*Por Marcelo Mansur
Dentre todos os terríveis impactos humanos, sociais e econômicos da pandemia da COVID-19, temos um que não era tão esperado, mas que também será duradouro: hoje, no Brasil todo mundo sabe o que é IFA (Insumo Farmacêutico Ativo). Agora, os IFAs são discutidos nos jornais, em táxis, bares, e em conversas de família. Apesar da origem deste conhecimento ter sido algo trágico – a falta de IFAs para o início da vacinação em massa no Brasil – ele cria agora uma oportunidade que não pode ser desperdiçada pela indústria farmoquímica.
O Brasil é absolutamente dependente de importações de IFAs – seja para vacinas, seja para medicamentos – e este cenário cria uma vulnerabilidade enorme no nosso sistema de saúde. A Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI), aponta que apenas 5% dos IFAs que abastecem o Brasil são produzidos dentro do País. Estima-se que em torno de 70% vem da China ou da Índia. Existe um caminho para o País ter independência neste setor tão crítico, e o primeiro passo foi dado, apesar de ter sido de maneira tão indesejada.
A indústria mundial de IFAs hoje é fortemente concentrada entre China e Índia. Há décadas estes países investem fortemente nesta indústria como questão estratégica e geopolítica. Este fortalecimento e a capilaridade que trouxe para estes países na indústria de saúde mundial se deu por uma estratégia consolidada e abrangente. Primeiro, incentivando o investimento na indústria de IFAs especificamente, por meio de taxas subsidiadas ou inexistentes de empréstimo para construção de fábricas. Estas fábricas construídas em parques industriais cedidos pelos governos, com infraestrutura consolidada, estradas, energia elétrica, água, tratamento de efluentes, entrada e escoamento de insumos e produtos, e até moradia para trabalhadores migrarem para as regiões industriais. Também investiram fortemente na formação de pessoas, fomentando cursos técnicos e superiores focados na indústria de IFAs, na química e na fermentação.
É comum em feiras de negócios conduzidas na China, vermos grupos de estudantes e adolescentes visitando os estandes de empresas, tirando fotos, sonhando eventualmente fazer parte desta indústria. Isso dá uma noção da distância que temos no Brasil, em que até recentemente alunos graduandos de um curso de Engenharia Química ou Farmácia nem sabiam o que é um IFA.
Por fim, em conjunção a estes fatores, foi o fato de China e Índia terem construído toda essa estrutura que possibilitou praticarem preços muito inferiores àqueles que até então eram encontrados no mercado. Estes preços, aliados à abertura comercial do Brasil no fim da década de 1980, com redução ou eliminação de imposto de importação, foram decisivos para a redução da indústria farmoquímica no Brasil. Isto permitiu uma expansão de fornecedores estrangeiros e de baixo preço, mas hoje vemos os riscos quando temos uma pandemia, um problema geopolítico no Oriente Médio, mudança climática global, e tantos outros fatores totalmente fora da nossa autonomia.
Infelizmente, são poucas as indústrias nacionais que persistem e que podem investir em tecnologia e qualidade, mesmo havendo espaço para o País atingir um grau de autonomia mínimo no setor.
É necessária uma linha de investimento focada nesta indústria, que possa absorver o tempo necessário para o retorno do crescimento. Qualquer investimento em IFA não tem retorno em menos de cinco anos. Precisamos investir nas nossas universidades e cursos técnicos com foco em produção de IFA, para que tenhamos pessoas formadas e capazes de fomentar as expansões.
Precisamos, também, de uma política de governo contínua e consistente, e que dê valor a este assunto como algo estratégico. Temos o esboço disso com iniciativas como as PDP’s – Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo – e o Projeto de Lei 4.209 para dar prioridade a registros de medicamento com IFA nacional. São boas iniciativas, que não envolvem subsídio financeiro ou custo adicional às farmacêuticas, ao governo ou ao consumidor.
A globalização veio para ficar, e é certamente benéfica em quase todos os aspectos, mas cada país precisa tomar uma decisão em relação ao que é crítico para sua autonomia. Os Estados Unidos fizeram isso com o presidente Joe Biden lançando um plano de investimento e fomento para indústrias essenciais – microchips, geração de energia, produção de carros elétricos, telecomunicação e, sim, IFAs. Agora que todos nós conhecemos os IFAs e sua importância, é hora de o Brasil fazer o mesmo.
*Marcelo Mansur é Presidente da Nortec Química
Fonte: Diário Comercial