Lideranças da indústria responsável pelo superávit da Balança Comercial brasileira explicam porque precisamos esquecer a utopia “em se plantando tudo dá” e partir para estratégias agressivas de fortalecimento da cadeia produtiva, evitando dependência externa e garantindo as oportunidades que a extensão territorial proporciona ao país para atendimento ao crescente mercado interno e ao novo paradigma do mundo globalizado.
“Nesta terra, em se plantando tudo dá”. Na carta do escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, considerada a certidão de nascimento do Brasil, o escritor português Pero Vaz de Caminha antecipou a vocação do país para o agronegócio, muito antes de esta terminologia representar a expressiva indústria de grãos e alimentos do século XXI. Mas a verdade é que a grande vocação agrícola imediatamente identificada na descoberta do país ainda não se realizou plenamente, apesar de uma longa história de mais de 500 anos de bem sucedidos resultados em diversificadas culturas destinadas a atender o mercado interno e externo. Reconhecidamente o Brasil, no agrobusiness e na economia globalizada, continua sendo a grande aposta para que se possa responder mais rapidamente às dúvidas do mundo sobre segurança alimentar frente a desafios contemporâneos como mudanças climáticas, crescimento demográfico acelerado e a falência do modelo de auto-regulação dos mercados internacionais. Além de representar uma forte expectativa para o mundo no atendimento à demanda mundial por alimentos e recursos energéticos alternativos, o agronegócio brasileiro tem importância fundamental no desempenho da balança comercial do país, garantindo grande parte do sucesso da política governamental dos últimos anos. A despeito de toda esta importância no cenário mundial – graças à incomparável possibilidade de expansão de terras produtivas sem prejuízos ambientais e à reconhecida capacidade de todos os elos do sistema de produção brasileiros – ainda existem muitas questões estruturais e conjunturais a serem equacionadas para que de fato o país possa desempenhar o papel que o destino lhe reservou desde a sentença de bonança endereçada por Caminha à Corte portuguesa. Há muito que descobrir ainda, além do ufanismo fácil da pródiga fertilidade do solo brasileiro, e mais do que descobrir- pois os temas que vamos debater nesta matéria são em sua maioria de amplo conhecimento das autoridades – há muito que fazer para garantir que as sementes de sucesso plantadas nos últimos anos continuem a brotar mesmo em tempos de crise anunciada.
A extrema competitividade do mercado internacional, o cenário financeiro instável, as políticas protecionistas, os problemas nacionais crônicos de infra-estrutura e logística e a inequívoca incapacidade dos governos brasileiros – que, vale lembrar, têm desfrutado politicamente dos resultados surpreendentes de uma soma do desempenho das safras com um cenário internacional favorável – têm mascarado uma série de oportunidades perdidas ou ao menos inexploradas em todas as culturas, problemas crônicos que precisam ser sanados com vontade política, mudanças culturais que precisam ser provocadas no campo e nas cidades para garantir que o Brasil ocupe o espaço que lhe cabe no futuro do agronegócio mundial. Precisamos aprender a corrigir o solo, certificar nossas sementes, garantir fertilizantes a custo acessível, usar defensivos agrícolas sem exageros ideológicos de fundamentalistas da agricultura orgânica, treinar o produtor rural, ofertar crédito e seguro agrícola e, principalmente, investir em infra-estrutura e logística que nos torne competitivos, sem o que o solo e mesmo a força do homem rural, da tecnologia e do capital não podem garantir boas colheitas. Neste negócio, o clima é a única variável para qual não há alternativas, a não ser entregar a Deus. Mas pelo jeito no Brasil, muito ainda se espera da intervenção divina em um setor estratégico da economia nacional que cada vez mais exige inteligência competitiva e vontade política de homens e governos para operar o milagre do desenvolvimento sustentável. Se Deus é brasileiro, o capital é internacional.
