REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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Novas perspectivas para o Brasil frente à crise mundial
//Entrevista

Novas perspectivas para o Brasil frente à crise mundial

A crise econômica mundial está gerando impactos que podem se transformar em crescimento e projeção para o Brasil caso o país saiba aproveitar e desenvolver essas oportunidades. A desvalorização cambial muda o cenário produtivo brasileiro. Antes, com o real em alta, importar era a melhor saída. Agora, com a moeda subindo, a importação pode dar lugar gradativamente à produção doméstica. Os desdobramentos desta mudança podem ajudar o país a diminuir os gargalos que o impedem de se destacar no cenário global, como por exemplo, a diversificação da pauta de exportações, com ênfase em produtos de maior valor agregado. E para traçar um novo perfil comercial, o investimento em inovação torna-se essencial nesse momento. Confira a seguir as perspectivas para a economia brasileira no pós-crise com o consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Julio Gomes de Almeida, que também já foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Seu currículo impressiona pela quantidade de trabalhos científicos e publicações para um homem que esteve tanto tempo à frente da iniciativa privada, que na maior parte das vezes é marcada pelo empreendedorismo e por visão mais pragmática e imediatista. O professor acabou por se impor ao executivo ou a vocação de pesquisa é inerente ao profissional de química fina? Aliás, a escolha da carreira na área de química orgânica não era uma opção incomum em sua época?

Antes da crise que estourou em setembro, o Brasil demonstrava um dinamismo exportador deficiente e uma forte propensão a importar. Este panorama tende a mudar com os reflexos deste novo cenário sobre o câmbio?

Sim, mas levará algum tempo. Toda desvalorização cambial é um sinal que o mundo dos negócios vai mudar de direção. Tivemos uma valorização muito forte da nossa moeda entre 2004 e meados de 2008 e, agora, estamos vivendo uma forte desvalorização. Na fase de valorização, as empresas fizeram o que toda empresa faz quando este cenário se apresenta: importaram mais produtos acabados ou adaptaram a sua produção a um conteúdo importado maior. Agora com a nossa moeda mais desvalorizada, a importação deve, gradativamente, dar lugar à produção doméstica. É claro que isso é uma simplificação, não vamos pensar que a economia é um ioiô, em que se joga e puxa com a mesma facilidade sem conseqüências estruturais e sem o tempo necessário às adaptações aos novos cenários. Há uma certa dificuldade em beneficiar a produção nacional em relação ao produto importado, mas isso precisa ser testado ao longo do tempo, não é algo que aconteça de 2008 para 2009, muito menos de 2009 para 2010, em que o cenário internacional se agravará, é um processo. É muito importante que passada essa fase aguda da crise o país não caia na tentação de novamente valorizar excessivamente a moeda, ou seja, mantendo artificialmente a moeda em um patamar alto apenas para incentivar a competitividade da nossa produção para exportação.

Na estrutura industrial brasileira predominam setores com vantagens competitivas ligadas à exploração de recursos naturais, especialmente minerais e agrícolas. Com a desaceleração da economia mundial que já se desenha, o que se pode esperar de um novo perfil das exportações brasileiras?

Nesse caso há um grande paradoxo. Primeiro há o incentivo para que se exporte mais e não só bens onde temos vantagens competitivas naturais, mas também para que se exporte produtos que não sejam commodities, produtos mais tecnicamente industriais e de alto valor tecnológico. Na outra ponta deste incentivo, existe um cenário em que os mercados diminuirão devido à crise. Então, eu diria que o Brasil precisará fazer um esforço de política de exportação muito forte, ou seja, será necessário diversificar nossas exportações para manter resultados na balança comercial, caso a desvalorização da nossa moeda de fato tenha vindo para ficar, como todos gostariam. No entanto, por outro lado, para conquistarmos mercado em um contexto de retração da economia mundial, ou, mesmo que não haja essa retração tão acentuada, em um contexto de crescimento muito abaixo do ritmo experimentado até 2008 no comércio mundial, teremos que fazer boas políticas para alcançar resultados. O problema é que não temos experiência em fazer boas políticas na área de exportação, sobretudo quando se trata de produtos industriais. Nós vamos ter que reaprender a negociar em condições menos favoráveis, melhorar nossa relação no Mercosul, fazer acordos internacionais não apenas visando o benefício do agronegócio, mas também a abertura de mercados para produtos industrializados. Será um grande desafio.

