais à boa atuação das empresas de genéricos.

Sob a coordenação da juíza federal Márcia Maria Nunes, a terceira mesa tratou do tema “200 Anos do Sistema Brasileiro de Patentes – Construções Históricas e Controvérsias Recentes”. Nuno Pires de Carvalho, funcionário da Secretaria da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), não pode comparecer ao evento, mas enviou contribuições por escrito, que foram lidas na ocasião. A análise se concentrou nos efeitos do Alvará de 1809 e também

destacou que “uma lei de patentes é apenas um elemento de uma política industrial mais vasta, e necessita de outros elementos para ter efetividade”.

Otávio Brandelli, conselheiro da Missão do Brasil junto à Associação Latino Americana de Integração (Aladi) do Ministério das Relações Exteriores, abordou ângulos históricos dos elementos que levaram à elaboração do Acordo Trips, analisando a posição do Brasil e as razões dos grupos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como as tensões nas relações internacionais. Igualmente abordou o processo de construção da Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279, de 1996), influenciada por componentes de ordens multilateral e bilateral.

Nas discussões, Nelson Brasil, vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina (ABIFINA), destacou políticas brasileiras de industrialização e aspectos de fomento à fabricação local e o instrumento de poder de compra, ressaltando que o Brasil não conseguiu manter os estímulos à industria nacional de modo constante ao longo dos diversos governos. Pedro Barbosa, advogado de Denis Borges Barbosa Advogados, ressaltou que o Brasil é um dos únicos países do mundo a ter previsto, em seu ordenamento jurídico, a patente pipeline.

Cristina Schwansee Romano, procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República da 2ª Região, presidiu a mesa “A Regulação da Transferência de Tecnologia”.

Antonio Luiz Figueira Barbosa, economista da Fiocruz, alertou para os processos de desregulação da transferência de tecnologia nos últimos 20 anos. Destacou a necessidade de se identificar e coibir, sistematicamente, cláusulas abusivas nos contratos de transferência de tecnologia.

Ronaldo Fiani, professor do Núcleo de Estudos Internacionais da UFRJ, deu relevo à tese de que absorver tecnologia é algo bem mais complexo do que pesquisar bases de patentes. Ressaltou a possibilidade de intervenção seletiva do Estado nos processos de incorporação de tecnologia de ponta, especialmente na coordenação do planejamento de longo prazo.

Nos debates, Liliane do Espírito Santo Roriz de Almeida, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região assinalou o problema dos limites do INPI na questão da regulação da transferência de tecnologia, especificamente quanto à remessa de royalties, que perpassa o Judiciário. Lia de Medeiros, coordenadora geral de Contratos de Tecnologia, discorreu sobre a evolução histórica da transferência de tecnologia no INPI e sobre os aspectos de desenvolvimento econômico.

Mauro Sodré Maia, procurador-chefe da Procuradoria Federal do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, conduziu os trabalhos da mesa “O Papel da Propriedade Industrial sob a Ótica do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal e da Advocacia”.

André Fontes , desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, discutiu o tratamento da propriedade industrial na magistratura e no Ministério Público. Também abordou a necessidade de produção de doutrina equilibrada para o trato da propriedade intelectual.

Marcelo Moscogliato, procurador regional da República da 3ª Região, destacou os aspectos concorrenciais da proteção patentária. Evidenciou o interesse público nas relações que envolvem direitos patentários, citando o caso Antrax nos Estados Unidos.

Nos comentários, Juliana Viegas, presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), defendeu o estímulo à inovação como saída para a estagnação, acompanhada de uma forte proteção à propriedade intelectual. Marcelo de Siqueira Freitas, procurador geral federal da Advocacia Geral da União, enfatizou a importância dos limites na leitura do respeito à propriedade industrial.

Sob a condução de Aurélio Virgilio Veiga Rios, subprocurador geral da República, a mesa cuidou do tema “A Interface entre o Direito da Concorrência e a Propriedade Industrial. Quais os Caminhos para a Promoção do Interesse Público?”

Paula Andréa Forgioni , professora titular de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), destacou que conhecimento é gerado a partir de conhecimento e o acesso ao conhecimento não pode ser bloqueado. O excesso do viés privatista não resolve os problemas atuais.

Arthur Badin, presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), salientou os objetivos da política antitruste, mormente o combate a cartéis e monopólios. Apresentou a visão de propriedade industrial como monopólio, assim como outras visões tais como, correção das falhas de mercado.