Correção do solo é a solução ao alcance das mãos
Os desafios do agronegócio começam na solução mais próxima para aumento imediato do desempenho das safras, porém – ao menos por enquanto – também a mais distante da realidade do homem do campo no Brasil, de acordo com a Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola. Trata-se da prática de correção do solo através do uso do calcário, matéria-prima de baixo custo e abundante na maioria das regiões do país, o que evitaria inclusive questões de logística que poderiam ser apontadas como razão para a não utilização do produto. Além disso, existem cerca de 350 empresas produtoras de calcário no País, que hoje trabalham muito abaixo da sua capacidade total. A verdade é que o solo brasileiro de uma maneira geral, apesar da fertilidade generosa, possui baixos índices de Ph ou altos índices de alumínio trocável, que são duas características que prejudicam a absorção pelas plantas dos macro e micro nutrientes dos adubos. “O Governo Federal desenvolveu um estudo que prova que de 30 a 35% dos adubos utilizados no Brasil não são aproveitados pelas plantas devido a estas características do solo brasileiro. Portanto, nosso solo não está sendo explorado em sua plena potencialidade por um absoluto desconhecimento dos benefícios do uso do calcário na correção destes problemas”, explica Oscar Alberto Raabe , presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Calcário Agrícola (Abracal), e vai mais longe. “Quando tínhamos uma situação favorável em relação ao preço dos adubos, a não absorção podia ser compensada por uma maior quantidade de adubação. Não é obviamente o ideal nem o mais eficaz, mas era uma conta que não pesava no bolso do produtor. Agora que atingimos um preço ao redor de dois mil reais a tonelada do adubo – algumas vezes até mais do que isso, porque quando se fala em termos do agronegócio brasileiro, é necessário incluir também o custo de transporte do produto até a lavoura – a correção de solo pode ser a única alternativa de resultado imediato para garantir maior produtividade para as safras sem altos investimentos, apenas com vontade política e campanhas de conscientização do produtor sobre os benefícios reais do uso do calcário na correção do solo.”De acordo com Raabe, promover a ampla utilização do calcário é muito mais um desafio cultural do que um problema estrutural ou conjuntural da produção agrícola brasileira.
Os números do desperdício já seriam assustadores – afinal de acordo com dados da Associação Nacional para Difusão de Adubos, Anda, no ano de 2008, foram consumidas 24 milhões de toneladas de adubo no País, portanto, se calcularmos em média dois mil reais por tonelada e considerarmos que 30% desse produto não é absorvido pelas plantas pelas características desfavoráveis do solo, chegamos ao tamanho brutal das perdas reais. No entanto, a conta do presidente da Abracal é focada não na matemática do desperdício, mas na matemática da oportunidade de incrementar resultados. “O Brasil alcançou 140 milhões de toneladas de grãos. Nós, produtores de calcário, afirmamos – mais do que isso, assinamos embaixo de qualquer documento que seja necessário para provar ao Governo Federal ou a qualquer outro interessado – que, se praticássemos amplamente a correção de solo no nosso país, já teríamos passado no mínimo para 170 milhões de toneladas de grãos com a mesma área plantada somente no primeiro ano de uso adequado do calcário no agronegócio brasileiro.
De acordo com estatísticas de diversas universidades, cerca de 93% do solo brasileiro precisa de correção de solo, independente da cultura a ser adotada na lavoura ou do sistema de plantio. A boa notícia é que o Governo Federal parece estar sensível à questão, principalmente, pela pressão de encontrar soluções mais acessíveis para contornar a crise global que desenha um cenário aonde a competitividade não virá apenas de vantagens territoriais e mercados favoráveis para commoditidies. De acordo com Raabe, o calcário pode ser um importante fator estratégico na condição atual do Brasil de importador de insumos para a produção de adubos. “Estamos procurando munir de informações e orientações os Deputados da Frente Parlamentar de Agricultura para que possam de fato auxiliar o trabalho que está sendo desenvolvido pelo Ministério da Agricultura com o objetivo de orientar o produtor sobre a importância da correção do solo brasileiro para potencializar resultados. “Trata-se de um esforço de comunicação necessário, que não pode ser realizado pelos produtores de calcário, porque este é um produto de baixo valor agregado, que não tem condições de financiar o treinamento e a conscientização do agricultor sobre as vantagens do seu uso. Esta é uma tarefa governamental, visto os resultados que podem ser alcançados em curto prazo para o país com a adoção do produto.”, explica Raabe. “Contamos com a maturidade do governo compreender este fato”.
