O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria (9 votos contra 2), nesta quinta-feira (06 de maio), pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) – nº 9.279/1996. O veredito acaba com a extensão do prazo de patentes para além dos 20 anos fixados em lei. Esse resultado é o último capítulo de um movimento que teve início em 2013, quando a ABIFINA propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 5061, extinta pelo STF. No entanto, posteriormente ela foi incorporada, em sua totalidade, na Adin nº 5529, requerida pela Procuradoria Geral da República e julgada agora pelo tribunal.
A tese principal foi de que a prorrogação das patentes configura a distorção de um benefício que deveria estimular pesquisas e inovações. A indefinição de uma data de término da exclusividade prevista no parágrafo único do artigo 40 da LPI traz insegurança à entrada da concorrência em todos os setores tecnológicos.
O fim do prazo extra deverá beneficiar toda a cadeia da química fina em seus diversos segmentos – medicamentos para uso humano e veterinário, fitoterápicos, vacinas de uso humano e veterinário, defensivos agrícolas, catalisadores e demais especialidades.
Para o relator, ministro Dias Toffoli, o fim das prorrogações deve valer imediatamente para medicamentos e equipamentos de saúde. A modulação de efeitos – se a decisão valerá somente para novas patentes ou também para aquelas que estão em vigor, e se abarcará somente medicamentos ou todas as áreas tecnológicas – ficou para a próxima sessão, na quarta-feira, dia 12 de maio.
Segundo o presidente-executivo da ABIFINA, Antonio Bezerra, a decisão do STF é a cristalização de um processo que a entidade acompanha há tempos. “Esse mecanismo causava grandes prejuízos à indústria nacional, tanto aos consumidores finais quanto ao Governo Federal, na figura do Sistema Único de Saúde (SUS). Tenho certeza de que haverá aumento de competitividade e benefícios para o País e para as pessoas”.
No entanto, Bezerra ressalta que ainda é necessário aguardar a sessão da próxima semana, quando o plenário debaterá a modulação da decisão. “Somente então teremos uma visão mais clara”, explica. O presidente da ABIFINA acredita que os impactos da decisão serão muito positivos para mitigar os efeitos da pandemia de Covid-19. “Não me refiro apenas aos medicamentos de combate direto à doença, mas os que tratam dos efeitos da enfermidade, pois muitos dos que se recuperam ficam com sequelas neurológicas e cardiológicas, entre outras”.
Para o consultor jurídico da ABIFINA, Pedro Barbosa, a ABIFINA é uma das protagonistas dessa vitória. “A associação deu o primeiro passo em 2013, com a primeira Adin, que foi recuperada pelo então Procurador-Geral da República Rodrigo Janot para a atual ação, na qual usou parte da argumentação da ABIFINA”. Barbosa aguarda agora a modulação. “Dos ministros que se pronunciaram sobre a modulação, a proposta do relator Toffoli parece a mais razoável. A priori, a decisão só valeria a partir de agora, com exceção da área de saúde, como medicamentos e equipamentos, para os quais seria retroativa”.
Na prática, o efeito do parágrafo único do artigo 40 é nocivo. Na área de saúde, por exemplo, inibia os investimentos dos laboratórios nacionais que produzem os genéricos e mantinha elevados por mais tempo os preços de medicamentos usados no tratamento de várias doenças. O consumidor também perdia, pois deixava de ter a opção de escolher entre o medicamento referência e outros genéricos que, em média, custam 35% menos.
A ampliação do prazo de vigência das patentes foi criada como forma de compensação pela demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) na concessão dos registros. O acréscimo de até 10 anos era uma solução estritamente brasileira e fazia com que o prazo original das patentes, que é de 20 anos, chegasse a 30. O recurso era bastante utilizado: mais de 90% das patentes concedidas no País têm expansão de prazo.
O Brasil está entre os países mais lentos na decisão de pedidos de patentes. O tempo médio que o INPI leva é de 14 anos, de forma que as patentes duram, em média, 24 anos. De acordo com dados do INPI informados ao STF, atualmente há um total de 8.837 pedidos de patentes aguardando concessão há mais de dez anos. Ao todo, há 143.815 pedidos de patentes pendentes de decisão. Hoje existem 34 mil patentes em vigor que superam os 20 anos.
A extensão do prazo das patentes prejudica a concorrência e traz prejuízos aos cofres públicos. Um dos principais setores afetados é o farmacêutico, o que atinge diretamente o Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por adquirir medicamentos para distribuir em sua rede de atendimento.
A PGR citou estudo do Grupo de Economia da Inovação, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que mostrou que entre 2014 e 2018 o governo federal gastou R$ 10,6 bilhões, ou cerca de R$ 1,9 bilhão ao ano, com apenas nove medicamentos que teriam a patente expirada entre 2010 e 2019, mas que tiveram prorrogações de até oito anos.
O caso ganhou destaque e urgência com a pandemia da Covid-19. O INPI informou que o Ministério da Saúde enviou ofício ao instituto indicando os pedidos de patente de quatro medicamentos que deveriam ser priorizados, pela possibilidade do uso contra a Covid-19: Favipiravir, Remdesivir, Sarilumabe e Tocilizumabe.
Conforme dados do INPI, 96% das patentes de medicamentos concedidas no Brasil entre 2000 e 2016 tiveram incidência do parágrafo único do artigo 40. Hoje há no País cerca de 60 medicamentos com patentes estendidas em razão do dispositivo. A maior parte desses remédios são biofármacos.