REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2009 • ANO III • ISSN 2623-1177
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//Artigo

Artigo Resposta: Registro de Agroquímicos - o direito de resposta

A dose certa diferencia o veneno do remédio” Paracelcus (1493-1541)

“Vamos tomar decisões científicas baseadas em fatos, não em ideologia” Barack Obama, ao suspender restrições do governo Bush sobre pesquisa em células-tronco humanas

No artigo assinado por Luiz Cesar A. Guedes, Vice-Presidente da ABIFINA, “A ausência de maturidade – o caso da reavaliação de agrotóxico”, publicado na edição nº 16, de novembro/dezembro de 2008, da revista FACTO ABIFINA, o autor denuncia o comportamento da Anvisa – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, face à reação do setor produtivo diante da publicação, em 25/02/2008, da Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC) n° 10/2008, determinando a reavaliação dos aspectos toxicológicos de diversos ingredientes ativos destinados à formulação de defensivos agrícolas.

Em primeiro lugar, cumpre destacar que o setor agroquímico representado pela ABIFINA é favorável à reavaliação toxicológica dos defensivos agrícolas e seus ingredientes ativos sempre que surja um fato novo alertando para o risco de sua utilização. O que a indústria agroquímica rejeita é a reavaliação desprovida de causa efetiva e o processo de reavaliação que não concede aos produtores o direito de defesa.

Desta forma, a RDC 10/2008 não ofereceu as condições para a aplicação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, razão pela qual o setor produtivo teve, em agosto de 2008, aprovada pela justiça sua solicitação de suspensão das reavaliações programadas para 2008, até que as distorções fossem sanadas.

É importante deixar claro que as moléculas relacionadas na RDC são todas genéricas (pós-patente) e registradas, tendo algumas passado por reavaliações recentes. Correspondem, também, aos produtos mais vendidos no mercado e conhecidos quanto à sua eficácia agronômica e baixo índice de resíduos, sendo que nenhum novo dado foi acrescentado aos seus aspectos toxicológicos.

Isto contraria radicalmente a Instrução Normativa Conjunta Mapa/Ibama/Anvisa n° 2, de 27/09/2006, que define as seguintes circunstâncias para que a reavaliação se efetue:

1. quando ocorrer alerta de organização internacional responsável pela saúde, alimentação ou meio ambiente, da qual o Brasil seja membro integrante ou signatário de acordo ou convênio, sobre riscos ou que desaconselhem o uso de agrotóxico, componente ou afim;

2. por iniciativa de um ou mais dos órgãos federais envolvidos no processo de avaliação e registro, quando houver indícios de redução de eficiência agronômica, alteração dos riscos à saúde humana ou ao meio ambiente, e

3. a pedido do titular do registro ou de outro interessado, desde que fundamentado tecnicamente.

Inconformada com a decisão judicial, a área de toxicologia da Anvisa mobilizou entidades e a imprensa, disseminando a informação caluniosa de que a indústria rejeitava a reavaliação, uma vez que tal prática significava a perda de produtos e, em conseqüência, de mercados e lucro.

Na ocasião, o comportamento da Anvisa foi também contestado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que alegou ter sido alijado, assim como o Ibama, do processo prévio do exame dos dossiês que seriam apresentados pelas empresas. O Mapa reclamou, ainda, de outra irregularidade praticada pela Anvisa com respeito à ausência de definição das atribuições dos membros da Comissão Técnica de Reavaliação.

Diante da força dos fatos, o autor deduz que o objetivo da Anvisa ao insistir no processo de reavaliação era restringir ao máximo, senão banir, o uso dos produtos sob reavaliação, sem, contudo, apresentar qualquer fundamentação técnica consistente que justificasse sua decisão, em oposição frontal a um dos valores defendidos pela instituição: a transparência. Nessa linha, a RDC 10 apresenta como motivo para a reavaliação de cada um dos ingredientes ativos, informações vagas e inespecíficas, tais como “estudos realizados demonstram resultados preocupantes…” ou “estudos realizados demonstram alta toxicidade…”

Luiz Guedes indaga, então, “por que, repentinamente, os produtos agroquímicos indicados para reavaliação tornaram-se tão perniciosos para agricultores e consumidores e que nova informação a Anvisa dispõe para indicar que esses produtos representam um risco coletivo?”

Na busca por uma resposta, o autor faz duas graves considerações: “(1) a Anvisa detém informações toxicológicas que implicam risco e não adotou as medidas necessárias para eliminar seus efeitos”, ou “(2) a Anvisa adotou um discurso exacerbado e contraproducente, desinformando a sociedade, contrariando seus valores, com o intuito único de denunciar um direito adquirido pelo setor privado junto a uma instância judicial”.

Esta situação se agravou quando, de maneira surpreendente, a Anvisa publicou nova RDC, em 14/11/2008, suspendendo todos os procedimentos administrativos ue visassem à concessão de informe de avaliação tecnológica, registro de agrotóxicos e de outros produtos afins dos ingredientes ativos em reavaliação.