Pesquisa da Abracal, recentemente realizada em vários estados da Federação, apontou que no estado de São Paulo – reconhecido indiscutivelmente como o que mais desenvolve, cresce e cria tecnologia para o agronegócio brasileiro – o conhecimento do calcário e das vantagens da sua utilização para o setor era de apenas 53% entre os produtores rurais consultados em todas as linhas de atuação, desde o agropastoril até as grandes lavouras. “Foi alarmante: 53% dos agricultores desconheciam a utilização do calcário. Eles podiam até já ter ouvido falar no assunto, porém ignoravam totalmente a possibilidade de aumentar sua produtividade com o uso do produto. Imagine os resultados do resto do Brasil. Este desconhecimento é o maior entrave que enfrentamos”, lamenta Raabe e acrescenta: “É necessário também que o produtor saiba, por exemplo, de incentivos já existentes, como o financiamento Produza, que tem 1 bilhão de reais disponíveis para o produtor especificamente para a correção de solo a 6,75% ao ano com até cinco anos de carência para pagar e carência de dois anos. São fatos que certamente estimularão ainda mais a adoção desta solução que pode fazer a diferença na próxima safra”.
Sementes legais são garantia de produtividade
Toda a polêmica em torno do uso ou não de sementes certificadas tem destaque na soja, mas é uma questão que preocupa a agronegócio nacional, principalmente frente à importância desta cultura para o país. Até 1999, o Brasil apresentava um percentual de sementes certificadas adequado, variando pouco de ano para o outro, sem que isso significasse uma preocupação. Sempre existiu a utilização de sementes salvas, ou seja, produzidas pelo próprio agricultor, e mesmo as pirateadas, mas isso não atingia grandes proporções. A Lei de Sementes, no entanto, significou um marco do setor, determinando a perspectiva de ingresso no mercado de multinacionais que desenvolvem tecnologia no exterior.
De acordo com o vice-presidente da Associação Brasileira de Sementes (Abrasem), Narciso Barison, é importante destacar esse ano. “Foi o ano da entrada dos transgênicos no Brasil, ou pelo menos se esperava que isso acontecesse, o que se daria através de uma empresa multinacional chamada Monsanto”. Narciso explica que a tecnologia foi anunciada pela Monsanto e o mercado se preparou para levá-la aos agricultores, divulgando suas vantagens e resultados. Porém, entraves governamentais não possibilitaram a liberação pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O vice-presidente da Abrasem contou que, neste momento, o estado do Rio Grande do Sul acabou se tornando o centro de uma crise, já que uma vez anunciado, os agricultores tinham que encontrar um meio de atender à demanda do mercado por produtos oriundos de sementes modificadas. Com isso, o estado passou a buscar clandestinamente na Argentina sementes RR (princípio ativo do herbicida Roundup da Monsanto). “Isso resolveu também o problema da incidência de invasoras no Rio Grande do Sul, ou seja, além de não se pagar pelas sementes, ainda significou uma solução para a agricultura local”.
O debate sobre a liberação dos transgênicos pelo CTNBio se estendeu até 2005. Nesse período, as sementes clandestinas foram tomando conta da produção agrícola no Rio Grande do Sul, principalmente na produção de soja. Além disso, a prática se expandiu para os demais estados produtores. “Foi o que acabou criando uma situação de queda de utilização de sementes legais e migração para a utilização de sementes ilegais ou piratas, que continham a tecnologia que o mercado precisava, mas que o país não podia produzir”, disse Narciso. O fato é que a adoção de sementes não certificadas não era apenas uma questão de preço, mas sim de ganho produtivo. “O benefício trazido às safras era o principal atrativo”, explica.
O Governo Federal proíba a prática. Porém, como o Rio Grande do Sul possui um contingente bastante expressivo de agricultores no momento em que essa tecnologia os agradou, eles passaram a pressionar o governo pela legalização das sementes transgênicas, o que de fato aconteceu. Para se ter uma idéia da importância desta tecnologia, o Rio Grande do Sul passou a utilizá-la em 98% da área plantada entre 2000 e 2007. Em 2005, o mercado brasileiro começou a disponibilizar para os agricultores sementes transgênicas legais. Empresas como a Embrapa e outras passaram a vender sementes geneticamente modificadas.
Nesse período, de 1999 a 2005, o setor produtivo produzia sementes certificadas legais, mas não havia mercado. “Isso porque produzíamos sementes certificadas legais, mas o mercado queria transgênicos. Ou seja, em 1999, havia 65% do mercado com semente certificada e em 2004/2005, havia menos de 5%”, sublinhou Narciso. Porém, quando as empresas nacionais passaram a assinar contratos com a Monsanto para utilizar a tecnologia e o mercado nacional foi sendo abastecido com sementes, o processo começou a se reverter. “Esse ano, o mercado dos transgênicos já atingiu um patamar de 40%”, observou o vice-presidente da Abrasem. De qualquer forma, o índice de legalidade ainda é baixo, pois a semente ilegal reduz o custo do produtor, que não paga impostos nem royalties para a Monsanto. O vice-presidente da Abrasem diz que, pelo menos no Rio Grande do Sul, está sendo feito intenso trabalho de conscientização e educação para o consumo consciente de sementes. “Quando há certificação, o agricultor tem sabe o grau de origem germinativa da planta, algo em torno de 85%, ou seja, de 1 quilo 85% germina. A semente pirata é uma surpresa, um risco muito alto”. A pirataria de sementes é um fato que realmente tem se tornado relevante. A fiscalização está aquém da ideal na visão do vice-presidente da Abrasem: “O próprio Ministério da Agricultura não está suficientemente aparelhado para exercer adequadamente esta fiscalização”.
