Webinar promovido pela ABIFINA reuniu especialistas no tema e registrou público de 200 pessoas

As patentes de segundo uso voltaram ao debate após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançar consulta pública para discutir a possibilidade de genéricos apresentarem bula diferente dos medicamentos de referência. A medida, que já é adotada nos Estados Unidos e em países europeus, gera controvérsias, mas especialistas avaliam que, se aprovada no Brasil, poderá ampliar o acesso da população a medicamentos com primeiro uso em domínio público.

O tema foi o ponto central do webinar “Patentes de 2º uso e o impacto nas regras de bula (skinny label)”, organizado pela ABIFINA no dia 18 de abril. No evento, especialistas discutiram as patentes de segundo uso e os possíveis efeitos das alterações das regras de bula no país.

Para o presidente executivo da ABIFINA, Antonio Carlos Bezerra, a discussão está alinhada às pautas da entidade. “A ABIFINA tem histórico de lutar por patente de merecimento. Queremos trazer esclarecimentos sobre esse tema a todos que têm interesse nas políticas públicas que hoje o Brasil desenvolve buscando a melhoria no acesso da população [a medicamentos]”, afirmou.

Conforme explicou a coordenadora-Geral de Patentes I do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Flavia Trigueiro, o escritório nacional de patentes entende que novos usos de um produto já protegido são passíveis de patenteamento pela Lei de Propriedade Industrial (LPI), desde que se cumpram os requisitos de patentabilidade.

“Na visão do Brasil, patentes de segundo uso são enquadradas como processos, não de síntese ou de preparação, mas um processo caracterizado pelo uso do produto para tratar uma doença diferente. Tivemos discussão grande sobre a legalidade desse tipo de proteção, o que foi discutido judicialmente, e se concluiu que não há vedação legal para esse tipo de patente”, disse.

No caso de produtos farmacêuticos, é preciso que o novo uso tenha sido comprovado por testes clínicos para uma doença específica, diferente da primeira. A reivindicação nesses casos é do tipo “fórmula suíça”, isto é, quando o uso de um produto conhecido é “caracterizado por ser na preparação de medicamento para tratar a doença Y”.

Com a patente concedida, a nova indicação terapêutica será incluída à bula do medicamento de referência, o que afeta também a bula dos genéricos. Isso pode atrasar a entrada de um medicamento mais barato no mercado. Pela regra brasileira vigente, a bula dos genéricos precisa ser idêntica à dos medicamentos de referência, e a menção ao segundo uso infringiria a patente, impedindo a comercialização do genérico.

Trigueiro afirma que a consulta pública da Anvisa vem para resolver essa questão, pois a mudança na regra permitiria excluir da bula a menção à indicação terapêutica ainda protegida. “Na visão do INPI, isso é positivo, pois possibilita um maior equilíbrio do sistema de patente”, defendeu. Ela alerta, no entanto, que isso pode dificultar o controle e enforcement dessas patentes de segundo uso.

O advogado Raul Murad, sócio do escritório Denis Borges Barbosa Advogados, também defende a alteração nas regras da Anvisa para as bulas. Segundo ele, estudos realizados nos Estados Unidos apontam que a adoção da chamada skinny label, ou “bula recortada”, nas suas palavras, permitiu que medicamentos genéricos entrassem no mercado 3,2 anos mais cedo do que entrariam caso não existisse essa previsão legal. Ao mesmo tempo, em países mais permissivos com o depósito de patentes para os diferentes aspectos de uma mesma tecnologia, o domínio público do composto original se torna irrelevante, já que sempre haverá patentes complementares válidas.

Murad afirma que a bula recortada não é uma invenção brasileira, pois já foi adotada por diversos outros países, ainda que seja possível observar controvérsias relativas à medida. Na sua visão, a legislação brasileira está defasada em relação à questão. “Nossa regulamentação é lacônica frente ao que encontramos no exterior”, alertou.

No seu entendimento, a legislação atual já possibilita a adoção do uso da bula recortada, desde que o fabricante do genérico não publicize diretamente os segundos usos dos medicamentos, mas acredita ser necessária a previsão da bula recortada no ordenamento jurídico brasileiro. “A existência de uma normativa especifica traz mais segurança jurídica”, argumentou.

O webinar foi marcado pela interação entre público e palestrantes. Ao final, a audiência de pouco mais de 200 pessoas participou ativamente de uma seção de perguntas e respostas com os especialistas. A mediação foi realizada pela consultora de Propriedade Intelectual e Biodiversidade da ABIFINA, Ana Claudia Oliveira. Para a entidade, o evento cumpriu seu objetivo de promover um debate qualificado e difundir conhecimentos sobre o tema.

Assista à gravação do webinar.


MPP Day: Aprenda a usar o Monitoramento de Pedidos de Patentes da ABIFINA
Anterior

MPP Day: Aprenda a usar o Monitoramento de Pedidos de Patentes da ABIFINA

Próxima

ABIFINA oferece apoio em capacitação e propriedade intelectual na Reunião da Rede MCTIC/EMBRAPII de Inovação em Bioeconomia