A Anvisa cerceou, assim, o direito das empresas de produzir, formular, importar, exportar e comercializar inúmeros produtos, com danos econômicos para os produtores e para os agricultores que terão que se valer de sucedâneos, muitos dos quais mais caros e sob patentes.

Causando ainda mais estranheza e perplexidade, a Anvisa fundamentou esta sua última decisão alegando o Princípio da Precaução, conceito adotado para questões ambientais, porém inaplicável ao presente caso, em que não há matéria geradora e produtos com os mesmos ingredientes ativos permanecem no mercado sem qualquer restrição ao seu uso.

A ABIFINA, respeitando e defendendo o direito de resposta, divulga a seguir a replicação integral ao artigo de Luiz Guedes, assinada por José Agenor Álvares da Silva, Diretor da Anvisa e ex-ministro da Saúde e Luiz Claudio Meirelles, Pesquisador da Fiocruz e Gerente Geral de Toxicologia da Anvisa.

Reavaliação Toxicológica de Agrotóxicos:

Um Exemplo de Ética e Maturidade na Prevenção e Promoção da Saúde da População

por José Agenor Álvares da Silva  Diretor da Anvisa, ex Ministro da Saúde e Luiz Claudio Meirelles  Pesquisador da Fiocruz, Gerente Geral de Toxicologia da Anvisa.

“…Eu quase que nada não sei. Mas desconfio de muita coisa.” Guimarães Rosa

A principal função da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa é atuar no sentido de prevenir, eliminar ou minimizar o risco sanitário envolvido nas suas áreas de atuação, com vistas à promoção e proteção da saúde da população. Em função de seu papel regulador, suas atividades constituem um importante momento de articulação dos poderes governamentais em prol da população, e não, a substituição dos poderes legalmente constituídos, como muitas vezes, tem sido sugerido capciosamente por determinados grupos de interesse.

Como Agência de Regulação, no entanto, a Anvisa não tem entre suas atribuições a função legislativa. Essa função, em respeito ao Estado de Direito, é de responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional. Dentro da divisão democrática de poderes, o papel da Agência é o de regular matérias específicas emanadas do poder legislativo e o caso da reavaliação de agrotóxicos é emblemático para dirimir esse “equívoco” a respeito.

Historicamente, antes da década de 60, os agrotóxicos eram vendidos e usados indiscriminadamente, e avaliados apenas do ponto de vista da eficiência agronômica, para o controle de pragas e doenças, e outros aspectos econômicos da produção rural.

Em 1961, a publicação do livro Silent spring, de Rachel Carson, causou um sobressalto mundial e, a partir dessa ata e ao longo das décadas de 1970 e 80, a discussão dos riscos associados aos agrotóxicos passou por uma ampla reformulação a nível mundial, tanto na esfera científica, como técnica e jurídica. Ampliaram-se as pesquisas sobre a avaliação dos produtos, assim como os métodos de estudo dos efeitos associados à sua exposição, fundamentais para o estabelecimento de parâmetros de controle da saúde da população e do meio ambiente. Cresceu, também, a consciência sobre a necessidade de uma vigilância sanitária específica, dadas a gravidade das conseqüências do contato com esses produtos e a expressiva desinformação da população sobre os riscos.

Assim, a prevenção e o monitoramento dos riscos associados a agrotóxicos passaram a demandar uma atuação crescente das autoridades governamentais, especialmente das áreas de saúde e de meio ambiente. Em muitos países instituíram-se órgãos oficiais de regulação e fiscalização, e um número crescente de legislações pertinentes. Nos Estados Unidos criou-se a Environmental Protection Agency – EPA, em julho de 1970. Austrália, Japão e vários países da Comunidade Econômica Européia (CEE) desenvolveram seus regulamentos, e restringiram ou baniram inúmeros agrotóxicos perigosos à saúde, em processos de reavaliação que passaram a realizar-se de forma rotineira.

No Brasil, após expressivo movimento da sociedade civil organizada e amplo debate no congresso nacional, a legislação sobre agrotóxicos foi sancionada em 1989, estabelecendo critérios para promover a segurança da saúde de trabalhadores e consumidores e adotando parâmetros tecnicocientíficos para a avaliação, equiparáveis àqueles adotados pelos países desenvolvidos. Para o processo de registro de agrotóxicos, foram publicadas a Lei 7802/89 e o Decreto n° 98816/90, substituído posteriormente pelo decreto 4074/02 onde ficou estabelecido que estão incumbidos dessa função o Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento – Mapa, o Ministério do Meio Ambiente, por intermédio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, e o Ministério da Saúde, por intermédio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Para a área específica da Saúde, a Portaria SVS n° 03/92 definiu os requisitos (estudos toxicológicos) necessários ao processo de registro de produtos técnicos (compostos a partir dos quais se fabricam os produtos comerciais), bem como os critérios para avaliação e classificação toxicológica de produtos formulados e equivalentes (produtos comerciais).