As novas medidas que estão sendo adotadas sinalizam a adoção desse caminho?

Infelizmente, devo confessar que acho que não. No âmbito da Política de Desenvolvimento Produtivo, o governo adotou medidas muito tímidas na área de exportação e não mudanças significativas neste quadro mesmo agora diante da crise. Mas vamos precisar acordar para isso – torcemos para que aconteça – pois é a única maneira de desfrutarmos o benefício do câmbio favorável. Teremos que conquistar mercados difíceis, porque agora muitos vão disputar a mesma pequena fatia, a concorrência vai ser mais acirrada.

A necessidade de diversificar a pauta de exportações é evidente, pois isso deixaria o Brasil bem menos vulnerável à volatilidade do mercado internacional. Temos condições de reagir imediatamente a esta demanda por maior variedade de produtos com potencial exportador e de maior valor agregado?

Sim. Na verdade, mesmo sendo um grande produtor de commodities, o Brasil já é bem diversificado em exportação e isso vai nos ajudar agora. Não somos diversificados apenas em termos de commodities, sejam minerais, agrícolas ou industriais. Nós temos uma capacitação muito grande em diversos mercados, embora muitas vezes isso não seja percebido, mas é um ponto a nosso favor. Temos também uma boa diversificação de destinos de produção. Outra vantagem que pode fazer a diferença. Na verdade, precisamos mesmo é de uma visão estratégica de diversificação que inclua em uma pauta de prioridades os produtos industriais, entre eles os de maior valor agregado, com diferenciais tecnológicos.

Em um cenário pós-crise, com redução do crédito e a provável queda do saldo da balança comercial, o Brasil ainda terá condições de mobilizar poupança interna e externa para financiar os investimentos a uma taxa de juros razoável? Afinal, este caminho de uma produção industrial de ponta exige investimentos contínuos e significativos para a manutenção da competitividade.

Essa é uma questão fundamental. O Brasil, no meu ponto de vista, se iludiu ao achar que a poupança externa traria o desenvolvimento do seu mercado de capitais. Isso foi um erro. O recurso externo veio, valorizou muitos ativos, muitas empresas fizeram lançamentos de ações. Foi bom, mas durou pouco. A oportunidade se foi e nós perdemos o ímpeto do nosso mercado interno de capitais. Temos, também nessa questão, que aprender a seguir os casos de sucesso internacionais. Um bom exemplo é o Japão, outro os Estados Unidos, países que fizeram o financiamento do seu desenvolvimento com a poupança doméstica, complementando esse processo com a poupança externa, ou seja, a poupança externa como elemento fundamental de complementação ao esforço de financiamento. Não mais do que isso. Insisto que teremos que reaprender rapidamente a fazer política de exportação, política industrial arrojada e também uma política de desenvolvimento de mercados de capitais adequada aos novos desafios. Há muito trabalho pela frente, que exigirá competência técnica e vontade política, além de uma reação ágil, pois os mercados não esperam e o mais preparado vai se estabelecer.

Quais os principais obstáculos que os setores público e privado terão que vencer para manter um nível razoável de investimento no país nos próximos anos?

Em primeiro lugar, o país precisa dar uma resposta a essa crise e acenar positivamente para as empresas brasileiras e estrangeiras aqui instaladas, para os nossos bancos, que o Brasil vai sofrer, mas que há uma perspectiva positiva em médio e longo prazos. O governo tem tentado fazer isso, mas acredito que ele tenha que fazê-lo de forma mais enfática. O primeiro obstáculo é esse: fazer com que o país demonstre, que seu governo tenha capacidade de mostrar uma resposta em termos de política econômica. Confiança é a palavra. O governo precisa fazer com que os setores produtivos e financeiros acreditem no dinamismo da economia brasileira e que haverá uma perspectiva de grandes benefícios para quem investir agora. O segundo desafio é que o Brasil precisa resolver o problema do financiamento no setor público e privado, mercado de capitais, e o problema de recolocação no mercado internacional. Se fizer isso ao lado do desenvolvimento de uma boa política industrial e tecnológica como o PDP, o Brasil vai estar muito bem colocado nesse cenário, mesmo com a crise. É muito importante também que o país não erre na área de energia. Principalmente que explore adequadamente a descoberta do pré-sal, essa riqueza finita que é muito importante. Uma riqueza mineral desse tipo normalmente é conhecida como maldita, porque provoca desenvolvimento, mas causa paralelamente tantas distorções que o desenvolvimento é suplantado por fatores adversos. Temos que tomar muito cuidado, oportunizando nossa base de recursos minerais e energéticos. Quando falo em energia, englobo a questão do etanol, do biocombustível, de todas as alternativas que estão em discussão.