Já a semente própria é permitida para os indígenas, quilombolas e pequenos agricultores. A polêmica gira em torno deste último grupo. Agricultores com alguma expressão, não só os pequenos como os grandes, podem produzir a semente própria desde que inscrevam a área no Mapa e tenham licenciamento da variedade. “Se o agricultor quiser produzir sua própria semente, pode. Não precisa pagar royalties, desde que a semente não sirva à comercialização, ou seja, ele não pode transportar as sementes de uma propriedade para a outra sem licença”, explica Narciso. Há ainda uma discussão para determinar o quanto um agricultor pode produzir em volume de semente para uso próprio. Há uma proposta para que se limite essa produção a quatro módulos, sendo que cada um varia de 20 a 40 hectares para que não haja produtores que plantem 200 mil hectares, por exemplo, eximindo-se da responsabilidade de pagar royalties. “Isso é muito inconveniente para quem desenvolve a tecnologia, que precisa do retorno para o investimento. Evidente que não se pode tratar o agricultor do Mato Grosso do Sul de 200 mil hectares da mesma forma que o produtor de 40 hectares. Tudo deve ser relativisado. Estamos tentando fazer essas correções”. O vice-presidente da Abrasem faz questão de ressaltar que a semente própria pode ser plantada sim, desde que se enquadre no que determina a lei. “Mas não digo isso apenas para proteger as empresas que investem em tecnologia, mas principalmente para proteger o agricultor. Se não acharmos uma maneira de organizar esse segmento, as empresas que investem em tecnologia deixarão de investir. Nossa preocupação é o futuro. Deve-se equilibrar o processo para que todos ganhem e não apenas um elo da cadeia”, afirma.
Dependência em fertilizantes e o déficit de infra-estrutura
O Brasil é o quarto mercado mundial de fertilizantes, entretanto ocupa somente 6% do total do consumo. A China ocupa o primeiro lugar, superando os 30%, seguida da Índia que por razões de segurança alimentar supera os 17%, e o terceiro lugar é dos Estados Unidos com algo em torno de 15%. Portanto, embora o Brasil seja o quarto maior produtor internacional de fertilizantes, ele é extremamente dependente do mercado internacional e não comanda preços. Quem comanda preços são os três primeiros colocados: China, Índia e Estados Unidos.
Tradicionalmente no Brasil, os fertilizantes significam cerca de 30% do custo de produção agrícola, mas principalmente em 2008, devido à ascendência dos preços no primeiro semestre, vêm adquirindo em algumas culturas proporções ainda mais elevadas. Embora tenha uma posição de destaque no cenário produtivo internacional, além de não comandar preços, o Brasil é extremamente dependente de insumos de produção. De acordo com Eduardo Daher, da Associação Nacional para Difusão de Adubos, esta dependência pode significar problemas frente à crise mundial, que só serão solucionadas com vontade política e desoneração da indústria nacional.
Daher considera didático dividir a discussão central de fertilizantes em três blocos: nitrogênio, fósforo e potássio. O Brasil produz internamente cerca de 30% do que consome em nitrogênio, logo 70% é importado. “O nitrogênio tem relação direta com gás natural que remete ao assunto Bolívia e às inconstâncias das relações políticas e o conseqüente aumento dos custos que aconteceram em 2007 e 2008. Mas este quadro agora vai refluir. Em 2013, com o pré-sal, vai refluir mais ainda. Eu acredito que o nitrogênio vai ser a primeira e mais rápida retração de preços, porque o mundo árabe também entrou no mercado dos fertilizantes e, sobretudo, entrará a partir de 2009. Neste caso, haverá uma mudança de mercado favorável em médio prazo”, explica a liderança do segmento. “No entanto, precisamos acabar com o equívoco do Mapa, julgando que o Brasil possa um dia vir a ser auto-suficiente em nitrogênio. Nenhum país do mundo é, a não ser a Rússia e o Marrocos. Ninguém produz mais esta matéria-prima do que necessita”, explica.
