Representantes de entidades e empresas do setor químico-farmacêutico e do agronegócio reuniram-se em novembro com representantes do governo no último Encontro Empresarial ABIFINA de 2008. O objetivo foi realizar um balanço das conquistas obtidas neste ano e dos obstáculos que ainda persistem, além de debater as perspectivas para 2009. Entre os assuntos abordados destacaram-se o Complexo Industrial da Saúde, a política de propriedade industrial na área de medicamentos, o impacto da crise financeira internacional no agronegócio brasileiro e suas repercussões sobre a indústria agroquímica.
2008: um ano de avanços
O desempenho do setor de fármacos e medicamentos foi positivo em 2008 e registrou importantes conquistas que favorecem o cenário para o próximo ano, apesar da crise financeira internacional. De acordo com o secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Reinaldo Guimarães, já é possível perceber mudanças radicais em relação ao cenário de cinco anos atrás. Na cadeia farmoquímica e farmacêutica, o setor público, representado mais fortemente por Farmanguinhos, está se reorganizando segundo as novas diretrizes do Ministério da Saúde e vem fortalecendo seu papel tradicional de fabricação de medicamentos nos quais o setor privado não tem interesse comercial.
Já o setor privado, segundo ele, mostra-se interessado em assumir a liderança do mercado farmacêutico nacional. O secretário vê essa novidade como algo promissor não só no segmento de genéricos, que talvez tenha sido o beneficiário da política industrial mais bem-sucedida dos últimos anos na área de medicamentos, mas também no campo da inovação. Ele destacou que até mesmo os laboratórios multinacionais, que nos últimos quinze anos vêm praticando políticas de “desinvestimento” no país, começam a retomar projetos de pesquisa e desenvolvimento em suas unidades brasileiras.
O secretário avaliou a atuação governamental como extremamente positiva, seja do ponto de vista do fomento à produção industrial e do incentivo à inovação, seja no aumento da sua eficiência e coerência na regulação. Guimarães credita a retomada da cultura de inovação tecnológica, segundo ele abandonada há bastante tempo, à vinda de Luciano Coutinho para o BNDES, e destaca que as ferramentas de incentivo desenvolvidas pelo banco nesse período, como os Programas de Apoio ao Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacêutica (Profarma, Profarma I e Profarma II), são importantes marcos dessa mudança de rumo. “Foi possível testemunhar em 2007 e 2008 uma relação mais estreita entre o Ministério da Saúde, através da Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos, e o BNDES, através do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos (Defarma), dirigido por Pedro Palmeira”, assinalou. Na opinião do secretário, esta integração gerou frutos de inestimável valor para o desenvolvimento do setor.
Guimarães também fez questão de salientar a adequação das políticas públicas setoriais e regulatórias essenciais para a atuação do Ministério da Saúde em parceria com o setor produtivo. Uma delas é a política de Vigilância Sanitária. Na avaliação do representante do Ministério da Saúde, a Anvisa efetivamente colocou a regulação do mercado sanitário brasileiro em um novo patamar. “Muito embora possam persistir algumas debilidades operacionais, nota-se que a agência está empenhada em superar dificuldades e dialogar com a iniciativa privada no sentido de ampliar a troca de informações em beneficio do interesse público e também do desenvolvimento produtivo nacional”, comentou.
Outra política setorial destacada foi a de metrologia e normalização. Neste caso, as conquistas não afetam diretamente o setor de fármacos e medicamentos mas sim o de equipamentos médicos e dispositivos de diagnósticos, implantes, etc. Guimarães garantiu que, assim como a Anvisa, o Inmetro tem buscado intensamente nos últimos anos modernizar sua estrutura e suas práticas técnico-administrativas e capacitar seus quadros, o que é muito positivo para o país.
A terceira política destacada foi a de propriedade industrial. De acordo com o secretário, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que essa política atenda de forma satisfatória às necessidades do Complexo Industrial da Saúde: “A verdade é que não se percebe na atividade do órgão responsável pela política de propriedade industrial um compromisso real com os aspectos de fomento à indústria que produz para o Sistema Único de Saúde. O comprometimento com este setor estratégico para o país está muito aquém do que gostaríamos.” A boa notícia é que esse debate já foi iniciado e o ministério espera em prazo relativamente curto o alinhamento do INPI com o conjunto de ferramentas e políticas que o governo federal e os governos estaduais vêm desenvolvendo para fortalecer o Complexo Industrial da Saúde.
