REVISTA FACTO
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Mar-Abr 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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//Matérias

Ações judiciais em patentes: Segredo de justiça ou abuso de direito?

Como não bastasse a avalanche de ações judiciais que correm nas varas especializadas em propriedade industrial, no Rio de Janeiro e a saída estratégica de grandes empresas multinacionais para o foro de Brasília, surgem ações referentes à patentes, na área farmacêutica e agroquímica, correndo em segredo de justiça.

 Sabe-se que o segredo de justiça é previsto no código de processo civil [1], em seu art. 155, apenas como excepcionalidade aos casos de interesse público e às matérias relativas à família, ali relacionadas.

CPC – art 155

Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:

I – em que o exigir o interesse público;

Il – que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores. (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977).

A lei não deixa dúvidas quanto à obrigatoriedade da publicidade dos atos processuais, pois o código de processo civil vem apenas corroborar ao definido na Constituição Federal de 1988 [2], em seu art. 5º, LX e 93, IX.

CF/88 – art 5º, LX

A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

CF/88 – art. 93, IX

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº. 45,
de 2004).

Diz NELSON NERY JUNIOR [3]: “o art. 155 do CPC, portanto, estabeleceu a regra da publicidade e as exceções nela contidas estão em perfeita consonância com o comando constitucional emergente do art. 5º, n. LX. A recepção do dispositivo do diploma processual vigente pelo novo texto constitucional foi total”

DANIEL FRANCISCO MITIDIERO menciona que “a publicidade é uma das características do devido processo legal brasileiro (arts. 5º, LIV, LX e 93, IX, CRFB), constituindo um dos pilares constitucionais de nosso formalismo processual” [4].

No processamento de pedidos de patentes a previsão legal de sigilo vem da Lei 9279/96 [5] em seu art. 30 e 75 onde, pode-se notar o foco exclusivo de segredo sobre a matéria técnica reivindicada para proteção por patente no âmbito administrativo, na fase processual inicial, conforme previsto nos procedimentos em vigor ou nos casos específicos de defesa nacional.

Lei 9279/96 – Art. 30

O pedido de patente será mantido em sigilo durante 18 (dezoito) meses contados da data de depósito ou da prioridade mais antiga, quando houver, após o que será publicado, à exceção do caso previsto no art. 75.

§ 1º A publicação do pedido poderá ser antecipada a requerimento do depositante.

§ 2º Da publicação deverão constar dados identificadores do pedido de patente, ficando cópia do relatório descritivo, das reivindicações, do resumo e dos desenhos à disposição do público no INPI.

§ 3º No caso previsto no parágrafo único do art. 24, o material biológico tornar-se-á acessível ao público com a publicação de que trata este artigo.

Lei 9279/96 – Art. 75

O pedido de patente originário do Brasil cujo objeto interesse à defesa nacional será processado em caráter sigiloso e não estará sujeito às publicações previstas nesta Lei. (Regulamentado pelo Decreto nº 2.553, de 1998)

§ 1º O INPI encaminhará o pedido, de imediato, ao órgão competente do Poder Executivo para, no prazo de 60 (sessenta) dias, manifestar-se sobre o caráter sigiloso. Decorrido o prazo sem a manifestação do órgão competente, o pedido será processado normalmente.

§ 3º A exploração e a cessão do pedido ou da patente de interesse da defesa nacional estão condicionadas à prévia autorização do órgão competente, assegurada indenização sempre que houver restrição dos direitos do depositante ou do titular. (Decreto nº 2.553, de 1998)

Que interesse teria uma empresa, titular de pedido de patente, em abrir uma ação no judiciário antes de ocorrer qualquer fase de exame em instância administrativa e, portanto, ainda em sigilo, a matéria patenteável? Provavelmente nenhum.

No momento da apresentação da abertura de uma ação judicial; não se tratando de interesse à defesa nacional, pois se assim o fosse teriam tido obrigatoriamente a prévia autorização do Conselho Nacional de Defesa Civil; o teor do pedido de patente ou ainda mais se tratar de patentes concedidas, já terão sido publicados.

