REVISTA FACTO
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Nov-Dez 2008 • ANO II • ISSN 2623-1177
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Crise, governança e cidadania
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Crise, governança e cidadania

A atual crise financeira global teve início nos EUA em março de 2007 com a falência do sistema subprime norte-americano – mecanismo de empréstimos de segunda linha vastamente operados naquela nação – mas sem os adequados controles emanados das autoridades financeiras. Partia-se do pressuposto de que um infalível “mercado” regularia per se toda a atividade econômica.

Ocorre que as empresas financeiras norte-americanas, com o aquecimento do mercado imobiliário e na ausência de regulamentos a cumprir, passaram a conceder créditos a pessoas sem um bom histórico no pagamento de dívidas. Isso aliado às taxas de juros extremamente baixas e às excelentes condições de financiamento resultou em um enorme endividamento dos consumidores na compra de imóveis. E na ausência de caixa suficiente para atender à demanda tão aquecida – e também por não haver regras reguladoras dessa atividade porque o mercado era suposto ser o único regulador do sistema financeiro – os bancos transformaram seus empréstimos em letras hipotecárias sem lastro real que foram colocadas no mercado financeiro. Quando a inadimplência apareceu mais forte, esse sistema financeiro virtual se transformou em um imenso “castelo de cartas” que desandou, iniciando-se o processo de perdas generalizadas pelo mundo afora.

Os economistas neoliberais da Escola de Chicago passam agora a prescrever regras para o controle do sistema financeiro, “heresia” que em passado bem recente todos repudiavam por se constituírem, segundo eles, barreiras a um endeusado e intocável free trade – para falar na linguagem por eles preferida.

Nesse cenário internacional os países emergentes que formam o BRICs – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – de uma forma quase unânime são agora vistos como as nações que menos deverão ser abalados pela crise financeira mundial, posto que neles hoje nitidamente predomina uma economia real, embora ainda em seus estágios iniciais.

Sem sombra de dúvida pode-se dizer que entre os países emergentes acima mencionados o Brasil reúne as melhores condições de resistência ao temido caos financeiro e econômico, bem como pode até mesmo surgir da crise como uma nação já galgando patamares de primeiro mundo. Isso porque reúne todos os requisitos básicos para autônomo crescimento econômico, não apresentado por nenhum outro país como no nosso caso: estabilidade econômica e política, moeda estável e transparente democracia, dimensão territorial com a maior área agriculturável do mundo, maiores reservas da biodiversidade universal, recursos naturais abundantes (com destaque para água e petróleo), mais favorável relação população/área territorial, ausência de castas sociais ou diferenças étnicas ou religiosas, auto-suficiência na produção de alimentos, insuperáveis fontes de energia convencional e renovável.

Isso é corroborado por previsão divulgada no final de outubro de 2008 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), onde o Brasil é apresentado como a única grande economia que não deverá sofrer forte desaceleração de sua atividade econômica nos próximos meses. Para o Brasil, a OCDE prevê apenas uma “leve desaceleração”. Já em relação à China, Índia e Rússia, as perspectivas de crescimento econômico, segundo o documento, deverão deteriorar-se consideravelmente, enfrentando forte desaceleração.

Então o que falta ao Brasil para progredir rapidamente em sua vocação natural de se tornar uma potência desenvolvida? Faltam governança e cidadania.

Governança entendida como a plena aderência de todos os agentes públicos e econômicos às políticas e códigos de conduta definidos pelo Estado, que não podem ser atropelados por conflitos de interesse regional ou paroquial, em prejuízo do superior interesse público nacional. A governança se expressa pela ação articulada dos principais atores públicos e privados, visando-se atingir metas de eficiência econômica e alcance social em todo o país, como é o caso de usar o poder de compra como um instrumento de política pública. A validade desse instrumento é irrefutável, haja vista a enorme experiência adquirida pelos Estados Unidos aplicando seu Buy American Act. Nenhum acordo internacional proíbe ou dificulta aplicar esse fantástico mecanismo de política pública. Levando em conta os mais legítimos interesses econômicos e sociais do Brasil, muito bem captados pelo PAC da Saúde, através de portaria assinada no dia 11 de dezembro o ministro da Saúde determinou, em ato administrativo que orientará a aplicação de verbas orçamentárias do ministério, que nas compras de fármacos para a produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais deverá ser dadas preferência aos princípios ativos fabricados no Brasil. Essa orientação já foi testada com pleno sucesso em aquisições feitas por Farmanguinhos – laboratório oficial do Ministério da Saúde – nos últimos dois anos, culminando com a excelente experiência desenvolvida no modelo de parceria público-privada criada para contratar os serviços de fabricação local do princípio ativo destinado ao antirretroviral Efavirenz, cuja patente foi licenciada compulsoriamente pelo governo federal.