Propriedade industrial: dificuldades no Judiciário
O desembargador do TRF-RJ 2ª Região, André Fontes, apontou uma tendência perniciosa na condução do tema da propriedade industrial. Em sua opinião, o assunto deixou de ser enfocado como um mecanismo de proteção à indústria e aos interesses da sociedade brasileira e hoje é alvo da atuação de consultores e advogados que defendem interesses privados e de grupos estrangeiros. O desembargador lamenta que a discussão sobre propriedade intelectual não seja mais realizada através do Poder Legislativo, mas sim de forma meramente contratual. É o que os juristas chamam de contratualização da lei. Grupos com fortes práticas lobistas influenciam parlamentares para submeter e aprovar leis que são muito mais um fruto de negociações de interesse limitado do que produto do consenso sobre o que é justo e adequado na atual situação do país.
O Brasil é o maior mercado público de medicamentos do mundo e os interesses internacionais estão plantados em nosso território. Segundo Fontes, empresas estrangeiras vendem para o Brasil com preços elevados e influenciam a política nacional de propriedade intelectual, especialmente no que tange aos regimes de proteção dos seus interesses patentários. O Brasil paga por produtos que, a rigor, segundo nossa legislação, sequer deveriam estar protegidos, exemplificou o desembargador, referindo-se mais diretamente à questão das patentes pipeline. Ele lembrou também que, enquanto países africanos como a Zâmbia têm 25% de sua população contaminada com o vírus HIV, o Brasil não discute o progresso que o medicamento sob proteção de patente vai trazer para a saúde pública, mas somente quanto tem que ser pago aos laboratórios internacionais. Nenhum país sério faz isso. Os EUA colocam em primeiro lugar a contribuição e o interesse social atendido pela propriedade intelectual e só depois remuneram o seu inventor. Aqui, faz-se exatamente o contrário, desabafou Fontes. A solução para o problema, em sua opinião, passa pela informação e educação sobre o tema.
O vice-presidente da ABIFINA Nelson Brasil ponderou que a Associação não somente apóia as ações do Ministério da Saúde na área da propriedade intelectual como também subsidia o sistema judiciário, via amicus curiae, com dados econômicos e sociais relativos ao uso dos produtos em questão sempre que as detentoras do privilégio almejem uma extensão de prazo da patente. “Entendemos que a ABIFINA tem não apenas o direito, mas o dever de levar ao Poder Judiciário as informações pertinentes a esse processo. A realidade social, a vida das pessoas e sua garantia de saúde e soberania são componentes de uma política consciente e bem-sucedida de propriedade intelectual. Esse conceito de interesse público deve estar entre as variáveis mais importantes para a tomada de decisão”, argumentou Nelson Brasil.
Cenário atual e futuro
De acordo com o Ministério da Saúde, em 2007 a indústria farmacêutica nacional respondeu por 35% da receita total desse setor no país, e alcançou o patamar de 850 empresas gerando em torno de 100 mil empregos e faturando cerca de US$ 15 bilhões. Guimarães alerta, porém, que o déficit comercial do setor, ainda um grande problema a enfrentar, este ano deverá atingir US$ 6 bilhões. Como nos últimos seis meses as exportações do setor estão crescendo percentualmente mais do que as importações, espera-se para o próximo ano uma reversão dessa tendência.
A atuação do Ministério da Saúde se lastreia em quatro instrumentos: a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), lançada pelo presidente Lula em maio deste ano; o PAC de Infra-Estrutura; o programa “Mais Saúde, Direito de Todos” e o PAC da Ciência e Tecnologia. Eentre os programas mobilizadores da PDP, o Complexo Industrial da Saúde (CIS) é um dos seis considerados estratégicos para o país, ao lado dos de Tecnologias de Informação e Comunicação, Energia Nuclear, Complexo Industrial de Defesa, Nano e Biotecnologia.
