Resultados da parceria entre ABIFINA e FIOCRUZ também foram foco do evento

Resultados da parceria entre ABIFINA e FIOCRUZ também foram foco do evento

O futuro da indústria farmoquímica no Brasil depende de políticas de Estado duradouras que tragam previsibilidade e segurança jurídica e fomentem um ambiente propício à inovação e à competitividade. Essa foi a tônica do seminário “Fortalecimento e sustentabilidade do setor farmoquímico nacional”, que ABIFINA e Fiocruz promoveram no dia 13 de outubro. O evento integra as ações do acordo de cooperação firmado entre as duas instituições, cujo objetivo é estimular o desenvolvimento do setor e reduzir a vulnerabilidade e dependência do Brasil em relação à importação de insumos farmacêuticos ativos (IFAs).

O seminário reuniu representantes da indústria, do Ministério da Saúde, da Anvisa e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), além da própria ABIFINA e Fiocruz, para discutir as vulnerabilidades do setor e apontar caminhos para seu desenvolvimento no Brasil. Também foram apresentados os resultados de um estudo sobre o cenário atual da produção nacional de moléculas, a partir do qual serão indicadas as prioridades para desenvolvimento farmacêutico brasileiro, no âmbito da parceria entre ABIFINA  e Fiocruz.

Na abertura, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, ressaltou que a preocupação com o acesso da população a medicamentos é um dos pilares do trabalho da fundação. Para ela, a garantia desse aceso depende de desenvolvimento e inovação. “O fortalecimento industrial é fundamental para que desenvolvimento em pesquisa e tecnologia possa chegar à população através do SUS [Sistema Único de Saúde]”, afirmou.

Para o presidente do Conselho Administrativo da ABIFINA, Marcus Soalheiro, o Brasil está “sentado em infinitas possiblidades”, mas para ser capaz de explorá-las é necessário que o Estado faça seu papel. “Não podemos trabalhar com espasmos industriais. Temos que ter política estatal para reger e impulsionar as atividades industriais, como em outros lugares do planeta”, defendeu. Ele lembrou que políticas bem sucedidas, como a que estabeleceu as Parcerias para o Desenvolvimento Produto (PDPs), trazem bons retornos ao País. “A capacitação industrial resultante das PDPs, além da tecnologia e da melhoria do sistema, produz investimento, gera emprego, redunda em mais imposto, arrecadação e renda, e multiplica toda a atividade econômica”, argumentou.

Os efeitos de uma política de preços desatualizada foram destaques na fala da diretora da Segunda Diretoria da ANVISA, Meiruze Freitas. “Há empresas que deixaram de fabricar porque o custo cobrado não valia a pena. Há medicamento que se fabricado no Brasil paga R$ 1,00, mas, quando importado, paga US$ 1,00. Estamos perdendo moléculas que já autorizamos [na Anvisa]. Nos últimos 3 anos, dos 77 medicamentos autorizados, 17 tiveram pedido de preço e não foram comercializados”, alertou.

Ela destacou ainda o caso bem sucedido da Coreia, que nos últimos 30 anos desenvolveu um parque industrial farmacêutico robusto e pode servir de inspiração ao Brasil. “Hoje a Coreia tem quase 620 indústria, com cerca de 300 medicamentos e IFAs autorizados nos Estados Unidos e países da Europa. No último ano, foram produzidos no país 2 mil biossimilares, investido na atuação além fronteira”, disse.

Outra preocupação levantada é a alta dependência que o Brasil e a América Latina têm de produtos importados, o que deixa o País e a região mais vulneráveis a desabastecimentos das cadeias globais. A representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) no Brasil, Socorro Gross, lembrou que o mundo tem enfrentado diversas crises que afetam a produção mundial, como a recente pandemia da covid-19 e o atual conflito entre Rússia e Ucrânia. “A guerra na Europa, com o início de racionamento brutal de energia e a recessão, vai afetar a produção e o abastecimento de nossos produtos na região das Américas. Precisamos de uma decisão de Estado e de investimentos [para enfrentar o problema]. E isso é hoje, amanhã já é tarde”, advertiu. Gross também defendeu que o Brasil precisa estar mais integrado à América Latina.

Já o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde (VPPIS) da Fiocruz, Marco Krieger, destacou que o fortalecimento da produção local passa também pelo desenvolvimento da cadeia de suprimentos, e lamentou o processo de desindustrialização por qual passou o Brasil após os anos 1980, quando a indústria química nacional produzia 50% dos IFAs consumidos localmente. “Estamos discutindo a necessidade do resgate da produção nacional de moléculas e medicamentos que foram descontinuados, mas que ainda têm papel importante em diferentes protocolos”, disse.

Cooperação ABIFINA e Fiocruz

No primeiro painel do seminário, foram apresentados os resultados da parceria firmada entre ABIFINA e Fiocruz, que teve por objetivo estabelecer ações para fortalecimento do setor farmoquímico nacional. Segundo Krieger, a cooperação trabalhou a partir de temas considerados relevantes para o setor, como a importância estratégica da cadeia de suprimentos no setor de produção de insumos para a saúde e a necessidade de resgate e aprimoramento de políticas públicas já estabelecidas no País.

Também foi realizado um estudo que identificou as principais lacunas e oportunidades para a indústria farmoquímica a partir da análise da Portaria nº 704/2017, que estabeleceu diretrizes para a fabricação de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS). O trabalho incluiu o cruzamento das moléculas elencadas na portaria com dados da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), das PDPs e dos registos de medicamentos na Anvisa. A partir desse levantamento serão estabelecidas as moléculas que deverão ser prioridade para o desenvolvimento farmacêutico brasileiro.