Karin Grau-Kuntz, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Propriedade Industrial, trouxe os fundamentos que embasam a interferência do Estado na garantia do emprego da informação no mercado. A propriedade industrial é uma garantia (dimensão privada) para que a criação seja empregada no mercado, porém gerando bem-estar social (dimensão pública). José Carlos Vaz e Dias, advogado do Escritório Jurídico Di Blasi, Parente, Vaz e Dias Advogados Associados, questionou o direito de propriedade industrial como monopólio per se. Controverteu igualmente o interesse público que é usado para fechar o mercado. Afirmou que há vários interesses públicos.

José Graça Aranha, diretor regional do Escritório de Cooperação Técnica e Capacitação para América Latina e Caribe da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), organizou a mesa “Propriedade Industrial e Fomento à Inovação”.

Para Jorge de Paula Costa Ávila, presidente do INPI, a internacionalização do sistema de propriedade industrial é inexorável. Abrigou a ideia de que é mais conveniente que o Brasil se dedique a entender profundamente esse processo e contribua para que ele ocorra da maneira mais conveniente para o País, ao invés de evitar participar do desenho de novos processos.

Zich Moyses Junior, diretor do Departamento de Economia da Saúde do Ministério da Saúde, mostrou as relações entre saúde e desenvolvimento econômico no escopo de um processo dinâmico e virtuoso. Marcou a questão do acesso nas competências do Complexo Industrial da Saúde, apontando os aspectos de propriedade industrial e os espaços para a vulnerabilidade.

Nas argumentações, Adriana Diaféria, gerente jurídica da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), historiou a política industrial brasileira e as bases para a criação da ABDI. Ciro Mortella, presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma), apontou que há vários conceitos de interesse público. Explicou que, com o cenário atual e o quadro regulatório, não parece haver condições suficientes para participação no mercado mundial de inovação.

Um balanço geral do evento permite perceber que o propósito original foi alcançado, elencando-se e analisando-se uma série de importantes conquistas, especialmente no âmbito do Judiciário, e identificando-se os principais obstáculos que ainda persistem, no plano da propriedade industrial, para a promoção das capacitações tecnológica e produtiva no Brasil.

200 anos de Propriedade Intelectual no Brasil

O Seminário do Itamarati

Cícero Ivan Ferreira Gontijo  Advogado, professor da Fundação Getúlio Vargas, autor de livros sobre Propriedade Intelectual

O mote foram os 200 anos da chegada de D. João VI ao Brasil e a emissão da primeira norma legal referente a propriedade intelectual no país. O Ministério de Relações Exteriores decidiu realizar, em associação com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial brasileiro, um seminário sobre a experiência brasileira em matéria de propriedade intelectual.

O encontro realizou-se no auditório do Palácio do Itamaraty, em Brasília, nos dias 29 e 30 de abril último.

Como era de se esperar, o seminário foi muito bem organizado, havia muita gente assistindo e muitos convidados de peso. A lamentar, por um lado, que a programação definitiva não foi cumprida na íntegra, por ausência de alguns palestrantes; e por outro, que certos palestrantes repetiram o mau costume de levar uma apresentação escrita para outra ocasião, elaborada para uma exposição mais longa, deixando nos participantes a sensação de falta de interesse, num encontro revestido da maior importância.

Na abertura, o Embaixador Pedro Luiz Carneiro de Mendonça lembrou a importância da data, pois foi o Alvará de 28-01-1809 de D. João VI que criou a primeira forma de recompensa aos inventores. Não o disse, embora fosse importante, que o príncipe regente não previa como recompensa pelas invenções registradas e divulgadas nenhum privilégio de monopólio, mas uma recompensa em dinheiro a ser paga pelo tesouro nacional. A idéia não vingou porque não foi regulamentada, mas restou na iniciativa o embrião daquilo que veio a chamar-se modernamente de certificado de inventor, a comprovar que o estímulo às invenções pode-se fazer por outros meios que não o do monopólio.

Falou o Diretor da OMPI Narenda Sabharwal, informando os novos projetos em andamento e elogiando o Brasil pela participação ativa nos trabalhos da Organização, em particular na proposição da Agenda para o Desenvolvimento.