De acordo com Guimarães, é extremamente relevante o fato de o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), responsável pela coordenação geral da PDP, ter estabelecido que a coordenação do Complexo Industrial da Saúde ficasse a cargo do Ministério da Saúde. “Embora possa parecer óbvio que o MS assuma esta coordenação, a medida é algo bem original no país. Há um comitê executivo, formado pelo Ministério da Saúde, Ministério da Ciência e Tecnologia e o BNDES, que se reporta à nossa pasta”, explicou.
As ações mais imediatas e práticas que a PDP, o programa Mais Saúde e o MCT estabeleceram para o Complexo Industrial da Saúde visam à superação de uma série de antigos problemas. O Complexo Industrial da Saúde responde hoje por algo entre 7 e 8% do PIB, faturando cerca de R$ 160 bilhões, caracteriza-se por uma forte dependência de importações de produtos de maior densidade tecnológica e por um déficit comercial elevado, que atingiu US$ 5,5 bilhões em 2007. A meta é, até 2013, reduzir o déficit comercial para US$ 4,4 bilhões e desenvolver tecnologia para produção local de 20 produtos estratégicos para o SUS.
Em última instância, o principal desafio do Complexo Industrial da Saúde é diminuir a vulnerabilidade da Política Nacional de Saúde. A idéia central, segundo o secretário, é transformar a relação tradicional entre a indústria e o sistema de saúde, que tinha caráter puramente mercantil, numa relação de natureza mais estruturante. Outro desafio é elevar os investimentos em inovação, sendo a principal ferramenta para isso o Profarma II do BNDES, que estabelece, a partir de prioridades do MS, condições amplamente favoráveis de contratação de serviços de produção com empresas privadas. Constituem, igualmente, desafios do CIS o aumento e a diversificação das exportações, o adensamento da cadeia produtiva por meio de incentivos às empresas nacionais; fortalecimento, expansão e modernização da gestão da rede de laboratórios públicos e atração de empresas tecnologicamente avançadas para realizar investimentos em centros de P&D e produção em território nacional.
BNDES e Complexo Industrial da Saúde
O chefe do Departamento de Produtos Intermediários Químicos e Farmacêuticos (Defarma) do BNDES, Pedro Palmeira, informou que o banco está ciente do seu papel estratégico na parceria com o Ministério da Saúde para o fortalecimento do setor farmacêutico nacional. “Nós estamos terminando o ano de 2008 com um volume acumulado de financiamentos do Profarma de R$ 1,4 bilhão, que já proporcionaram investimentos de cerca de R$ 2,5 bilhões por empresas de capital nacional em modernização, expansão e adequação da sua capacidade produtiva”, explicou.
Em 2009, segundo ele, o Profarma estará mais focado em projetos relacionados à inovação tecnológica que visem à consolidação do setor farmacêutico nacional frente aos desafios do futuro. “O Profarma tem recursos acumulados hoje em torno de R$ 300 milhões, mas ainda é pouco”, observa Palmeira. “Existem linhas de financiamento adequadas não só no BNDES, mas também na Finep, para que as empresas possam ousar um pouco mais em projetos inovadores que poderão lhes conferir maiores margens de rentabilidade.” Ele reconhece que projetos ousados implicam certo grau de incerteza, devido aos altos riscos da inovação, mas considera importante que as empresas pensem no longo prazo, nos benefícios futuros para o seu negócio e para a sociedade.
Sobre o conjunto de ações e medidas para que esses desafios se concretizem, o secretário do MS destacou o uso do poder de compra estatal para estimular a produção local. O MS compra de R$ 8 milhões a R$ 9 milhões por ano no mercado local, mas Guimarães admite que “existe uma imensa fragilidade na utilização deste enorme poder de gerar desenvolvimento em território nacional, na orientação da própria capacidade produtiva e na avaliação da qualidade dos produtos comprados.” Ele afirma que, para mudar este enfoque equivocado, trabalha-se atualmente na revisão da regulamentação de compras governamentais e lembra que a responsabilidade não é só do Ministério da Saúde, mas também do BNDES, Ministério do Planejamento, Ministério do Desenvolvimento, Ministério da Fazenda, Ministério de Ciência e Tecnologia e do próprio Congresso Nacional.