Nos últimos 10 anos, por esforço do governo e participação da sociedade, o marco legal brasileiro vem sendo aperfeiçoado de forma a garantir a qualidade dos procedimentos de segurança, de eficácia e de controle ambiental. Para executar esse trabalho, a Anvisa fundamentou-se na legislação em vigor, baseou-se nos protocolos científicos para estudos experimentais (OECD, EPA, FAO-Codex, CE) validados internacionalmente e aprovados pelo Brasil, articulou-se com os outros Ministérios envolvidos no registro de agrotóxicos, e estabeleceu uma estreita colaboração com instituições acadêmicas brasileiras. Por outro lado, ela tem investido fortemente na formação de um quadro multiprofissional, especializado em Toxicologia.

Diferentemente de outros produtos regulados pela Anvisa, como os medicamentos, o registro de agrotóxico não possui nenhuma previsão legal de prazo para renovação ou revalidação do mesmo. Uma vez concedido, sua validade se mantém ad eternum. Porém, como o conhecimento técnico- científico continua evoluindo mesmo após a autorização de uso destes produtos, a Lei n° 7.802/89, Art. 20, Parágrafo único, e o Decreto n° 4074/02, Art. 15º, enunciam expressamente que cabe, também, à Anvisa, ao Ibama e ao Mapa reavaliar os agrotóxicos sobre os quais há novas suspeitas de risco para a saúde humana. O procedimento se baseia em conhecimentos científicos gerados por estudos experimentais e epidemiológicos que revelam efeitos nocivos anteriormente desconhecidos, assim como em alertas de organizações internacionais responsáveis pela saúde, alimentação ou meio ambiente, das quais o Brasil é membro integrante ou signatário de acordos bilaterais ou multilaterais.

Em fevereiro de 2008, a Anvisa publicou a Resolução RDC n° 10/08, listando os 14 ingredientes ativos que deveriam ser reavaliados nesse mesmo ano e expondo as justificativas referentes a cada substância (risco de câncer, de alterações do desenvolvimento fetal e de distúrbios no funcionamento da tireóide e outras glândulas, alta toxicidade aguda, etc.). Uma equipe de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz foi contratada para analisar e aprofundar as informações técnico-científicas levantadas pelos profissionais de sua Gerência Geral de Toxicologia.

No entanto, e a despeito de todo esse cuidado com a objetividade e a acurácia do processo, a publicação da norma gerou uma forte reação por parte das empresas detentoras dos registros, que buscaram o poder judiciário para suspender, e mesmo cancelar, as reavaliações toxicológicas. Os argumentos apresentados aos juízes se referiam a questões procedimentais, mas contrariaram claramente as obrigações legais da Agência e não foram sustentados por aspectos técnico-científicos. Por meio de três diferentes ações judiciais, as empresas obtiveram decisões liminares favoráveis à suspensão dos procedimentos administrativos da Anvisa.

A situação foi revertida tão somente após a divulgação na imprensa de informações sobre importações realizadas pelo Brasil de agrotóxicos proibidos em outros países (Folha de São Paulo, junho de 2008), o amplo movimento de apoio da sociedade civil organizada (que ingressou, inclusive, com pedidos para assistência judicial ou como litisconsorte passivo ao lado da Anvisa), Moções de Apoio à reavaliação toxicológica pelo Conselho Nacional de Saúde e os recursos judiciais impetrados pela Advocacia Geral da União.

Assim, desde o final de 2008, a Anvisa já conseguiu reverter duas decisões judiciais e as atividades foram reiniciadas para a quase totalidade dos ingredientes ativos a serem reavaliados, somente um agrotóxico (acefato) ainda não teve as atividades reiniciadas. Vários meses de trabalho se perderam por obra daqueles que preferiram a litigância judicial à discussão dos procedimentos de reavaliação, apesar de ser do conhecimento de todos que a ponderação sobre os questionamentos da sociedade fazem parte da política da Agência, pois, além da proteção da saúde da população, ela tem responsabilidades junto ao setor produtivo e os agricultores que necessitam de produtos seguros para si próprios, seus trabalhadores e os consumidores de alimentos tratados.

É preciso destacar que a reavaliação toxicológica não é novidade no país. De 2001 a 2006, a Anvisa reavaliou 23 ingredientes ativos utilizados na fabricação de mais de 300 produtos formulados. Desses, alguns tiveram seu uso cancelado e outros tiveram sua aplicação severamente restringida. Mesmo assim, vez por outra, ainda se encontra algum agrotóxico proibido sendo utilizado, como demonstraram os resultados das investigações do Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos – Para de 2008.

Em decorrência de tudo aqui apresentado e contrariamente ao que diz o Sr. Luíz Cesar A. Guedes, vice- residente da ABIFINA (texto publicado na rubrica Artigo Assinado da revista FACTO ABIFINA, edição nº 16, nov/dez 2008), fica evidente que cabe a todo cidadão atender à legislação de agrotóxicos que, segundo a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-Lei nº. 4.657/42, Art. 3º), não se pode “escusar-se de cumprir”, nem alegar “que não a conhece”. Logo, o processo de reavaliação de agrotóxicos não é “ausência de maturidade”, mas, sim, o exercício ético das responsabilidades delegadas pelo Estado ao agente regulador. Não reavaliar seria omissão, irresponsabilidade e imaturidade perante suas obrigações para com toda a sociedade brasileira.

Luiz Cesar A. Guedes
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