REVISTA FACTO
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Jan-Fev 2007 • ANO I • ISSN 2623-1177
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A defesa da indústria nacional
//Entrevista Antonio Sergio Fragomeni

A defesa da indústria nacional

O aumento da participação das nações no comércio internacional convencionalmente é apresentado por analistas econômicos como o fator isolado mais importante para um rápido crescimento econômico e desenvolvimento social. No entanto, recentes estudos conduzidos no âmbito da UNCTAD, onde é detalhadamente analisada a evolução do comércio internacional nos últimos vinte e cinco anos, concluíram que, embora as exportações dos países em desenvolvimento tenham crescido acima da média geral, em realidade os grandes beneficiários do processo de globalização das economias mundiais foram os países já desenvolvidos ou aqueles ainda em desenvolvimento, mas que já apresentam uma maior participação de produtos industrializados em suas cestas exportadoras e, desta forma, contando com uma agregação de valor muito superior nas suas exportações do que aquelas encontradas no comércio internacional exclusivamente dedicado aos produtos do agronegócio.

A utilização de políticas públicas que induzam a industrialização interna dos países menos desenvolvidos e promovam a inovação tecnológica de tais parques produtivos para mantê-los competitivos internacionalmente constitui, assim, a chave mestre de todo o processo de crescimento que poderá permitir o acesso do Brasil ao mundo desenvolvido – tal qual o estão fazendo com perfeição as nações asiáticas. Nesse cenário entrevistamos Antonio Sergio Fragomeni, ex-secretário de Política Tecnológica Empresarial do Ministério da Ciência e Tecnologia, com o objetivo de examinar essa matéria e conhecer sua visão sobre as perspectivas para o desenvolvimento industrial da cadeia produtiva petroquímica brasileira, tanto naquela parte localizada a jusante como a montante da futura Refinaria Petroquímica de Itaguaí.

Como se caracteriza a indústria nacional no atual mundo globalizado?

A indústria brasileira enfrenta uma grave ameaça com a crescente globalização da economia. De um modo geral os custos de produção no Brasil são maiores do que aqueles incorridos em alguns países concorrentes. Os impostos pagos por nossas indústrias situam-se entre os maiores do mundo. O custo do capital no Brasil também está entre os maiores do mundo. Temos uma enorme burocracia. Nossa infra-estrutura é deficiente. Os baixos salários que pagamos aos nossos empregados não são suficientes para melhorar nossa competitividade pois eles são acompanhados por elevados custos trabalhistas fazendo com que a possível vantagem desapareça. Para agravar ainda mais a situação, nossa moeda, sobrevalorizada, dificulta a exportação de nossos produtos e incentiva a competição estrangeira em nosso mercado. Desta forma estamos assistindo à derrocada de diversos setores industriais que não conseguem competir, por exemplo, com produtos provenientes da Ásia, onde os governos locais adotam medidas astutas de proteção e incentivo à produção local. Constatamos, estarrecidos ao fechamento de fábricas brasileiras nos setores de calçados, têxtil, confecções, escovas, óculos, fármacos e outros…

Quais são as implicações diretas dessa situação? O governo pode interceder nesse cenário?

O Estado brasileiro deve dar atenção a esse fato, pois seu efeito multiplicativo sobre a economia faz com que o desemprego gerado pelo fechamento das indústrias aumente as despesas do Tesouro Nacional para o custeio da Seguridade Social e reduza cada vez mais os recursos que deveriam ser disponíveis para melhorar a infra-estrutura do País. Além de gastar mais com os desempregados, o efeito é ampliado porque o Tesouro arrecada menos, uma vez que são principalmente as indústrias produtivas que, ao pagarem seus impostos, sustentam o funcionamento da máquina pública. O círculo vicioso persiste, pois as despesas do Estado aumentam permanentemente demandando uma maior arrecadação o que em geral é obtida através do aumento de tributos, enfraquecendo ainda mais as empresas e diminuindo sua competitividade e ocasionando o fechamento de mais e mais indústrias.

Como analisa a situação do orçamento público federal?

A análise dos gastos públicos é de capital importância para explicar essa situação. Como se sabe, as despesas de natureza obrigatória do Tesouro Nacional tais como, INSS, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), custeio do pessoal ativo e inativo, Fundo de Participação de Estados e Municípios, bem como as despesas financeiras que, somadas, consomem quase a totalidade das receitas do Tesouro Nacional. Os poucos recursos restantes serão insuficientes para fazer frente às chamadas despesas discriminatórias, isto é todas aquelas que deveriam ser utilizadas para fazer frente aos investimentos de que o País necessita.

A proporção das despesas discriminatórias em relação ao total das despesas totais não-financeiras do Tesouro Nacional vem sendo reduzida ano após ano. Em 2004 foi de 12,7%, em 2005 de 9,4% e em 2006 ficou em apenas 7%. Isto significa que somente 7% das receitas do Tesouro Nacional são disponíveis para serem aplicadas na construção de estradas, portos, aeroportos, pontes, saneamento, segurança pública, agricultura, defesa da saúde animal, ciência e tecnologia etc. De tudo o que o contribuinte recolhe ao Tesouro Nacional a maior parte, 93%, é esterilizada com despesas de natureza legal e até constitucional que o Estado assumiu e que pouco contribuem

para o desenvolvimento do País, na proporção que se apresentam.