Outras medidas importantes são a oferta de mais recursos para pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas e a formação de redes de apoio ao desenvolvimento tecnológico e industrial. O MS prevê, junto com a Finep, ações de fomento à instalação de um centro de investigação pré-clínica no Brasil com capacidade de atender à demanda das indústrias nacionais. “Nossa idéia é viabilizar mecanismos eficazes principalmente para as empresas que estão apostando em produtos inovadores. O objetivo é evitar que tenham que contratar serviços de toxicologia no exterior, como fazem atualmente, onerando ainda mais o processo de inovação. O Novo Profarma, que já foi mencionado, e o Funtec – Fundo Tecnológico, no âmbito do BNDES, também terão parte nesse projeto”, ressaltou Guimarães.
Ações do Gecis
O Ministério da Saúde demonstrou estar ciente de que sem alterações no marco regulatório as dificuldades para colocar em prática o programa proposto na PDP serão imensas. A tabela da página 9 mostra os problemas que a regulação na área do CIS gera para a indústria.
Apenas o que está em verde são as ferramentas de fomento e todos os destaques em azul, marrom e cinza são de ordem regulatória.
O diretor de Farmanguinhos, Eduardo Costa, comemora a criação do Gecis, que foi uma proposta sua em conjunto com a ABIFINA, aceita e imediatamente incorporada à PDP. “No nosso entendimento, esta sempre foi uma questão relevante para nos permitir alcançar os objetivos traçados. Então, vemos essa busca de integração entre o BNDES, a Finep, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Saúde, enfim, todos os órgãos diretamente envolvidos com o desenvolvimento do setor, como uma variável de sucesso para a concretização do CIS.”
O Gecis está à frente de sete medidas regulatórias do Complexo Industrial da Saúde: pré-qualificação de empresas, lista de produtos estratégicos, garantia de mercado, desoneração tributária, contratação de serviços, regulação sanitária e política de propriedade industrial. Entre as ações implementadas destaca-se um fórum permanente de articulação com a sociedade civil que reúne 22 entidades de todos os segmentos do CIS, com o objetivo de assessorar o Grupo. Há também quatro grupos de trabalho em funcionamento: o grupo de desoneração tributária, coordenado pelo MDIC, o de compras governamentais, coordenado pela ABDI, o de ações transversais para 2008-2010, coordenado pela Finep, e o de tributação, coordenado pelo Ministério da Fazenda e constituído com base em proposta da Secretaria Executiva do Conselho de ministros da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos – CMED.
Há ainda três obrigações do Ministério da Saúde relativas a parcerias que foram incorporadas ao Gecis. A primeira delas é o Comitê de Gestão do Termo de Cooperação Ministério da Saúde/BNDES, que tem por objetivo implementar o referido termo e ações de assistência técnica entre o BNDES e o MS (com destaque para o Profarma II). As outras duas são oriundas do MCT: a portaria interministerial nº 742, que institui parceria entre o Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o MS e o MCT para cooperação técnica no desenvolvimento de políticas públicas para o CIS, e a portaria interministerial nº 748, que institui parceria entre o MS e o MCT para harmonização da Política Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde com a Política de Inovação Tecnológica.
Entre as medidas já implantadas para o setor produtivo público destacam-se a portaria 375, que trata da qualificação e certificação na área de equipamentos e materiais de saúde; a portaria 978, que dispõe sobre a lista de produtos estratégicos prioritários; a portaria interministerial 128, que estabelece diretrizes para a contratação pública de medicamentos e fármacos pelo SUS; e a portaria 374, que institui um programa de fomento à produção pública no CIS, com destaque para parcerias público-privadas destinadas à produção de medicamentos e fármacos. De acordo com Guimarães, pretende-se com este conjunto de medidas que produtores privados nacionais e públicos interajam regularmente para desenvolver e produzir medicamentos de maior valor agregado, inclusive visando fornecer para o Ministério da Saúde.