Que interesse poderá exigir segredo de justiça em ações, relativas à área farmacêutica, se o produto está no mercado, sua patente já foi publicada e as ações defendem o titular da patente que detém o monopólio temporário sobre o medicamento?

Ao contrário, o interesse estará na sociedade e na vigilância para que não ocorram concessões indevidas. Será sempre conveniente a participação da sociedade e de representantes de classe na defesa dos interesses sociais para abertura do mercado e da concorrência de forma a viabilizar o maior acesso da população aos medicamentos.

Se o próprio teor da patente estará disponível, em que o bem comum seria favorecido pelo segredo de justiça, nestes processos?

Ainda que, em se tratando de crimes contra a propriedade industrial previstos na Lei 9279/96 [5], em seu Título V, art. 183 a 195, haja possibilidade de segredo de justiça conforme art. 206, isto só será possível em ação penal e em situações específicas onde houver divulgação em processo, de informações confidenciais que abranjam segredo de indústria ou de comércio, conforme transcrito.

Lei 9279/96 – Art. 75

Na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades.

Porém, torna-se fundamental lembrar que o teor de uma patente obrigatoriamente é colocado ao acesso do público e, portanto não poderá se constituir como segredo de indústria. Ainda, qualquer que sejam o interesse e o valor da informação a ser mantida em sigilo esta nunca poderá se sobrepor ou prejudicar o interesse público, conforme art. 93, IX da CF, anteriormente mencionada [2].

É preciso atenção e reflexão do sistema judiciário para que, em nome de interesse de particulares, não venha a ocorrer um verdadeiro abuso dos direitos de patentes, com sua autorização.

Casos como o que envolve um pedido de patente pendente e o produto Taxotere da Sanofi-Aventis é um dos exemplos de ação civil que tramita em segredo de justiça há algum tempo. Taxotere é um medicamento com o princípio ativo docetaxel, indicado para neoplasias mamárias, pulmonares e prostáticas.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer [6], o câncer de mama é provavelmente o mais temido pelas mulheres, devido à sua alta freqüência e, sobretudo pelos seus efeitos psicológicos, que afetam a percepção da sexualidade e a própria imagem pessoal. No Brasil, o câncer de mama é o que mais causa mortes entre as mulheres. De acordo com a estimativa de incidência de câncer no Brasil para 2006 [7], o câncer de mama seria o segundo, com previsão de 48.930 mortes em 2006.

Ações judiciais noticiadas em todos os jornais, pedido de patente publicado, concorrentes permanecendo por longo tempo impedidos de entrar no mercado, preços do medicamento [8] entre R$1.000,00 e R$3.600,00 levando à um custo total de tratamento da ordem de R$40.000,00, justificaria segredo de justiça ?

Neste panorama, não seria lícito à sociedade, às associações de classe e outros interessados, o direito de participar, ter acesso e opinar?

Mediante as informações expostas, permanece a dúvida:

Ações judiciais em Patentes, segredo de justiça ou abuso de direito?

O princípio da publicidade do processo é a garantia do indivíduo no exercício da jurisdição. A presença pública nas audiências e a possibilidade de exame dos autos nas ações judiciais em patentes representam um instrumento de fiscalização que não pode ser restrito.

BIBLIOGRAFIA

1.Código de Processo Civil – LEI No 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm

2.CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm

3.NERY JUNIOR, Nelson. Princípios constitucionais na constituição federal, 6.ed.. São Paulo: RT, 2000, p. 166.

4.MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Memória Jurídica, 2005, p.31.

5.LEI Nº 9.279, DE 14 DE MAIO DE 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm

6.Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=336

7.Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2006: Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro : INCA, 2005 – http://www.inca.gov.br/estimativa/2006/

  8.Revista Kairos – fev/2007

Sandra Leite
Sandra Leite
Gerente de Informação e Patentes da LIBBS.
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