Embora a política industrial do presidente Lula tenha sido estabelecida em 2004, somente agora começará a ser aplicado o sistema de compras governamentais como instrumento para desenvolver a indústria local nessa estratégica área, gerando renda e criando empregos no país, em vez de criá-los no exterior, como era a orientação neoliberal de anteriores governos.

A generalização desse mecanismo visando sua aplicação nas aquisições de medicamentos e equipamentos para a saúde pública, levará o Ministério do Planejamento a mudar sua regra de compras públicas através de leilões eletrônicos – correta para a compra de bens comuns, porém totalmente inadequada nas aquisições de fármacos e medicamentos.

Aliás, o sistema de leilões eletrônicos para a compra de fármacos como vem sendo feito contradiz o princípio constitucional da isonomia de tratamento dos concorrentes, pois se comparam produtos desiguais: um é fabricado por produtor nacional que recolhe tributos, é certificado e auditado pela Anvisa, e o seu concorrente é um produto importado sem atender às mesmas exigências sanitárias e ainda é isentado de impostos, quando não bonificado, pelas suas exportações. Em realidade o leilão eletrônico confere uma preferência pelo produto estrangeiro.

O desalinho dos leilões eletrônicos na forma empregada com os interesses nacionais representados pela política industrial, resulta também maiores ônus aos cofres públicos por induzir aquisições de produtos de baixa qualidade, que resultam da seleção pelo critério de menor preço de face.

O Ministério do Planejamento agora deverá definir a sintonia nas ações dos órgãos que realizam as compras governamentais de produtos nessa área com a política industrial estabelecida pelo PAC da Saúde, à semelhança da portaria assinada pelo ministro Temporão, expressando essa nova orientação o que de fato constitui governança.

Inversamente, quando a ideologia interfere com a boa técnica – como ocorre com freqüência nas áreas da vigilância fitossanitária e do meio ambiente, resultam sérios prejuízos ao setor produtivo nacional. Há uma evidente falta de compromisso dessas áreas com políticas de desenvolvimento produtivo aplicadas pelo Ministério da Agricultura, que reflete ausência de governança.

Em realidade deveria ocorrer também uma aproximação do Poder Judiciário, Ministério Público e Tribunais de Contas com os agentes do Poder Executivo com o objetivo de melhor conhecerem a realidade nacional e, assim, poder melhor “separar o joio do trigo” em suas decisões. A ausência dessa sintonia entre agentes operacionais e de fiscalização dos poderes públicos resulta em hesitações e omissões dos agentes do Poder Executivo, temerosos de que suas decisões sejam punidas pelos Tribunais de Contas ou Ministério Público. Em realidade nosso país opera em sistema multicameral – compartimentos sem comunicações entre si, em detrimento do interesse nacional.

Por último, mas não menos importante, exercer cidadania é ter consciência de que todos nós temos direitos – civis, políticos e sociais, mas também temos deveres, sejamos autoridades públicas, produtores ou simples consumidores. O cidadão tem de ser cônscio de que suas obrigações fazem parte integrante de um complexo organismo que é a Nação, para cujo bom funcionamento todos nós temos responsabilidades no dia-a-dia de nossas atividades.

Cada agente econômico cuidando apenas de seu próprio espaço, sem assumir também como seu problema as dificuldades que acometem seu parceiro de senzala, deixa de exercer a cidadania por não se sentir parte da governança nacional, certamente perpetuando a baixa eficiência que tem sido expressa pelas taxas de crescimento do PIB brasileiro.

O Brasil reúne todas as condições para se tornar uma nação de primeiro mundo. Tudo depende apenas de nós mesmos. Exerçamos a cidadania em benefício da nação brasileira.

Nelson Brasil de Oliveira
Nelson Brasil de Oliveira
Vice-presidente de Planejamento Estratégico da ABIFINA.
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