Essa grave situação torna-se ainda mais crítica quando lembramos que nosso País ao longo das últimas décadas acumulou uma dívida pública que representa hoje mais de 50% do nosso Produto Interno Bruto e que terá que ser paga com os poucos recursos de que dispomos.

A enorme dívida pública obriga o governo a praticar taxas de juros elevadas, situadas entre as maiores do mundo, estimulando a atração de capital internacional especulativo e dificultando os investimentos produtivos no País. A questão que nossa sociedade enfrenta nos dias de hoje é: devemos pagar ou não o que devemos? Se não pagarmos, sobrará um pouco mais de recurso para os investimentos indispensáveis. Mas então a dívida crescerá ainda mais, agravando a situação. Se pagarmos, não haverá recursos para despesas vitais para o desenvolvimento nacional. È um triste dilema.

Nesse crítico cenário, quais caminhos seriam passíveis de adoção?

Dentro deste quadro de dificuldades, uma saída que se apresenta possível e até mesmo recomendável é a vontade política do nosso governo de defender ao máximo as empresas brasileiras, sempre que esse apoio não represente ônus para as partes envolvidas ou que possa ser contestado por acordos internacionais de comércio tais como aqueles estabelecidos pela Organização Mundial de Comércio. Quando o governo deixa simplesmente que as forças de mercado atuem, ocorrem casos de fechamento de indústrias, como vimos nos últimos anos em diversos setores da economia. No setor de fármacos, por exemplo, foram fechadas mais de 1.000 unidades produtivas de princípios ativos farmacêuticos nos últimos 15 anos. O atendimento ao mercado nacional por produtos mais baratos e sem qualidade, provenientes da Índia e da China, não tem condições de ser combatido pela indústria nacional sem o apoio decisivo do governo brasileiro. As compras de produtos farmacêuticos contra Aids efetuadas por laboratórios do governo, que já foram em mais de 30% atendidas pela indústria nacional em 2003, foram reduzidas para 23% em 2004, para 8% em 2005 e em 2006 não ultrapassaram 4%. Assim, mais e mais indústrias vão fechando suas portas por falta de mercado. É curioso relembrar que nossa Constituição estabelece que o mercado interno é um patrimônio nacional. Mas, na prática, infelizmente, nossa Constituição não tem sido atendida.

Evitar a importação de produtos sem qualidade, apoiar a inovação nas empresas brasileiras e até mesmo estabelecer salvaguardas transitórias, barreiras não-tarifárias ou outros mecanismos de proteção, são algumas possibilidades de defesa. Sem uma vontade política de defesa da produção nacional, nossa indústria não conseguirá sobreviver.

Para a área da indústria química fala-se muito no programa Prominp. O que vem a ser o Prominp na petroquímica?

A previsão de grandes investimentos para a área petroquímica brasileira caracteriza a oportunidade da decisiva participação da Petroquisa no Prominp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás). Do investimento de  US$ 23,1 bilhões que a Petrobras planeja executar na área de Abastecimento entre 2007 e 2011, US$ 3,2 bilhões serão na área petroquímica.

Se não houver uma grande conscientização de toda a sociedade para a importância de se buscar a participação intensiva da indústria nacional no fornecimento local de bens e serviços para esses novos empreendimentos, estaremos perdendo uma excelente oportunidade para desenvolver a indústria nacional de bens e serviços, criando emprego e gerando riquezas e divisas para o Brasil.

O governo federal já estabeleceu sua diretriz geral na defesa da indústria nacional, através da criação, pelo Decreto Presidencial nº 4.925 de 19/12/2003, do Prominp, cujo objetivo é o de promover, monitorar e fiscalizar a participação da indústria nacional no segmento de petróleo e gás.

Em diversas áreas do setor de petróleo e gás, o Prominp tem comprovado sua finalidade através de diversos resultados positivos já obtidos pelo programa. O sucesso do modelo demonstra a conveniência de se fortalecer o Prominp também na área petroquímica. A dimensão dos investimentos que estão previstos para essa área justifica o estabelecimento, no âmbito do Prominp, de uma ampla carteira de projetos visando o aumento do conteúdo nacional nesses investimentos.

Lembramos o lema do Prominp: tudo o que pode ser feito no Brasil, tem que ser feito no Brasil. Nesse sentido, a Petroquisa resolveu atribuir uma especial atenção ao assunto, tendo criado uma coordenação específica para dedicar-se ao gerenciamento da interação entre os diversos projetos do Prominp na área petroquímica e demais áreas da indústria de petróleo e também para auxiliar na execução, controle e avaliação dos projetos.

Nesse contexto do Prominp na petroquímica, poderíamos considerar também a parceria de empresas nacionais a jusante da refinaria petroquímica, ou seja, no fornecimento de intermediários químicos para a química fina?

Evidentemente sim. Todas as parcerias que visam fortalecer a indústria nacional são consideradas, no âmbito do Prominp, de maior interesse. No contexto do Prominp na petroquímica, não estabelecemos fronteiras para definir que o apoio do Prominp vá até este ou aquele ponto. Neste particular, o Prominp defende o fortalecimento das empresas nacionais, tanto a montante quanto a jusante do refino. Assim, consideramos que a parceria de empresas nacionais no fornecimento de intermediários químicos para a química fina é também uma meta do Prominp.

Antonio Sergio Fragomeni
Antonio Sergio Fragomeni
Ex-secretário de Política Tecnológica Empresarial do Ministério da Ciência e Tecnologia.
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