Na qualidade de subsecretário de Assuntos Econômicos e Tecnológicos, falou o Emb. Roberto Jaguaribe, ex-presidente do INPI, relembrando uma antiga tese de que os direitos de propriedade intelectual não são direitos naturais e, como tal, só têm sentido se contribuem para o desenvolvimento local. Referia-se à teoria do contrato social, segundo a qual a concessão de patentes tem a mesma natureza de concessão administrativa. Por ela, o Estado concede ao particular um benefício sob a forma de monopólio temporário em troca da divulgação ampla dos detalhes da invenção e (cada vez menos em voga) da fabricação local dos produtos e processos objeto da patente. Tal tema veio a ser repetido, sob outra roupagem, nas exposições de Karin Kuntz e Cláudia Chamas, que destacaram a prevalência que deveria ser dada aos interesses públicos quando em choque com os interesses privados dos detentores de patentes.

O diplomata Guilherme Patriota, chefe da Missão brasileira junto à ONU, contribuiu com a melhor frase da reunião: “para tornar curta uma longa história…”, ao discorrer sobre o histórico da propriedade intelectual. Criticou a cultura da OMPI de prestar serviços aos detentores de tecnologia, sem dar atenção aos interesses dos Estados e sobretudos dos países não desenvolvidos. Referiu-se às dificuldades encontradas para usar-se a licença compulsória com vistas à exportação de medicamentos genéricos para países pobres, em razão da previsão contida no art. 31-f de Trips. E demonstrou preocupação com a influência das decisões da Organização Mundial do Comércio, que cria normas jurisprudenciais não negociadas, sobre o futuro da OMPI.

Vinda do Uruguai, Maria Dartayete, diretora do DNPI daquele país, fez um alerta importante, ao prever a saturação do sistema internacional de patentes: o número de pedidos cresceu tanto no pós-Trips que os cinco maiores ofícios de patentes do mundo se encontram com milhões de pedidos em atraso, a gerar insegurança jurídica. Nossos INPIs não fogem do problema: os longos atrasos tornaram-se regra e não, exceção.

O jurista Denis Barbosa repetiu sua apreciação de que Trips não é tão mau assim… e pode até ser objeto de paixão. Centraliza sua crítica na Lei de propriedade industrial brasileira, que não teria sabido se conter nos estritos limites de Trips. Pede um esforço legislativo no sentido de que voltemos a Trips, como os Estados Unidos e Europa, que retiraram das matérias patenteáveis previstas em suas leis os métodos e procedimentos médicos. Cita o caso do pipeline como um grande equívoco da lei brasileira, que excedeu as concessões previstas em Trips.

É preciso lembrar que os responsáveis pela aprovação de Trips e da lei de PI foram os mesmos, e que as circunstâncias da época fizeram nulos todos os esforços no sentido de tornar a lei nacional mais voltada aos interesses da indústria brasileira.

Complementando a discussão do tema sob o aspecto histórico, foi muito esclarecedor o depoimento do diplomata Otávio Brandelli, que era, à época da negociação da aprovação de Trips e da Lei de PI no Congresso Nacional, representante do MRE num grupo governamental que buscava esclarecer aos parlamentares os detalhes do acordo Trips e do projeto de lei de propriedade industrial proposto pelo governo. Lembrou que desde 1974 alguns países, entre eles o Brasil, eram pressionados a modificar, tornando-a mais concessiva, sua lei de propriedade industrial. Com o advento da criação da seção 301 (e depois, da super 301) na lei de comércio norte-americana, a situação ficou ainda mais difícil. Lembrou que em 06 de julho de 1990, numa reunião entre a Ministra Zélia Cardoso de Mello e a Representante Carla Hills, chegou-se à decisão de que o Brasil deveria passar a conceder patentes para produtos farmacêuticos. Em 23 de julho de 1990, o então presidente Collor anunciava seu programa de desenvolvimento industrial, que incluía uma nova lei de propriedade industrial.