Além do setor energético que outros setores merecem a mesma atenção?

Todos os segmentos merecem ser encarados como oportunidades. Não sou a favor de políticas diferenciadas ao extremo. O nosso setor de alimentos, por exemplo, é muito importante. Nenhuma grande industrialização em um país como o Brasil pode se concretizar sem uma base alimentar fortalecida, sem energia e sem financiamento interno. O restante nós conseguimos dar um jeito, com uma boa política industrial e tecnológica. Penso que o governo deveria dar muita prioridade a esses setores e prosseguir na PDP apresentada que não é a oitava maravilha do mundo, mas vai na direção correta de fazer um bom sistema de incentivos para a industrialização de uma maneira geral e para a modernização e inovação nas empresas.

Sem inovação fica difícil enfrentar essa crise? A PDP avança nesse sentido?

Sim. Ela prevê bastante incentivo, principalmente para a inovação. O que ocorre na nossa economia é que precisa haver dois sistemas de favorecimento da inovação. Primeiro é um sistema geral, e a PDP colabora com isso, ela tem um sistema com maior incentivo fiscal e financeiro para inovação. Baratear os investimentos em P&D, premiar o risco de quem aposta em inovação. Isso foi um passo importante. Outra coisa é que as políticas de inovação são inseparáveis de objetivos estratégicos. Existem vários exemplos. Eu acho que a Petrobras é uma virtude brasileira, mas seguramente se não tivéssemos o objetivo estratégico de ter uma autoprodução, um auto-abastecimento de petróleo, ideal que norteou a Petrobras durante tanto tempo, não existiria essa empresa inovadora fantástica. Ela seria fantástica e inovadora, mas não tanto, caso não existisse um objetivo estratégico sustentando a perspectiva do negócio. A Embraer é fruto de diversas coisas, inclusive de uma privatização, que teve o objetivo estratégico de transformá-la em uma indústria de aeronáutica, rendendo frutos em capacitação de mão-de -obra, em treinamento, em inovação, em tecnologia. Fala-se, com toda razão, do nosso poderio no agronegócio. Isso não é só uma vantagem natural, é também uma vantagem tecnológica com diversos fatores envolvidos, empresas, institutos estaduais, sistemas de produção. Mas a Embrapa é crucial, também uma criação estatal com um objetivo estratégico na área da agricultura. Agora temos que replicar esse processo em vários setores. Especificamente em química fina vejo possibilidades muito grandes na área de fármacos. Outros segmentos têm grande potencial como bens de capital, informática – a despeito de termos perdido muita densidade na cadeia produtiva de informática nos últimos anos – em software e também na área de novos materiais, novos produtos e segmentos que vão surgir. Penso que o Brasil, depois de muito tempo ausente na área de políticas públicas, reintroduziu com a PDP um modelo de desenvolvimento necessário. Está provado que o mercado não resolve tudo sozinho. A PDP é o retorno do Brasil à idéia de se fazer políticas industriais de incentivo à tecnologia. Devemos caminhar, a partir daí, para políticas mais ousadas na área de saúde, na área de educação, na área de indústria de tecnologia, na indústria tradicional, sempre com objetivos estratégicos para o país. Em geral, isso envolve visceralmente o setor privado, mas é no setor público que se dá a organização, a definição e eventualmente alguma parte da execução ou pelo menos do amparo ao processo de crescimento sustentado. Nós devemos caminhar por aí, mas é muito importante manter atrativos os investimentos em inovação. A globalização não regride com a crise, ela vai sofrer um tranco, vai sofrer uma meia trava e depois volta a se desenvolver. Ou seja, ter uma boa política de exportação é também ter uma boa política de inovação.

