Fonte: Jota 08/03/23
O ambiente rural tem sofrido uma verdadeira transformação ao longo dos anos com a intensificação do desenvolvimento de novas tecnologias. Tais avanços tecnológicos contribuem diretamente nos mais variados segmentos rurais, como nas práticas de melhoramento genético, mecanização da agricultura, desenvolvimento de defensivos agrícolas, rações e aprimoramento de sementes, além de contribuir, diretamente, na sustentabilidade na produção agrícola.
No entanto, esse mesmo desenvolvimento de novas tecnologias no agro também tem sido utilizado para fins ilegais, como o aumento da fabricação e distribuição de produtos piratas, principalmente de defensivos agrícolas. Segundo matéria publicada na Isto É Dinheiro em 17 de agosto de 2022[1], os defensivos agrícolas ilegais representam hoje no Brasil 25% do mercado e geram prejuízos de R$ 20 bilhões.
Cada vez mais as organizações criminosas responsáveis por esse segmento de mercado ilegal têm se aprimorado, contando hoje com verdadeiros laboratórios químicos para desenvolver produtos ilegais ou adulterar produtos originais roubados.
São recorrentes as reportagens a respeito de quadrilhas especializadas na venda de defensivos agrícolas falsificados, identificadas e desmanteladas em operações brilhantemente executadas pelas autoridades brasileiras, que precisam criar verdadeiras forças-tarefas para coibir a prática desses ilícitos[2].
Importante ressaltar que os defensivos agrícolas são produtos controlados por diversos órgãos de vigilância e fiscalização, razão pela qual a habilitação das empresas para a fabricação e comercialização desses produtos em solo nacional é um procedimento regido por regulamentação específica, em razão do evidente risco à saúde.
A falta de informação segura dos defensivos agrícolas irregulares pode levar à contaminação dos solos, águas, lençóis freáticos e dos alimentos, podendo chegar a causar a intoxicação do ser humano e dos animais.
Sendo assim, o aumento identificado da falsificação dos defensivos agrícolas aumenta, exponencialmente, o risco à população brasileira, uma vez que o mercado está sendo inundado por esses produtos fabricados à margem de qualquer fiscalização, e que podem acabar chegando à mesa do brasileiro.
Não obstante o inegável risco à coletividade, as empresas fabricantes de defensivos agrícolas que operam de forma regular no território nacional também figuram como vítimas desses crimes, uma vez que passam a ter suas marcas indevidamente associadas a produtos nocivos, o que pode gerar prejuízos irreversíveis. Dessa forma, o investimento em medidas de brand protection eficazes e o suporte às autoridades são práticas necessárias para essas empresas mitigarem seus prejuízos e buscarem, de forma efetiva, uma solução para esse problema.
Atualmente, as práticas criminosas relacionadas à comercialização de defensivos agrícolas falsificados podem ser enquadradas como furto ou roubo (artigos 155 e 157 do Código Penal) quando o produto original é subtraído, como por exemplo nos casos de “roubos de carga”; crimes contra as marcas (artigos 189 e 190 da lei 9.279/96), referente a venda e manutenção em estoque do produto falsificado, ou seja, indevidamente identificado com marca de terceiro; crime de receptação (artigo 180 do Código Penal), a compra desses itens por agricultores ou revendedores, quando cientes que se tratam de produtos irregulares.
A gravidade dos atos praticados relacionados aos defensivos agrícolas falsificados é tão relevante que hoje se encontra em trâmite o PL 2619/2021, de autoria do deputado Felipe Rigoni (União-ES)[3], que tem como objetivo tipificar os crimes de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de defensivos e insumos agrícolas, atribuindo a estes pena de reclusão de 10 a 15 anos e multa na modalidade dolosa. Incorrerá na mesma pena quem importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo os itens falsificados, corrompidos, adulterados ou alterados.
Outra inovação proposta pelo projeto de lei será a atribuição da mesma pena para quem pratica ações sem registro, quando este é exigível perante os órgãos de controle e vigilância; em desacordo com a fórmula constante do registro previsto; sem as características de identidade e qualidade admitidas para a comercialização; de procedência ignorada; ou adquiridos de estabelecimento sem licença dos órgãos de controle competentes.
Outro projeto de lei em trâmite que abarca a mesma temática é o PL 9271/17, que propõe a criminalização da falsificação ou adulteração de agrotóxico com a inclusão do tipo penal na Lei dos Agrotóxicos[4], com pena de 2 a 4 anos de reclusão e multa. Além disso, a proposta prevê a inclusão no rol dos crimes hediondos[5] a falsificação, corrupção, adulteração ou a alteração do agrotóxico.
Em que pese a lacuna legislativa referente à previsão de crimes, com penas mais graves, atrelados à pratica de atos relacionados à falsificação dos defensivos agrícolas, é inegável a necessidade de orientação e esclarecimentos à coletividade a respeito do risco do consumo de tais produtos, além da união de esforços no combate à pirataria entre os fabricantes regulares e as autoridades, pois o prejuízo gerado por essa prática atinge severamente a todos da cadeia: o fabricante dos produtos legalizados, o consumidor final, a coletividade e a economia nacional.
[1] Defensivos ilegais dominam 25% do mercado e dão prejuízos de R$ 20 bi (istoedinheiro.com.br)[2] ‘Piratas do Agro’: Suspeito de liderar quadrilha que falsificava agrotóxicos em Franca é preso no Sul de MG | Ribeirão Preto e Franca | G1 (globo.com)[3] Projeto tipifica crime de falsificação de defensivos e insumos agrícolas – Notícias – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)[4] Lei 7.802/1989[5] Lei 8.072/1990Raquel Corrêa Barros – Advogada, pós-graduada em Propriedade Intelectual e Novos Negócios, Direito Penal e Processo Penal. Compõe o time de Antipirataria & Brand Protection do escritório Kasznar Leonardos e atua no desenvolvimento de estratégias, investigações e organização de operações antipirataria
Rafael Lacaz Amaral – Sócio e head do time de Antipirataria & License Compliance, com foco especial nas indústrias de software e entretenimento do escritório Kasznar Leonardos. Além de um experiente advogado e litigante perante tribunais de todo o país, também presta serviços de consultoria em contratos de licenciamento, patentes, marcas, direitos autorais e concorrência desleal, bem como processo de marcas, arbitragem e mediação na área de PI. É professor convidado regular de direito de PI na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e na Fundação Getulio Vargas (FGV)