O diretor de Farmanguinhos, Eduardo Costa, relatou as dificuldades ainda existentes no processo de nacionalização do Efavirenz, mas afirmou que, de maneira geral, todos os elos da cadeia produtiva melhoraram sua capacidade de gestão. Costa é um participante ativo nos debates sobre a formulação e implementação de políticas públicas para a área de assistência farmacêutica, tanto como Conselheiro da ABIFINA quanto na sua atuação governamental. “Este ano foi assinada a portaria nº 128, que é de extrema importância, e nos orgulhamos de que sua idealização tenha sido de Farmanguinhos com a contribuição da ABIFINA, que acompanhou a evolução da idéia original”, destacou.
Para 2009, Costa defendeu que o MS e os estados devem trabalhar em prol de uma instrução normativa que discipline melhor os contratos dos laboratórios públicos. “Vamos precisar melhorar muito este instrumento gerencial, que deverá estabelecer novos critérios para embasar o marco regulatório na área da produção pública de medicamentos. É fundamental normatizarmos estas rotinas.”
Perspectivas e desafios do agronegócio
Com o cenário de instabilidade provocado pela crise financeira mundial, o agronegócio foi abalado no mundo inteiro. Para um país que tem o saldo de sua balança comercial ancorado neste segmento, como o Brasil, a crise configura um momento difícil e exige a mobilização de todos os esforços para minorar suas conseqüências. O diretor do Departamento de Economia Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Wilson Vaz, afirmou que no mês de outubro os efeitos da crise já se fizeram sentir em todo o setor produtivo, e especialmente no agronegócio. Ele destacou a dependência de crédito do setor para realizar o plantio e formar capital de giro até a venda da safra. Foi exatamente no momento em que o produtor estava precisando desse crédito, de acordo com Vaz, que faltaram os recursos, oriundos em grande parte das tradings ligadas ao agronegócio brasileiro. Este fato antecipa a possibilidade de uma retração na área plantada, ou eventualmente até de uma redução do uso de tecnologias avançadas na produção da próxima safra. “Para se ter uma idéia, até o mês de agosto havia uma perspectiva de safra de 150 milhões de toneladas, o que representaria um acréscimo de 10% em relação à safra que está terminando agora. Segundo levantamento recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e do IBGE, a expectativa agora é de uma redução de até 3% em relação à safra recém-colhida. Então, de certo modo, as conse-qüências já começam a aparecer”, explicou o diretor do Mapa.
Vaz explicou que o momento é delicado, pois estamos no auge do plantio da principal safra, a de verão. Em vista disso, o Ministério da Agricultura empenhou-se junto à área econômica do governo no sentido de disponibilizar mais recursos para financiar a produção nessa etapa, que inclui aquisição de insumos, fertilizantes e defensivos agrícolas. O diretor defende que todos os esforços do governo e do Ministério da Agricultura sejam orientados para irrigar com recursos financeiros a produção, minimizando o impacto da crise na área plantada e na produtividade das lavouras. Ele destacou, também, que diversos mecanismos estão sendo criados para apoio à comercialização quando a safra vier a ser colhida nos meses de abril e maio de 2009, de forma a evitar especulação nociva em relação aos preços que serão praticados.
Um ponto importante a considerar na atual conjuntura, de acordo com o diretor do Mapa, é a conclusão do processo de reestruturação do endividamento rural, que traz insegurança aos produtores especialmente no atual cenário. O volume financeiro dessa dívida, acumulada desde 1994, é bastante expressivo. “É nossa intenção equacionar o mais breve possível o problema, melhorando também o acesso ao seguro rural”, garante Vaz. “O conjunto de medidas em estudo pelo ministério pode viabilizar a conquista de novos mercados, inclusive internamente, além de melhorar o padrão de qualidade dos produtos. Estamos apostando em ações para minimizar a crise internacional e procurando ser ágeis nas respostas.”
O diretor do Mapa destacou a preocupação do ministério com a redução do custo de produção para os agricultores. “Quatro anos atrás, o ministro estava muito preocupado com o preço do glifosato e mais recentemente com o preço dos fertilizantes, em função da concentração de oferta no mundo e da baixa oferta interna do Brasil em relação à demanda do nosso agronegócio. São dois pontos cruciais a serem atacados em sua gestão, e creio que teremos resultados em médio prazo”, afirmou.