Aqui dou minha pequena contribuição a esta história. Remetido ao Senado após aprovado na Câmara, o projeto do governo foi distribuído ao senador Antônio Mariz, da Paraíba, que viria a ser governador de seu Estado e morreria durante o cumprimento de seu mandato. Na preparação da audiência pública, o relator contou com a ajuda de um grupo de assessores do Senado, coordenado por mim, que lhe preparou um documento sobre os principais pontos em discussão no projeto. Após analisar todos os pontos e anotar observações sobre cada um deles, disse-nos o senador que nem mencionaria na audiência pública o tema do pipeline, porque esta era uma proposta tão absurda, tão exageradamente concessiva, que ele não acreditava que pudesse sequer obter apoio de algum senador. O projeto substitutivo de Antônio Mariz foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. A mudança trouxe preocupação ao Poder Executivo, que o fez saber ao Senado. Ao ser remetido o projeto para a Comissão de Economia, foi transferida a relatoria para outro senador, o substitutivo de Mariz foi vencido e foi aprovado o antigo projeto, repetindo praticamente o texto que viera da Câmara. No plenário, comprovou-se a aprovação do antigo projeto, que incluía todas as benesses propostas, ente elas o pipeline. O Senador Mariz jamais entendeu o ocorrido…

Eric Jasper, da Secretaria de Defesa Econômica do Ministério da Justiça, discorreu sobre as relações entre as patentes e os princípios da concorrência. Afirmou que superproteger a propriedade industrial é tão maléfico quanto subprotegê-la. Informou que os processos judiciais relacionados às patentes e à defesa da concorrência costumam ser custosíssimos, prejudicando o funcionamento correto do mercado. Lembrou que o Ministério da Justiça vem tratando com rigor os casos de litígio de má fé.

Interessante contribuição sobre as preocupações da Justiça em relação à aplicação da legislação de propriedade intelectual foi dada pelos desembargadores André Fontes e Liliane Roriz. O primeiro destacou que no processo de elaboração legislativa os temas de maior repercussão econômica acham-se submetidos a influências externas ao Parlamento, naquilo que ele denomina contratualização da criação das leis. Lembra um pouco a tese divulgada à época da discussão da lei de propriedade industrial, em que se argumentava que, com a aprovação da nova lei, o Brasil se tornaria respeitado pela comunidade internacional e estaria qualificado para obter um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Passados mais de dez anos, nada parece ter mudado.

A desembargadora Liliane manifestou seu desconforto com o uso de monopólios para recompensar inventores, em todas as áreas do conhecimento. E sugeriu a busca de novas formas de remuneração, para compensar e estimular os inventores sem a concessão de monopólios, ao menos nos casos de patentes de segunda linha. Refere-se ela, provavelmente, a institutos como os certificados de inventor, usados em certos países até alguns anos atrás ou mesmo ao fundo financeiro proposto aos estudiosos de propriedade industrial por James Love, há cerca de três anos, que ainda não obteve êxito. A discussão não é nova, pois o Decreto de D. João VI, que hoje se comemora, já previa tal tipo de remuneração, mas esta discussão não interessa aos titulares de patentes.

Instrutiva, também, a palestra de Marcos Oliveira, da ABIFINA. Destacou o processo de desindustrialização por que passou o Brasil nas últimas décadas e mostrou, no caso dos medicamentos, um gráfico impressionante. Publicado pelo MDIC-Importação Sistema Alice, o gráfico mostra que as curvas de gastos com venda de medicamentos e gastos com importação de medicamentos estão se encontrando em 2008, numa evidência da falta de uma política industrial e da influência da aplicação de Trips e da Lei de Propriedade Industrial. De 1993 até 2007, as importações de medicamentos acabados subiram de US$ 300 milhões para US$ 2,5 bilhões.

Representante da OMPI na América Latina, Beatriz Bohrer entende que há necessidade de implementação diferenciada de Trips; reconhece que a imposição de um marco legal amplo, com medidas de enforcement, como Trips, pode impactar os países negativamente; que há necessidade de uma calibragem ao acordo Trips, por não ser adequado a todos os países.

O encontro contou também com palestras de representantes de indústrias, de escritórios de advogados especializados em marcas e de várias organizações públicas.

Sem querer avançar em conclusões, é preciso reconhecer que a aplicação de Trips e da Lei de Propriedade Industrial brasileira vem sendo questionada por vários atores importantes do processo de desenvolvimento de tecnologia no Brasil. Embora houvesse uma representante da Câmara dos Deputados na cerimônia de abertura, faltou, ao seminário, um relato sobre os projetos de lei em andamento no Parlamento, com propostas de mudanças na legislação brasileira de propriedade industrial. Em compensação, foi anunciado no primeiro dia do encontro, que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade acaba de ser proposta pelo procurador-geral da República ao Supremo Tribunal Federal, pedindo que se declare inconstitucional o artigo 230 da Lei de Propriedade Industrial, que previu a existência das patentes de pipeline. No céu, o Senador Antônio Mariz deve estar mais animado…

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