Está na hora de reabrir uma discussão séria sobre reforma tributária?

É o momento de abrir essa discussão sim, com muita cautela, porque a reforma tributária pode ser muito importante para o setor produtivo, mas ela tem uma repercussão muito forte sobre estados e municípios. Não adianta ter só uma boa reforma tributária, como eu acho que é essa que está sendo proposta, para o lado do setor produtivo, se não há um acordo político, especialmente no que diz respeito à distribuição do bolo tributário entre as três esferas do poder: União, estados e municípios. A única crítica que faço à nossa proposta de reforma tributária do ponto de vista do setor produtivo é que ela traz benefícios como desoneração de investimentos, desoneração de exportação e desoneração da folha de pagamento em um prazo muito longo. Nós temos que antecipar esse processo de benefícios da reforma tributária para o setor produtivo. O mundo não vai premiar quem demorar a reagir. Por outro lado, o que diz respeito à distribuição do bolo tributário, o que nós podemos fazer é torcer, é pedir para que haja um entendimento sobre perdas inevitáveis, diluições, compensações para que não sejam tão fortes. Uma mudança de estrutura tributária afeta as arrecadações dos estados, uns mais que outros, mas aí se deve pensar em uma solução em longo prazo ou em algum tipo de compensação, ou seja, um acordo político. A nossa reforma tributária tem dois componentes fundamentais. Um é sua conseqüência sobre o lado produtivo da economia. E o outro é a distribuição do bolo tributário entre os entes federativos. O primeiro é algo muito difícil e a crítica que eu faço é a lentidão do processo. Já o segundo é uma grande confusão, porque envolve perdas e ganhos de muitos envolvidos. É uma disputa política, porque são os estados e municípios que perdem recursos. Então, é necessário um entendimento para que essas perdas sejam minimizadas ou compensadas.

Em que prazo e em que condições é possível esperar o retorno a uma razoável previsibilidade no mercado financeiro internacional?

É muito difícil estabelecer um prazo, a crise só está começando. Os governos, ao contrário do que aconteceu em outras épocas, não vão poupar esforços para abafar esse processo. É um processo extremamente forte que está no começo no seguinte aspecto: houve uma crise bancária e financeira e isso está afetando fortemente o lado real da economia, o que acaba aumentando a crise bancária e financeira que parecia controlada. Daqui a pouco, outros países serão envolvidos nessa crise e de novo haverá riscos na área bancária e financeira. Foi iniciado um pingue-pongue infernal entre o mundo financeiro e o mundo real. A crise de um vem, o governo abafa e isso leva a um processo de perda ou de desequilíbrio maior para o setor real. Então, o governo tenta abafar novamente, o que leva a um problema maior na área financeira, e por aí vai. O fato é que daqui a pouco vamos relacionar o FED mais a um corpo de bombeiros do que propriamente a um banco central. A mesma coisa acontece com o governo britânico. O ano de 2009 estará muito contaminado por esse desgaste grande da economia. Se em 2010 conseguirmos afrontar esse processo e começar a crescer, eu diria que face ao tamanho da crise já será um excelente resultado, mas é muito difícil prever. Penso que não devemos contar com isso. Teremos pelo menos um ano de muita tensão. No entanto, não se pode perder de vista o que o país tem a oferecer, primeiro, para reduzir o impacto dessa crise e, segundo, para não deixar que as perspectivas positivas de médio e longo prazo se percam: a base industrial, a base agrícola, a base energética, as instituições, o sistema bancário, as empresas e o governo precisam estar alertas e confiantes. Só assim afastaremos fantasmas e encararemos o momento de frente com todos os potenciais que conhecemos a nosso favor.

Júlio Gomes de Almeida
Júlio Gomes de Almeida
Diretor Executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) Júlio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), fala sobre os desafios à recuperação da produtividade e da competitividade da indústria brasileira (veja mais na reportagem na pág. 08). Ele analisa que a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao acordo de compras públicas da Organização Mundial do Comércio (OMC) pode trazer vantagens importantes para o comércio exterior, mas, para que isso aconteça, é preciso organizar um ambiente interno favorável à reestruturação da indústria, com a Reforma Tributária, incentivos públicos à inovação e queda no custo dos investimentos.
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