Quanto ao fósforo, produzimos internamente 50% e importamos 50% do que consumimos. A despeito da crise, estão sendo realizados investimentos no sentido de aumentar a produção nacional através de minas existentes no Brasil Central. Essas minas não eram economicamente viáveis, mas à medida que o preço do insumo foi subindo no mercado internacional, houve interesse do mercado produtor que duplicou sua capacidade e isso vai amenizar nossa dependência. Daher afirma que com estes investimentos em produção, a participação meio a meio pode caminhar em médio prazo para algo em torno de 70% produzido internamente contra 30% importado. “Porém, mesmo esta perspectiva favorável não resolve o problema em curto prazo. Ainda vamos depender um bom período da variável de preços do mercado externo”.
Os números revelam que o potássio é sem dúvida a questão mais difícil de resolver: o Brasil produz 8% contra 92% de insumo importado. No passado, o país importava 100% do que consumia, mas desde que se descobriu uma mina a 45km de Aracaju, Sergipe, algo pode ser produzido localmente. Daher lembra que todo subsolo brasileiro é propriedade da Petrobras, que cedeu a exploração desta mina para Companhia Vale do Rio Doce. ” Na verdade é uma situação que não resolveremos antes de 2011. Dizem que há sais de onde se tira o na região Amazônia, porém a 1500 km de profundidade, embaixo do Rio Tapajós e no meio de uma reserva indígena. Portanto, não há porque mexer com isso, não será competitivo e será extremamente difícil politicamente, mas há aqueles que acreditam que devemos buscar uma solução por este caminho. O Brasil está se esforçando e deve continuar procurando as alternativas para melhorar a sua independência, é necessário encarar que isso não vai acontecer nos próximos cinco anos e que o país não será auto-suficiente nunca, sempre dependerá de importação de potássio, assim como o resto do mundo depende de países como o Canadá, a Rússia e a Bielo-Rússia”, explica.
Daher dá a China como exemplo, que é o maior país a produzir, comercializar e consumir, mas é também o maior importador de fertilizantes do mundo. A China, com população de 1 bilhão e 300 milhões de habitantes, trata fertilizantes como uma questão de segurança alimentar. “Na China tudo é subsidiado: o gás natural, a energia, o transporte e tudo que envolve o agronegócio. No Brasil, estamos com os pés trocados, pois tributamos fertilizantes, temos ICMS interestadual e tantos outros impostos e taxas que oneram a produção. É uma utopia pensar em auto-suficiência em termos de insumos. Mas está ao alcance do governo, pensar em saídas alternativas de impacto imediato. Redução de tributos é uma delas”, enfatiza o líder empresarial. “Na minha opinião, nossa saída passa por três caminhos. A primeira seria tratar insumos, não só fertilizantes, mas cerca de 42 produtos desta cadeia, como questão de segurança nacional, ou como se você quiser chamar de segurança alimentar. Ou seja, insumos básicos deveriam estar isentos de tributação, porque nós produzimos com orgulho alimentos e também o saldo na Balança Comercial. Eu focaria, evidentemente, uma reforma tributária. Outro ponto é que, já que nunca seremos auto-suficientes, tínhamos que fazer um trabalho de excelência, que está atrasado anos e anos, na área de logística. Falo do sistema portuário, do sistema ferroviário – que no Brasil foi quase aniquilado – e finalmente falo em criar uma malha hidroviária também. A despeito do enorme problema do transporte, nosso maior problema ainda está na estocagem. Por exemplo, a safra americana é colhida e 65% dela fica estocada na propriedade rural. Na Argentina 25% fica na propriedade, no Brasil, apenas 5%. Encaminhamos a safra para armazéns fora das propriedades, depois nós fazemos filas de caminhões em Paranaguá, o que é a demonstração cabal que Brasil não tem armazenagem. Na verdade, armazenamos nossa produção sobre caminhões nos 100 km entre Paranaguá e Curitiba, por exemplo. Este é o tão famoso Custo-Brasil, que é mais assustador do que a inevitável dependência externa de determinado tipo de insumos”, enfatiza Daher.