O vice-presidente da ABIFINA Nelson Brasil elogiou o ministro Stephanes por ter pressentido, desde sua posse, que a falta de fabricação desses insumos estratégicos no país poderia levar a uma grave situação de desabastecimento e inflacionar custos. “A ABIFINA guardou bem essas palavras proferidas logo no início da sua gestão. Um discurso embasado em conhecimento da realidade nacional e também em vontade política de atuar em prol do desenvolvimento sustentado. Agora, com a crise internacional instalada, é possível notar que realmente sem a fabricação local não há controle inflacionário que resista”, concluiu Nelson Brasil.
O vice-presidente da ABIFINA Luiz Guedes assinalou que o agronegócio representa 33% do PIB brasileiro e advertiu que “se houver uma queda de 10% nessa área o país deixa de crescer R$ 80 bilhões; ou seja, nossa geração de riqueza depende diretamente do desempenho do campo. É bom lembrar que o saldo positivo da balança comercial é resultado do desempenho deste setor, que representa 58% em resultados. Sem esta contribuição, o país estaria negativo nas exportações e na negociação comercial.”
Os desafios que o setor tem pela frente, na opinião de Wilson Vaz, são os mesmos de dez anos atrás: desenvolvimento e uso de tecnologia, demanda por fertilizantes, melhorias na infra-estrutura, manutenção e melhoria do status sanitário, produção com qualidade certificada, mecanismos de proteção à variação de preços, negociações comerciais e dependência do cenário econômico mundial. Ele destaca particularmente a dependência nacional na área de fertilizantes. Na safra de janeiro a dezembro de 2007, entre as matérias-primas necessárias para a produção do insumo, 74% do nitrogênio, 51% do fósforo e 91% do potássio foram importados. Ou seja, no total o país importa 72% do fertilizante que consome para fazer o agronegócio brasileiro prosperar.
Guedes esclareceu que a questão dos fertilizantes está ligada ao abastecimento e à capacidade de produção, e ressaltou que há dificuldades neste momento. “A China e a Rússia colocaram tarifas específicas para exportação, aumentando o preço final, porque queriam abastecer seu mercado.” Ele fez questão de lembrar que o atual problema do preço dos fertilizantes tem um impacto significativo na produtividade: “Se o agricultor deixa de usá-lo, cai a produção por hectare.” O vice-presidente apresentou também como um importante desafio o sistema de registro de agroquímicos pela Anvisa, que, segundo ele, “está fortemente contagiado por questões ideológicas, o que não contribui em nada para nosso desenvolvimento”.
Ao comparar os critérios de classificação toxicológica do Brasil com os do primeiro mundo, Guedes concluiu que também neste aspecto nosso sistema é inadequado. Explicou que, para classificar toxicologicamente um produto, os países desenvolvidos usam como critérios o grau toxicológico do produto e a exposição, parâmetros que, conjugados, determinam o risco a que estão submetidas as pessoas expostas ao produto. Já o Brasil, segundo ele, dá prioridade ao critério toxicológico, o que distorce o resultado. “Pode haver um produto muito perigoso toxicologicamente, mas se tiver baixa exposição ele apresentará baixo risco. Este é um impasse importante no Brasil. Há, por exemplo, a ameaça de se retirar 12 produtos do mercado por esse motivo, desprezando-se o fato de que a classificação já está padronizada de outra forma no mundo inteiro. Produtos muito importantes para o agricultor, tanto em termos de custo de produção quanto de eficácia, podem desaparecer do mercado, prejudicando ainda mais o prognóstico para o próximo ano”, destacou.
Wilson Vaz encerrou sua apresentação detalhando e quantificando as formas de subvenção econômica que diferenciam o Brasil de outros países. Nesse cálculo entram todas as modalidades de proteção à produção interna, o apoio que o país oferece à sua agricultura, seja em transferência de tecnologia, investimentos em pesquisa, extensão rural ou recursos subsidiados. Ele comparou a subvenção oficial no Japão e no Brasil e mostrou que, entre 2003 e 2005, enquanto o apoio governamental japonês chegou a 58%, no Brasil apenas 3% dos recursos para a agricultura foram providos pelo Estado. “Nestes números o Brasil perde somente para Nova Zelândia e Austrália. Todos os demais países subsidiam substancialmente seu agronegócio.”