As ações incluíram ainda uma pesquisa com fabricantes nacionais para compreensão da visão da indústria sobre a produção e aquisição de IFAs e uma prospecção de potenciais parceiros para atendimento das demandas da América Latina. Os resultados foram apresentados pela especialista em Assuntos Regulatórios ABIFINA, Marina Moreira, e a analista de Assuntos Regulatórios da entidade, Bruna Oliveira.

Participando do painel, o presidente-executivo ABIFINA, Antonio Bezerra, comentou a importância da cooperação com a Fiocruz e ressaltou a importância de a indústria nacional estabelecer parcerias com países próximos para alcançar o chamado reshoring, movimento de retomada dos processos industriais em caráter nacional. “Observamos [no estudo] que esse reshoring é característico de países europeus e dos Estados Unidos, onde quase 25% das plantas locais produzem IFAs de alto valor agregado”, contou.

Também compondo a mesa, o assessor da VPPIS/Fiocruz, Jorge Carlos da Costa, alertou para a necessidade de diálogo do Poder Público com a indústria. “É importante que o próximo líder do País e os ministros tomem conhecimento não apenas das recomendações oriundas dessa parceria, mas de todas as sugestões oriundas do setor regulado e da sociedade civil organizada”, disse.

Os resultados do acordo foram bem recebidos pelo público presente e renderam a possibilidade de desdobramento da parceria para abranger as Américas, por meio da participação da OPAS. O painel teve a moderação de Mario Pagotto, da VPPIS/Fiocruz.

Acesse aqui a apresentação feita por Marina Moreira, especialista em Assuntos Regulatórios da ABIFINA.

Vulnerabilidades e fortalecimento da farmoquímica

Na parte da tarde, o painel “Vulnerabilidade sanitária de IFAs” discutiu os principais obstáculos enfrentados pelo complexo industrial farmoquímico e estratégias para sua superação. O diretor do Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) e 2º vice-presidente da ABIFINA, Jorge Mendonça, que moderou o debate, defendeu a necessidade de se investir em pesquisa e inovação como estratégia para o desenvolvimento e fortalecimento de toda a cadeia produtiva da química fina. “A indústria farmacêutica está dentro de um complexo maior, com indústrias atreladas que trazem mais conhecimento”, afirmou.

O trabalho integrado entre os diferentes entes públicos é fundamental para o bom funcionamento das políticas públicas, segundo o representante da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde (SCTIE) do Ministério da Saúde (MS), Kleber Barros. Ele descreveu os esforços do MS em prol do Complexo Industrial da Saúde, como a recriação do Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (Gecis) e ações conduzidas com Ministério da Economia, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e o Itamarati.

Para o coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, Carlos Gadelha, é preciso aprender com os equívocos do passado. “Não podemos repetir o erro de insular a farmoquímica da base econômica, do SUS, do Complexo da Saúde, sob pena de perdermos relevância”, alertou. Ele também lembrou os bons resultados da política de desenvolvimento produtivo instituída em 2008, que levou à criação inicial do Gecis, ao estabelecimento da PDPs e outras ações que deram relevância e força à indústria farmoquímica. “A indústria farmoquímica encontrou seu espaço de maior relevância e significado para a sociedade dentro do SUS e do mega sistema produtivo”, argumentou.

O vice-presidente Farmoquímico da ABIFINA, Antônio Carlos Teixeira, acredita que a chave está no financiamento à pesquisa e na conexão dos diferentes elos da cadeia produtiva, indústria farmoquímica, farmacêutica e academia, considerando da manufatura ao consumo. Assim, argumenta, será possível haver viabilidade econômica que justifique o custo e alto risco de desenvolvimento de novos IFAs. Segundo ele, a política das PDPs, hoje enfraquecida, impulsionou a indústria justamente por fomentar essa articulação. “O que a PDP fez com a farmoquimica, que estava à mingua, foi dar vínculo e propósito, que são as bases para se discutir desenvolvimento”, defendeu.

Na mesma linha, o presidente da Associação dos Laboratórios Oficiais do Brasil (Alfob), Artur Couto, frisou a importância da demanda de mercado associada a uma política pública com critérios claros para impulsionar a indústria. “Não adianta discutir produção de IFAs sem discutir o mercado”, opinou. Para ele, a Política Nacional de Imunização, que, nos anos 1970, estabeleceu que o Brasil seria autossuficiente em vacinas, é um exemplo de política perene capaz de criar demanda e estimular o estabelecimento de um parque produtivo forte e desenvolvido.

A aposta do presidente executivo Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, é de que a indústria brasileira tem conhecimento e capacidade para dar um salto tecnológico e de desenvolvimento, mas para isso é preciso coordenação política e investimento. “Não há nada que nos limite de fazer um processo de catch up tecnológico. Mas é essencial que o núcleo tecnológico formado por instituições como a Fiocruz tenha investimento, pois é ele que impulsiona o desenvolvimento”, afirmou.

Homenagem a Nelson Brasil

Durante o seminário, houve uma homenagem a Nelson Brasil de Oliveira, presidente de honra e um dos fundadores da ABIFINA, com apresentação de um vídeo produzido pela coordenadora Executiva e de Comunicação da entidade, Luciana Bitencourt. Dr. Nelson, como era carinhosamente chamado, faleceu em setembro e completaria 94 anos no dia 13 de outubro. Clique aqui para conhecer.

Assista à gravação do seminário

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ABIFINA e FIOCRUZ convidam para o seminário 'Fortalecimento e sustentabilidade do setor farmoquímico nacional'

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