A atual queda na demanda por fertilizantes Daher atribui aos altos e baixos da própria atividade que é muito sazonal. “Os anos de 2003 e 2004 foram excelentes, em 2005 e 2006 descemos a montanha e ficamos no vale, em 2006 saímos do vale e fomos para a montanha seguinte de 2007 e 2008. Batemos o recorde em 2007: o Brasil entregou 24 milhões 610 mil toneladas de adubo. Neste período representamos sozinhos 67% do mercado de fertilizantes da América Latina inteira. Agora em 2008, quando esperávamos superar isso, veio a crise de crédito. Falei de tributos e de logística e, agora, tocaremos no terceiro maior problema, que já vinha se anunciando: não há crédito para o agronegócio brasileiro, que até aqui vinha sendo financiado pelas trades. Primeiro, porque estas Companhias não são tolas e não vão fazer trocas diante de uma situação volátil. Segundo, o crédito oficial não flui. O Banco do Brasil tem recursos, mas eles não chegam na ponta. E finalmente os recursos próprios não são suficientes para fazer uma safra no Brasil, sobretudo no Centro-Oeste. O primeiro semestre foi espetacular, mas quando chegou o período de agosto e setembro, quando o produtor precisava do crédito, tudo parou. Os bancos se retraíram, passaram a não renegociar e este fato pegou de surpresa o produtor. Esse é o cenário que fez com que a demanda por fertilizantes parasse”, explica.
Em outubro, foram entregues 2 milhões e 31 mil toneladas de fertilizantes, o que significa 35% a menos do que em outubro do ano passado. A boa notícia é que este número ainda é só 2% a menos do que a entrega realizada no período de janeiro a outubro de 2008. “No entanto, o que preocupa é que enquanto o Brasil não tiver uma política definida de seguro agrícola e crédito rural vamos continuar renegociando a dívida do agronegócio brasileiro, o que é muito pernicioso para a imagem do agricultor. Se o produtor rural americano nos filmes é o herói, no Brasil ele é o caloteiro e o vilão que desmata a Amazônia. Essa é a imagem que nós temos do produtor rural, porque nós ficamos renegociando incansavelmente a dívida de cinco mudanças de moedas e não temos seguro rural”, lamenta Daher. Em outros países de uma modo geral o Governo costuma subsidiar o seguro rural. “Se de cada tonelada de princípio ativo que fosse vendida, fosse recolhido 1 dólar para um fundo de catástrofe, o dia em que acontecesse uma chuva como esta recente de Santa Catarina, o governo poderia ajudar efetivamente as pessoas a recuperar suas vidas e não com ar de caridade, mas com recursos gerados pela sua própria produção. Se o governo atua preventivamente com uma política consistente, o produtor acredita e planta. Esta reversão que está acontecendo com os fertilizantes em 2008 será solucionada mesmo na inércia, pois vamos chegar a 23 milhões de toneladas aproximadamente até o final do ano. Não será um resultado dramático, mas o contexto nacional é muito preocupante se nada for feito pelo futuro do agronegócio no país”, encerra. A verdade é que o mercado de fertilizantes havia se preparado para mais um recorde e vai entregar menos volume do que em 2007, tendo que estocar produtos. O preço vai demorar um pouco para cair, porque esse estoque nacional teve insumos e produtos comprados a altos preços.
O momento é delicado, mas de acordo com Daher é necessário ter calma, porque a crise tem origem financeira no sistema bancário e os estoques de grãos no mundo continuam muito baixos. Portanto, ainda que bancos estejam quebrados, a economia real terá que reagir, pois o estoque de trigo, soja e de milho do mundo não subiu e o mundo não vai parar de se alimentar e de consumir energia. É claro que é muito complicado e doloroso, se isso significar um significativo aumento do preço dos alimentos em 2009, o que reanimaria imediatamente o mercado, mas seria muito ruim para o País e para o mundo. A mensagem é que a crise traz momentos difíceis, mas também chances de colocar as discussões certas no centro da cena: os estoque de alimentos estão baixos, ninguém está investindo, mas seguramente o equilíbrio logístico, tributário e de crédito será cada vez mais indispensável para que agronegócio no Brasil atinja todo seu potencial, porque o mundo precisará de nós. Afinal, somos o único recurso para produção alimentos sem que seja necessário tocar em uma única árvore. Além do mais, o Brasil tem a dádiva de fazer duas safras por ano e é sem dúvida a solução futura para a segurança alimentar mundial. As soluções terão que chegar, mais cedo ou mais tarde, dependendo da sabedoria dos dirigentes. O tempo urge.